O absolutismo e a possibilidade de o destruir através de pensamentos assentes na diversidade, inclusão e liberdade são o tema central da peça “Calígula morreu. Eu não”, que na sexta-feira sobe ao palco do Teatro D. Maria II, Lisboa.

Com encenação de Marco Paiva, da Crinabel, a peça escrita por Cláudia Cedó junta, no palco da sala Garrett, atores surdos e com e sem deficiências, numa produção do D. Maria II e do Centro Dramático Nacional de Madrid, em cujo Teatro Maria Guerrero a peça se estreou, no passado dia 19 de maio.

A peça assenta em dois eixos: por um lado, a ação despótica é vista como um impulso cíclico que responde a uma necessidade de libertação; por outro, tenta-se agir no sentido de terminar com esse despotismo.

Daí que a proposta de “Calígula morreu. Eu não” seja a de resolver uma situação ficcional, recorrendo a outra situação de ficção.

Baseada na peça “Calígula”, de Albert Camus, este projeto nasceu do trabalho desenvolvido por Marco Paiva com o Centro Dramático Nacional de Madrid, a partir de 2012, no âmbito do festival “Una mirada diferente”.

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Desde a criação do festival, em 2012, que a ideia era que este terminasse no prazo de quatro a cinco anos e que as obras integradas no certame passassem a fazer parte da programação do Centro Dramático Nacional de Madrid, explicou Marco Paiva à agência Lusa.

Em 2019, o encenador da Crinabel dirigiu uma oficina de criação artística, com artistas espanhóis, com e sem deficiência, que acabou por se tornar no ponto de partida para a peça que sobe agora ao palco do D. Maria II.

A peça “Calígula morreu. Eu não” foi pensada para tratar a temática do absolutismo e para mostrar até que ponto, “através de mecanismos e dum pensamento mais assente nas ideias de diversidade, inclusão, liberdade”, é possível criar “mecanismos de destruição destes regimes totalitários e absolutistas que estão muito prementes na obra do Camus”, referiu.

Para isso, desafiaram a dramaturga espanhola Cláudia Cedo a escrever um texto a partir de “Calígula”, e convidaram o D. Maria II, que logo se associou ao projeto, acrescentou Marco Paiva.

O espetáculo desenvolve-se em quatro idiomas: língua portuguesa, língua espanhola, língua gestual portuguesa e língua gestual espanhola.

Segundo Marco Paiva, a peça “desenvolve-se em dois eixos muito distintos, mas que ao mesmo tempo se cruzam”.

“Por um lado, é uma proposta política, no sentido em que buscamos um teatro e uma criação artística assente no direito à diversidade e à liberdade e, por outro lado, é um eixo artístico onde, misturando línguas tão distintas, criativos tão distintos, procuramos encontrar novas formas, novos mecanismos cénicos e de abordagem teatral”, frisou.

Protagonizada por Jesús Vidal, o ator cego que, em 2019, venceu o Prémio Goya de ator revelação pela interpretação no filme “Campeones”, a encenação de “Calígula morreu. Eu não” é também “um desafio ao público para se encontrar com uma nova linguagem teatral”, disse o encenador à Lusa.

Uma nova linguagem teatral que junta línguas distintas e “se desafia a ela própria, na medida em que cruza as várias disciplinas presentes em cena.

“Tanto a parte sonora, como a iluminação, a cenografia… Todos estes elementos que constituem o espetáculo são dialogantes entre si e, ao mesmo tempo, fazem uma proposta ao público de encontrar, através de cada uma destas personagens, o entendimento da própria obra”, referiu Marco Paiva à Lusa.

“E isso é bastante interessante”, concluiu.

A interpretar “Calígula morreu. Eu não” estão ainda Ángela Ibáñez, André Ferreira, Fernando Lapeña, Jesús Vidal, Luís Garcia, Maite Brik, Paulo Azevedo e Rui Fonseca.

A cenografia é de José Luis Raymond, a composição musical, de José Alberto Gomes, o desenho de luz, de Nuno Samora e, a videoarte, de Cláudia Oliveira.

Com cada ator a interpretar a peça na sua língua-mãe, o espetáculo tem legendas em português.

“Calígula morreu. Eu não” fica em cena até 04 de julho, com espetáculos de terça-feira a sábado, às 19:00, e, ao domingo, às 16:00.

A última representação tem audiodescrição.