O deputado evangélico brasileiro Aroldo Martins afirmou esta segunda-feira à Lusa que o Presidente, Jair Bolsonaro, não deu a devida “atenção” ao conflito da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Angola e aguarda por ações concretas por parte do executivo.

Em entrevista à agência Lusa, em Brasília, Aroldo Martins, que é membro da Frente Parlamentar Evangélica e bispo da IURD, afirmou que se chegou a encontrar com Bolsonaro para debater os problemas que a instituição religiosa fundada por Edir Macedo enfrenta em Angola, mas que o chefe de Estado terá dito que “nada poderia fazer”.

Nós tivemos um café da manhã com o Presidente na ocasião em que surgiram essas notícias [conflitos em Angola] e ele, muito informalmente, disse: ‘não adianta, as pessoas em Angola não ouvem. Não gostam de mim’, por aquilo que no exterior se fala sobre o Presidente Bolsonaro. Então, ele viu a situação como algo em que nada poderia fazer, que pudesse ajudar”, detalhou Martins.

“Eu discordei. Eu disse: ‘Presidente, uma manifestação sua, mesmo que não ajude do ponto de vista das Relações Exteriores, sempre será um peso’. Mas ele apoia-nos, nós o apoiamos, tivemos uma pequena rusga porque, realmente, não foi dada aquela atenção institucional do Governo brasileiro como nós gostaríamos que fosse. (…) Esperávamos que um pouco mais fosse feito e ainda esperamos”, salientou.

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Depois da alegada recusa de Bolsonaro em intervir na situação em Angola, o deputado indicou que a bancada evangélica foi recebida pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, e que os membros da IURD estão a “utilizar outros meios e outras formas” para resolver o problema. No mês passado, Carlos França indicou que Bolsonaro ligaria ao homólogo angolano, João Lourenço, para abordar a situação da IURD no país africano. Contudo, Aroldo Martins desconhece se esse telefonema realmente aconteceu.

Para se eleger Presidente do Brasil em 2018, Bolsonaro conseguiu atrair o apoio de três grandes bancadas parlamentares conservadoras: a ruralista, a evangélica e a da segurança pública, conhecidas no país sul-americano como bancadas “BBB” — boi, Bíblia e bala.

Contudo, após Bolsonaro não ter movido grandes esforços no sentido de ajudar a IURD em Angola, que viu decretada a deportação de dezenas dos seus missionários, vários deputados da Frente Parlamentar Evangélica sinalizaram um rompimento com o atual chefe de Estado.

Quem aproveitou para se aproximar do eleitorado evangélico foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as sondagens para voltar ao poder em 2022 e que se reuniu na semana passada com Manoel Ferreira, bispo primaz de uma das mais poderosas ramificações da Assembleia de Deus, o Ministério Madureira.

Questionado se, caso Bolsonaro não tome providências em relação à IURD em Angola, a bancada evangélica irá redirecionar o seu apoio a Lula da Silva para as presidenciais de 2022, Aroldo Martins afirmou que “não gostaria de agir” nessa hipótese, mas alertou que o “voto é livre e o poder está na mão do povo”.

Eu não trabalho nessa hipótese. Prefiro, como deputado federal e partícipe da IURD, melhor para mim dizer, e isso falo abertamente, que a nossa posição não é política, mas sim ideológica. Então, é pró-família, (…) família tradicional, costumes cristãos, conservadores no sentido de conceitos que formaram a sociedade (…). Com isso, o nosso pensamento é mais próximo àquilo que o Governo Bolsonaro faz, crê e pratica” disse.

“Por isso, eu não gostaria de agir na segunda hipótese, mas o voto é livre e o poder está na mão do povo”, considerou, em declarações à Lusa no seu escritório na Câmara dos Deputados, em Brasília.

A crise na IURD em Angola, que teve o seu início em novembro de 2019, resulta de divergências entre pastores e bispos angolanos e brasileiros sobre a gestão dessa instituição e de várias acusações, nomeadamente de evasão de divisas, racismo, prática obrigatória de vasectomia, entre outras. Todo o conflito levou a que o governo angolano decretasse, recentemente, a deportação de dezenas de missionários brasileiros da IURD.

Aroldo Martins acusou o governo angolano de “estar a ouvir exatamente quem não deveria ouvir” e de entregar parte da igreja a um grupo dissidente, composto por “pessoas que não tem um caráter ilibado”, e instou o executivo de João Lourenço a colocar “um auditor dentro a Igreja, para que veja exatamente aquilo que é feito”.

A questão é financeira? Se é financeira, já que as acusações são de evasões de divisas, então que se coloque alguém apontado pelo Governo na administração da igreja para auditar. Ninguém está preocupado com os fundos de igreja, mas sim como o trabalho que a igreja faz, que é o maior bónus”, afirmou.

“O Governo angolano está a ouvir exatamente quem não deveria ouvir. Que ouça agora a direção legalmente constituída pela IURD de Angola, (…) que também é angolana”, apelou o parlamentar, do partido Republicanos.

Deputado avisa Angola para influência da bancada evangélica brasileira

O deputado brasileiro criticou o tratamento dado por Angola à instituição religiosa e alertou para a influência da bancada evangélica em acordos que afetam o país africano.

O deputado, membro da Frente Parlamentar Evangélica na Câmara baixa brasileira, considerou “muito difícil” a situação que a IURD atravessa em Angola e afirmou haver “preconceito” contra a instituição religiosa fundada por Edir Macedo e alertou o país africano para eventuais consequências.

“Não gostaria de dizer que fosse necessário atrapalhar relações entre o Brasil e Angola, mas gostaria de dizer também que a nossa bancada tem uma influência muito grande na indústria, comércio e tecnologia no Brasil, e que muitos desses acordos, que facilitam inclusive a República de Angola, passam por nossas mãos”, advertiu Aroldo Martins, do partido Republicanos.

Questionado sobre se apoia possíveis retaliações do Brasil contra Angola, o deputado afirmou que “gostaria que não” existissem medidas desse tipo, mas que “é difícil” que tal não aconteça, tendo em conta a resposta angolana.

Como é que alguém pode pensar que o meu coração se une ao meu raciocínio com o desejo de incentivar que se ajude a República de Angola, sabendo que esse tipo de coisa está a acontecer? Deixo um pouco de interrogação”, declarou.

Em causa está um conflito interno na IURD em Angola, que teve o seu início em novembro de 2019, quando um grupo de dissidentes angolanos decidiu afastar-se da direção brasileira, com várias acusações, nomeadamente de evasão de divisas, racismo, prática obrigatória de vasectomia, entre outras, todas recusadas pelos missionários da igreja criada pelo brasileiro Edir Macedo, que acusam também os angolanos de xenofobia e agressões.

Nos tribunais angolanos, depois de iniciadas as divergências entre as partes, agravadas com a tomada pela força de templos em todo o país, correm vários processos judiciais relacionados com a IURD Angola. Todo o conflito levou a que o governo angolano decretasse, recentemente, a deportação de missionários brasileiros da IURD.

Perante a situação, Aroldo Martins, que já foi CEO da Record TV Internacional (Portugal), grupo detido por Edir Macedo, espera por “ações concretas” do governo brasileiro e que o executivo angolano “busque e use das suas formas e meios para investigar” e alcançar uma “definição bem clara do que é a IURD no mundo e não essa ideia equivocada e preconceituosa”.

O deputado não tem dúvidas em afirmar que quem mais perde com o conflito em torno da IURD é o povo angolano e que o “dinheiro” que o governo possa investir em caráter social “não conseguirá cobrir” aquilo que as “organizações religiosas fazem em prol da nação”.

É lamentável, porque quem tem a perder é o povo angolano, porque o trabalho que as igrejas — não apenas a IURD — fazem com a população é algo que todo o dinheiro que o Governo possa pagar em assistência social, psicológica, em aconselhamento para se levantar o ser humano, não consegue cobrir aquilo que, por vocação e chamamento, as organizações religiosas fazem em prol da nação. Quem perde é a população e isso é triste”, sustentou.

Contudo, o deputado garantiu que o tratamento dado pelo governo angolano à IURD não é uma situação exclusiva e isolada, sublinhando que “todos” os estrangeiros passam por esse tipo de “dificuldades”. “No decorrer do que tem acontecido ultimamente, agravou-se a relação, posso dizer que em relação à convivência daquilo que é ‘estrangeiro’ em Angola. As próprias autoridades dos países… todos sentimos dificuldades. Todos. Empresários portugueses sofreram e sofrem, iniciativas estrangeiras que investiram no país sofreram”, disse.

Devo dizer que todos os que conhecem a história de Angola desde a sua independência depois da Revolução dos Cravos em Portugal…a coisa em Angola ainda é muito recente e essa relação com o estrangeiro, essa relação colonizado, ainda é muito na pele, ainda para mais o que aconteceu na guerra civil angolana”, acrescentou Martins.

Numa mensagem direcionada a Angola, o deputado concluiu as suas declarações à Lusa com um apelo: Gostaríamos que refletissem, que buscassem informações, que prejulgamentos e preconceitos não fossem estabelecidos sem transparente conhecimento de causa. Assim, para bem da verdade, todos ganhamos e o povo de Angola não perde”.