Enviada especial do Observador em Munique, Alemanha

É quase monumental. Passar pelo Allianz Arena de carro, no trajeto entre o aeroporto e o centro da cidade de Munique, rouba o ar durante uns milésimos de segundo. De repente, numa elevação, surge uma espécie de quadrado branco e brilhante, enorme, que ocupa o espaço do horizonte. O estádio do Bayern Munique, com lugar para mais de 75 mil pessoas, é muito mais do que um estádio.

A construção começou em 2002 e terminou em 2005, tendo custado mais de 340 milhões de euros — em 2014, Karl-Heinze Rummenigge, CEO do Bayern que acabou de passar a pasta a Oliver Kahn, anunciou que o valor já tinha sido totalmente liquidado e 16 anos antes do previsto, já que o empréstimo se prolongava originalmente até 2030. “Agora, o estádio está pago, depois de nove anos e meio. Estou muito orgulhoso por isso”, disse o antigo jogador, que revelou ainda que o pagamento mais acelerado foi possível com a introdução da Allianz como terceiro maior acionista do clube, depois da Adidas e da Audi (8,33% das ações cada).

O exterior branco e brilhante que o tornam único é garantido pelos característicos painéis EFTE insuflados, um tipo de polímero termoplástico com uma grande resistência ao calor, à corrosão e aos raios ultravioleta. Foram estes 2.874 painéis que tornaram o Allianz Arena o primeiro estádio do mundo a ter um exterior que pode mudar de cor consoante a ocasião: na altura em que o recinto foi pensado e construído, a ideia era mudar a cor de acordo com a equipa que estava a jogar em casa, com vermelho para o Bayern Munique, azul para o TSV 1860 Munich e branco para a seleção alemã. Cada painel pode acender independentemente com branco, vermelho ou azul e o estádio já esteve “pintado” com vários padrões em diferentes alturas. Em teoria, é possível apresentar esquemas de cores que vão mudando entre si mas a polícia de Munique sempre se opôs a esse cenário por recear que provoque acidentes na autoestrada que passa pelo recinto.

FC Bayern Muenchen v Ajax - UEFA Champions League Group E

Quando o Bayern Munique joga em casa, o Allianz Arena fica totalmente vermelho

O Allianz Arena é o segundo maior estádio da Alemanha, apenas atrás do Signal Iduna Park do Borussia Dortmund, e surgiu face à necessidade tanto do Bayern Munique como do TSV 1860 Munich de construir uma casa própria, já que os primeiros jogavam no Estádio Olímpico desde 1972 e os segundos iam alternando entre esse Olympiastadion e o mais modesto Grünwalder Stadion. Até 2006, os dois clubes detinham ambos 50% do estádio mas, nesse ano, o Bayern acabou por comprar as ações do TSV por cerca de 11 milhões de euros devido aos problemas financeiros do segundo clube de Munique. Na altura, o acordo indicava que o TSV — que já foi orientado pelo português Vítor Pereira em 2017 — poderia disputar os jogos em casa no Allianz Arena até 2025, mesmo não tendo quaisquer direitos de propriedade em relação ao estádio. Só que em 2016/17, com a descida do clube ao terceiro escalão do futebol alemão, o TSV deixou de reunir as condições exigidas para jogar num estádio deste nível e regressou ao Grünwalder Stadion, deixando o Bayern como o único ocupante do recinto.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

De forma natural e a partir de 2017, o Bayern Munique acabou por aproveitar para tornar o estádio um bocadinho mais seu. As neutras cadeiras cinzentas foram substituídas por outras que criam uma combinação de vermelho e branco e as bancadas apresentam agora o símbolo do Bayern num topo, a inscrição “FC Bayern München” numa das laterais e a frase “Mia San Mia”, o lema do clube, na outra. Além disso, algumas paredes do interior do estádio foram decoradas com murais alusivos a vários momentos históricos do Bayern — como Ballack a levantar a Taça UEFA de 1996 ou Augenthaler a elevar uma das sete Bundesligas que conquistou –, algo que oferece uma injeção adicional de vermelho para contrastar com o cinzento do cimento. Na sala de imprensa, dedicada ao trabalho dos jornalistas que cobrem os jogos, existe um enorme buffet que, numa era pré-Covid, até fazia com que muitos acabassem por assistir às partidas logo ali, sem se deslocarem até às bancadas. Além disso, e ao contrário do que acontece em Portugal, as equipas visitantes têm direito a uma percentagem generosa de bilhetes: o Eintracht Frankfurt, por exemplo, chegou a ter cerca de 10 mil adeptos a apoiar a equipa de André Silva contra o Bayern.

TSV 1860 Muenchen v VfL Bochum - Second Bundesliga

O TSV 1860 Munich, que já foi orientado pelo português Vítor Pereira, chegou a ter 50% do estádio. Em 2006, teve de vender as ações devido a problemas financeiros

Denominado Allianz Arena por óbvios motivos comerciais, o estádio vai chamar-se assim pelo menos até 2035, já que a empresa de seguros e serviços financeiros adquiriu os naming rights por 30 anos. Ainda assim, o nome não pode ser utilizado quando são disputados jogos organizados pela FIFA ou pela UEFA, já que os organismos não permitem patrocínios de marcas ou empresas que não são parceiras oficiais das competições. É por isso que, apesar de estar a ser descrito como Allianz Arena de uma forma geral e coloquial, o estádio está denominado em toda a informação oficial da UEFA como Football Arena Munich. Além disso, também a inscrição que costuma estar no lado que dá para a auto-estrada, onde se lê o nome e está também o símbolo da Allianz, foi retirada para os jogos do Euro 2020.

Na Alemanha, o estádio recebeu a alcunha schlauchboot, barco insuflável em português, por se assemelhar a isso mesmo visto de fora. O parque de estacionamento é a maior estrutura do género em toda a Europa, com quatro andares e 9.800 lugares. Ainda assim, e apesar de os 120 mil metros cúbicos de cimento utilizados na construção só acrescentarem a esses números monumentais, o Allianz Arena não deixa de parecer pequeno e acolhedor quando se chega perto do relvado. De repente, parece que estamos num estádio com lugar para pouco mais de 30 mil pessoas: um estádio à inglesa, em que as bancadas estão muito próximas do relvado, em que existe pouco espaço entre a linha lateral e os placards publicitários e em que estar na tribuna da comunicação social significa ouvir praticamente tudo o que é dito em campo.

France v Germany - UEFA Euro 2020: Group F

Lá dentro, o estádio parece bem mais pequeno do que o exterior aparenta

Mas foi precisamente essa a ideia, segundo nos conta um dos seguranças do Allianz Arena. “Quando jogavam no Estádio Olímpico, os adeptos ficavam muito longe do relvado, porque o estádio é todo muito grande e ainda tem a pista olímpica. É um estádio maravilhoso mas já estava muito antigo e as pessoas ficavam muito longe”, conta-nos, referindo que é adepto do TSV, que já viveu no Brasil e que até tem um amigo em Portugal. “Anda a surfar pela Nazaré com a namorada nova”, atira, com um sorriso que se distingue do cabelo completamente branco e das rugas que lhe enchem a cara.

O estádio é tão acolhedor que até dezenas de pombos decidem aproveitar a sombra do relvado para passar algum tempo. De repente, ultrapassado o cimento, o betão e os 2.875 painéis EFTE, estamos num quase estádio local em que tudo se ouve e em que os treinadores estão mesmo ali, perto de tudo e de todos. A magia do Allianz Arena é precisamente essa: por fora, parece inatingível; por dentro, está à distância de um passo. E é nesta contradição que Portugal defronta este sábado a Alemanha, na segunda jornada da fase de grupos do Euro 2020.