A história

Há por aí uma geração que vingou na carreira desde cedo e que, a determinada altura da sua vida, “parece entrar numa crise dos 40 que faz repensar todo o futuro”. Quem o diz é Teófilo Oliveira, que deixou a consultoria para se agarrar à cerveja artesanal. Uma mudança radical, mas ponderada pela paixão que os lúpulos e as leveduras acabaram por semear na sua vida. Diz que só aos seus 25 anos é que começou a gostar de cerveja, que até lá bebia por obrigação. Aos 30 e poucos, num dia com amigos, apercebeu-se que à venda na Internet havia kits de cerveja artesanal para reproduzir em casa. Quiseram levar para a frente esse desafio, para limpar a cabeça depois de horas de trabalho diário na área da consultoria e financeira. Conclusão: falharam redondamente.

Foi nesse falhanço que viu uma oportunidade. “Aquilo para mim foi uma derrota e eu não queria resignar-me, então fomos estudar, fomos procurar literatura sobre cerveja artesanal, que não era muita”, conta. “Foi literalmente uma brincadeira de amigos que começou a ficar séria”.

Há uma parede na tap room que espõe todas as referências disponíveis no momento ©Manuel Manso

A 5 e Meio nasceu aí, dessa fome de vencer um desafio e conseguir, depois de muitos algoritmos, técnicas, maltes, lúpulos e leveduras. Desde o começo que sempre foram muito experimentalistas, sobretudo quando iam de armas e bagagens para os festivais, onde apresentavam cervejas irreverentes — chegaram a fazer uma com piri-piri e outra com tinta de choco — e até pedras de gelo abaunilhadas criaram uma vez para juntar a uma cerveja. “Cerveja com gelo? Chamaram-nos malucos mesmo, mas depois perceberam o quão incrível era aquilo e reproduziram nos dias a seguir do festival”, conta Teófilo com orgulho. “A graça do cervejeiro está na surpresa e na imprevisibilidade, acho que é isso que alimenta a nossa vontade. A cerveja artesanal está viva, pode mudar de um momento para o outro. É como fazer comida em casa, tens de experimentar, tens de arriscar nos temperos e nas misturas, e na cerveja artesanal é a mesma coisa”, diz.

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Nessa altura, estavam a viver uma fase em que se queriam apenas divertir. Tinham uma marca, mas nada sério. “Quando começámos a ganhar prémios e percebemos que isto podia ser uma coisa séria, sentimos a necessidade de nos tornarmos mais consistentes. Trabalhávamos noutras áreas e perdíamos umas horas com a cerveja, tivemos de inverter essa mentalidade, claro”, explica, contando que deixaram os empregos e se dedicaram inteiramente à produção cervejeira.

A atual equipa tem, além de Teófilo, também Ana Dias, Luís Pereira e Andreia Silva a trabalhar na produção, na imagem e nos processos de controlo de qualidade. São todos amigos, assim como entre cervejeiros a relação também é de amizade e cooperação, diz-nos, uma vez que trabalham todos no sentido de dar palco a uma cerveja que o merece. Teófilo confessa que há espaço para todos. “Quando me perguntam se o mercado da cerveja artesanal não começa a ficar saturado eu respondo sempre o mesmo: não, não está”, diz. “Há uma relação muito peculiar entre toda a comunidade cervejeira, damo-nos todos muito bem, acho que o que nos une, principalmente, é o facto de termos um inimigo comum que é a cerveja industrial”.

O cervejeiro admite que a indústria precisa de olhar para estes cervejeiros artesanais e perceber que são um nicho que têm de explorar, porque “as pessoas querem consumir cerveja de qualidade”, e que pelo facto de ser um fenómeno mais recente acabam por ter algoritmos e uma visão mais atualizada sobre a produção cervejeira, para que a quota de mercado de cerveja artesanal cresça em Portugal.

Andreia Silva, Teófilo Oliveira, Ana Dias e Luís Pereira (da esquerda para a direita) formam a equipa maravilha ©Manuel Manso

“O nosso trabalho aqui também é desenvolver a cerveja e contar todo o processo a quem bebe. Há pessoas que entram aqui a dizer ‘ah e tal não gosto de cerveja’ e nós dizemos ‘ainda não gosta, porque nós ensinamos a gostar’. A cerveja artesanal tem esta particularidade unificadora de pessoas que acham que não gostam, porque o portefólio artesanal é tão amplo que é impossível alguma coisa não agradar”, afirma Luís.

O desperdício é uma das questões que os preocupa pelo que preferiram, agora que têm uma tap room, investir em fermentadores mais pequenos em vez dos habituais de maiores dimensões que muitas cervejeiras têm. “Isto permite-nos fazer quantidades mais pequenas e vender logo a seguir, sem correr o risco de ficar com cerveja parada. É útil até para as criações mais sazonais que temos”, admite. E nessas criações a marca acaba por trabalhar também com produtores da região de Mafra, priorizando sempre o produto português, é o caso do mel, com o pão saloio, com os morangos e o cereal do Oeste ou as laranjas do Algarve.

O culminar dos últimos anos de trabalho acabou por só chegar este ano, em Abril, quando conseguiram pôr de pé e abrir o primeiro espaço físico da marca. A 5 e Meio tem finalmente casa.

O espaço

O pequeno espaço onde estão instalados estava fechado há mais de 20 anos e, apesar de ter passado a vida na Ericeira, Teófilo diz não se lembrar do que existia ali antes. Procuraram por muito tempo um espaço que lhes satisfizesse as medidas, e as rendas em que foram tropeçando batiam em valores demasiado exorbitantes para aquilo que ali queriam criar. Até que, em agosto, acabaram por dobrar esta esquina tendo calhado olharem para a placa de aluguer numa das janelas. “Não sabíamos bem o que era aquilo, mas depois de ligarmos ficámos com o espaço. Começámos logo a trabalhar nele, foi tudo feito por nós, e pouco aproveitámos do que estava cá dentro. Acho que só ficou o chão”, lembra Teófilo. A vontade dos cervejeiros era ter um espaço não muito grande, para dar aquela sensação mais caseira, mas onde coubesse todo o universo 5 e Meio.

O espaço abriu há poucas semanas, mas já tem recebido a visita tanto de outros cervejeiros como de curiosos da Ericeira que se alegram pelo novo espaço ©Manuel Manso

“Aqui na Ericeira, se queres beber uma cerveja artesanal, tirando as que se vendem no supermercado, tens de ir a Lisboa, a Colares ou a Loures, não tens nada aqui”, confessa. “Não fazia sentido isso acontecer tendo em conta o crescimento desta zona. O público da Ericeira é muito diverso, tens os portugueses que moram cá, mas também tens muitos estrangeiros que também cá vivem e mesmo os turistas por causa do surf”.

A tap room fica precisamente numa esquina e tem uma pequena esplanada, mas lá dentro apenas quatro mesas ocupam o espaço, e mais meia dúzia de bancos altos para comer e beber ao balcão — no total 22 lugares sentados no interior e outros 22 no exterior. Tudo foi feito à medida para a casa, pensado para encaixar no pouco espaço que sobra e que permite a circulação.

Numa prateleira alta, estão expostas as várias gamas de cervejas 5 e Meio, das garrafas envelhecidas à linha base, e até algumas colaborações com outras marcas. Há oito torneiras disponíveis com várias cervejas da marca, é aqui que Teófilo diz que podem ser “malucos” nas criações, as famosas Lab Series.

Tudo foi feito à medida para o espaço. Há oito torneiras de cerveja artesanal prontas a receber novas criações ©Manuel Manso

“A cena cervejeira é, obviamente, em Lisboa, mas acho importante começar a descentralizar essas questões, até para que a cerveja artesanal possa chegar a mais pessoas em Portugal”, refere Luís. “Queremos criar novos pólos de consumo de cerveja artesanal para podermos aumentar a quota de mercado desta indústria em Portugal”.

A bebida (e a também comida)

A estrela que mais brilha aqui é a cerveja, disso nem há dúvidas. Teófilo e Luís dão, no entanto, diferentes destaques a cada uma das linhas que criaram para a 5 e Meio. A que está na base é aquela que sustenta a marca, as ditas cervejas regulares que são pau para toda a obra e dão a cara pela cervejeira. São três garrafas, cada uma de sua nação: uma blonde ale, com aroma lupulado sem presença de amargor na boca (2,55-3,50 euros); uma stout com pão saloio, com sabor a café e textura cremosa (2,55-3,50 euros); strong ale, onde se sente o malte caramelo 3-4 euros).

Por lá têm também a gama especial que os distingue de muitas outras cervejeiras: as cervejas envelhecidas em garrafa. “O que fazemos é algo que é raro ser feito no mundo, porque é um processo muito caro, muito mais caro do que o envelhecimento em barrica”, conta Teófilo. “A magia aqui é que não há desperdício, ou seja, se algo acontece e se estraga não vai a barrica toda fora, vai a garrafa. O tempo aqui é a peça chave, é com ele que a cerveja envelhece. Podemos abri-las [as garrafas] três anos ou 10 anos, vai ser sempre diferente o resultado final”.

O habitual será ouvir falar de vinho ou whiskey envelhecido, mas o “problema”, diz Teófilo, é que esses, quando engarrafados, não envelhecem mais. “Esse processo é todo em barrica, mas assim que se mete dentro da garrafa o envelhecimento pára aí. Esta cerveja é diferente. A receita foi pensada para que o líquido envelheça com o passar do tempo e que se obtenha sempre um resultado diferente, isto porque as cervejas não são filtradas”, explica o cervejeiro.

Na tap room há uma zona onde é possível comprar alguns exemplares engarrafados, desde a linha base à envelhecida ©Manuel Manso

Há quem faça este processo em Inglaterra e leve já 40 anos de envelhecimento em garrafa, conta-nos dizendo que quer replicar a coisa por cá.

Na tap room estão disponíveis duas garrafas, a Barleywine já com dois anos de maturação em garrafa (20-25 euros) e a doble-doble também com maturação de dois anos (23-28 euros).

“Ainda não provámos nenhuma com mais de cinco anos, então não sei dizer qual é o sabor de uma assim, mas aí é que está a magia. É um processo interessante de acompanhar, desde a receita que tem de ser especial já por si até ao momento em que abrimos uma pela primeira vez”, diz, contando que a equipa vai abrindo as garrafas ano a ano para acompanhar a evolução. Os sabores mudam com o tempo, sem a intervenção de bactérias — como acontece nas barricas onde há contaminações —, sendo o processo de envelhecimento natural. “O que faz a diferença aqui é ter paciência”. Estas cervejas são servidas em copo balão, por causa da temperatura, coisa que faz parte de uma espécie de ritual destas alturas em que se abre as garrafas em questão.

As cervejas de torneira são criações que vão mudando regularmente, tendo em conta que são feitas muitas vezes em edição limitada e em volumes menores, recorrendo a ingredientes da época e, por isso, sazonais. “Ter uma tap room era o passo que faltava para podermos explorar esta nossa vertente criativa”, diz Teófilo. “Estamos, por exemplo, a preparar uma cerveja com percebes, estamos em testes. Se pode parecer estranho? Pode, mas queremos fazê-lo e só tendo torneiras é que faz sentido arriscarmos neste tipo de criações”.

Os croquetes são feitos com carne desfiada fumada e os gomos cozidos antes de serem fritos ©Manuel Manso

As cervejas à pressão podem ainda ser levadas em take-away nos growlers da casa, acrescendo ao preço da cerveja escolhida uma caução do primeiro enchimento de 2,50 euros, devolvida quando a garrafa for entregue depois. Está também disponível uma tábua de provas de quatro cervejas (10cl, 6 euros).

“Se eu fizer uma de manga e lima não vou querer engarrafar porque é muito específica e então não vai fazer muito sentido estar a perder dinheiro a engarrafá-la. Ponho-a em barril para servir à pressão, é o que vamos fazendo com sabores mais arriscados”, diz Teófilo.

Quando chega a hora de falar de comida, Teófilo e Luís sacodem as responsabilidades. “Nenhum de nós é chef, nem queremos ser. Mas tivemos de arranjar soluções para aqui e o que fizemos foi pedir ajuda a alguns amigos e restaurantes aqui da Ericeira que pudessem estar aqui presentes indiretamente”, conta. “No fundo, aqui só fazemos as finalizações dos petiscos que servimos, a nossa arte é outra”.

A sandes de cachaço é um dos petiscos que mais sai para acompanhar as cervejas ©Manuel Manso

Os croquetes (4,50 euros/ três unidades) são feitos por um casal que fuma carnes e que elaborou propositadamente estas bolinhas com carne desfiada e queijo para servir na tap room, havendo também uma versão vegetariana com grão e especiarias (4,50 euros/ cinco unidades). A sandes, tenra e bem recheada, é feita com cachaço de porco cozinhado lentamente (5,50 euros) também num restaurante da Ericeira perto da 5 e Meio. Há ainda um prato de atum e feijoca (5,50 euros) e gomos de batata frita temperados com maionese de gengibre e lima (2,50 euros). “A comida é fundamental para melhorar a experiência de quem aqui vem beber cerveja, e foi tudo pensado para combinar o que se come com o que se bebe”, remata Luís.

E além das três linhas diretamente disponíveis para venda, há ainda uma quarta, mais exclusiva e que leva meses a ser desenvolvida, isto porque implica que desenhem cerveja personalizada para os clientes. Mas não falamos aqui de clientes comuns que entram pela tap room adentro e pedem uma combinação especial, não, são antes hotéis e restaurantes, maioritariamente, que querem ter uma cerveja 5 e Meio à medida.

“Costumamos dizer que somos alfaiates da cerveja, porque é um processo semelhante. Fazemos rótulo, carica, garrafa e cerveja especialmente para os nossos clientes, e cada um tem pedidos muito diferentes”, conta. Já fizeram há tempos uma cerveja especial para o São Lourenço do Barrocal, onde o processo de acertar os sabores finais é um autêntico jogo de pingue-pongue de tentativa e erro daquele que poderá ser o sabor final. Recentemente também se aventuraram numa cerveja com yuzu para um restaurante de sushi e outra com laranja e carvalho para ir bem com o leitão servido num outro restaurante.

O que interessa saber

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Nome: Tap Room 5 e Meio
Abriu em: maio 2021
Onde fica: Ericeira
O que é: uma tap room da cervejeira 5 e Meio que finalmente tem um espaço aberto ao público onde combina cerveja artesanal à pressão com petiscos
Quem manda: Teófilo Oliveira, Ana Dias, Luís Pereira e Andreia Silva
Quanto custa: preço médio de 10€/pessoa
Uma dica: experimentar as cervejas sazonais de torneira e combinar com a sandes de cachaço ou com os croquetes
Horário: Terça a domingo 17h à 1h.
Links importantes: site, instagram

“Cuidado, está quente” é uma rubrica do Observador onde se dão a conhecer novos (e renovados) restaurantes.