À semelhança do que aconteceu com “Soul – Uma Aventura com Alma” no final do ano passado, “Luca”, o mais recente filme da Pixar, vê a estreia a ser diretamente encaminhada para o serviço de streaming da Disney, o Disney+. A ausência do filme em salas não é a única consequência que a pandemia teve em “Luca”, há outra que graças às maravilhas da tecnologia atual, passa despercebida ao longo de todo o filme: as vozes. Numa conferência de imprensa realizada virtualmente, na qual o Observador esteve presente, esse é um tema que ocupa vários minutos de conversa.

Andrea Warren, produtora do filme, diz imediatamente “Esse foi um dos maiores problemas que teríamos de resolver. Envolvia enviar iPads, microfones, experimentar diversos sítios em casa onde o som pudesse ser melhor gravado. E, claro, carregar nos botões certos na altura certa. Não foi fácil, mas conseguimos fazer.” As experiências pela casa normalmente acabavam no roupeiro, como confessa Jack Dylan Grazer, que faz a voz de Alberto, que passou muito tempo enfiado no roupeiro da mãe, a sua e aos berros: “Foi um desafio como ator e humano [por causa do calor]. Aposto que os meus vizinhos estranharam a quantidade de griso que saíram da minha casa.”

“Luca”, que estreia esta sexta-feira no Disney+, é um filme de verão. Passa-se na costa italiana – com quem o realizador, Enrico Casarosa, tem muita familiaridade – e começa no mar. Luca (cuja voz é de Jacob Tremblay) é uma criatura marinha, curioso mas medroso, que passa os dias ocupado com tarefas de pastor aquático e de recoletor admirado. Num desses dias, no meio de brincadeiras, conhece Alberto, também ele outra criatura marinha, da mesma família, que depressa oferece uma revelação monstruosa a Luca: a sua espécie, quando sai da água, transforma-se em humano. Luca e Alberto fora de água são dois pré-adolescentes que estão prontos a começar o melhor verão das suas vidas.

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Antes de ver o filme, só com base no trailer, há uma sensação de que este é o “Call Me By Your Name” da Disney/Pixar. Não é. “Luca” é outra coisa, uma espécie de filme coming of age com a presença de “A Pequena Sereia” na sombra. O realizador Enrico Casarosa explica a sua inspiração para o filme: “Nasci em Génova e era um miúdo muito tímido, protegido pela família. Quando conheci o meu melhor amigo, aos 11 anos, o meu mundo abriu-se. Ele era daqueles que causava problemas, porque não tinha muita supervisão. Naqueles verões, em que te estás a descobrir, eu seguia-o para todo o lado e também eu arranjava problemas. Fez-me lembrar de como as nossas amizades ajudam-nos a descobrir quem somos.”

Alberto é o elemento que desencaminha Luca. Mas Alberto tem algo mais, tem um truque, que é o momento mágico / pedagógico declarado da Pixar neste filme. Quando Luca está com medo em fazer algo, Alberto diz-lhe que ele tem de silenciar essa voz na sua cabeça. Tem de dizer “Silêncio Bruno”, sendo Bruno a consciência que diz o que não se deve fazer, que nos impossibilita de voar. Jacob Tremblay confessa que “um ator também tem de usar essas ferramentas. Tens de estar a 100%. Por vezes tens de silenciar o Bruno que está na tua cabeça e sair da tua zona de conforto.”

Sair do mar é a forma de Luca e Alberto crescerem. É a desculpa perfeita para viverem o verão das suas vidas, impulsionado pelo típico desejo mágico presente em vários filmes da Pixar: Alberto quer conduzir uma Vespa, como todos os humanos fazem. E é com isso em mente que partem para a cidade mais próxima, sabendo que estão sempre em risco, porque os humanos temem a sua espécie e qualquer contacto com a água revela a verdadeira identidade dos dois protagonistas.

Do outro lado há os pais de Luca, a mãe, com voz de Maya Thompson, e o pai (Jim Gaffigan). A mãe é mais séria que o pai e mais determinada em proteger o seu filho, porque sabe que o que está lá fora é perigoso. E a jornada dos pais é também uma que faz parte de Luca, como explica Jim Gaffigan: “Como adultos temos uma pressão imensa para nos divertir no verão. Há a ideia de o verão ter de ser uma coisa ideal. Em “Luca” isso existe, essa ideia romântica do verão, de que é um tempo de liberdade. Como adultos procuramos isso nas férias de duas semanas ou naquele fim de semana prolongado. É aí que percebemos que ser miúdo era mesmo divertido.”

Para os adultos, o verão torna-se naquele local impossível, um tempo que já passou da infância. Em “Luca”, o sol da costa italiana, é um mundo de possibilidades infinitas para Luca e Alberto. É o início das suas vidas. E as vidas deles é uma possibilidade para o espectador descobrir o seu verão perdido. A Pixar quer que esse verão esteja para sempre connosco.