O secretário de Estado para a Transição Digital afirmou esta segunda-feira, em entrevista à Lusa, que Portugal conseguiu na área do digital cumprir “na plenitude” o que se propôs, no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia (UE).

Na área do digital “cumprimos na plenitude aquilo que era o mandato que nos propusemos“, afirmou André de Aragão Azevedo, num balanço da presidência portuguesa nesta matéria. “Na área do digital não ficou nada por fazer”, asseverou, salientando que Portugal cumpriu e teve “reconhecimento internacional” de que deu “um contributo muito forte”. “Há um reconhecimento que nós investimos, planeámos antecipadamente e conseguirmos entregar apesar das condicionantes da crise pandémica”, sublinhou o governante.

Esta segunda-feira foi o encerrar deste ciclo da presidência portuguesa que teve um foco muito especial na área do digital”, disse, referindo-se à discussão sobre o futuro das startups e dos unicórnios que Portugal esta segunda-feira acolheu (EU Next Generation Innovator Summit”, que decorreu esta manhã.

O secretário de Estado apontou que o digital é um dos quatro desígnios estratégicos do Governo, a par da transição climática, as desigualdades e a natalidade. “Portanto, fazia sentido que também durante a presidência déssemos um especial enfoque a esse tema e elegemos duas áreas em concreto para, no âmbito digital e no âmbito da presidência, marcarmos o acesso a esta agenda europeia”, referiu.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“O primeiro tem a ver com o empreendedorismo, com o objetivo de iniciar um novo ciclo em que a Europa está um bocadinho aquém daquilo que são os mais diretos concorrentes, nomeadamente Estados Unidos, China, mas também nações mais pequenas como Israel ou Singapura que são as referências mundiais em termos de empreendedorismo, temos de encontrar a receita para estarmos de facto nessa linha da frente e o esforço que fizemos foi criar um documento uma declaração, que foi assinada em 19 de março, durante o Digital Day, que criou no fundo os requisitos básicos para que um país se possa considerar uma verdadeira ‘Startup Nation'”, prosseguiu.

“São oito áreas em que os países se comprometeram a trabalhar no sentido de confluírem e de convergirem em termos de cumprimento desses requisitos, estamos a falar de áreas como a tributação de ‘stock options’, retenção de talento ou a atração de talento” ou a criação de uma empresa ou de uma ‘startup’ no mesmo dia, entre outros.

No fundo, “são tudo áreas em que Portugal, já de alguma forma, tem um trabalho muito avançado nessa matéria, já somos percecionados internacionalmente como um país que tem um ecossistema de empreendedorismo muito forte e muito robusto, mas que queremos elevar essa fasquia e queremos que Portugal seja ainda mais relevante”, sublinhou.

Além disso, “conseguimos também ao mesmo tempo e no mesmo dia captar para Portugal uma iniciativa do Governo português, a Europe Startup Nation Alliance [Europa Startup Aliança das Nações], que é uma estrutura permanente europeia que vai pela primeira vez dedicar-se em exclusivo ao empreendedorismo”, apontou.

“Isto é um ganho muito grande para Portugal porque nos coloca no mapa e como um país de referência”, sublinhou o secretário de Estado. “Já tínhamos a Web Summit, agora temos também uma sede europeia mais institucional que vai contribuir para colocar Portugal no mapa nesta matéria”, acrescentou André de Aragão Azevedo.

Em resumo, as duas áreas de foco da presidência portuguesa foram o empreendedorismo e os direitos e os valores fundamentais na área da Era digital, com esta última a ficar espelhada na Declaração de Lisboa, um documento que “pretende assumir a liderança europeia e a referência europeia em matéria de valores e princípios democráticos”, apontou.

“A nossa convicção” enquanto país “é de que a Europa tem capitalizado pouco esse papel de referência mundial que é indiscutível em matéria de valores e princípios e que isso é um ativo muito importante porque ele é indutor de confiança no mercado e, como sabemos, não há mercado sem confiança”, disse. A Europa deve capitalizar este ativo “a seu favor”, o que a torna num “parceiro confiável para outras geografias“, defendeu.

“Quando nós convidamos países da América Latina ou de África para se reunirem connosco para estabelecerem relações comerciais é porque acreditamos que somos um parceiro mais confiável do que outras regiões e foi isso que vertemos na Declaração de Lisboa”, ou seja, “queremos que o digital tenha sempre por base um conjunto de princípios que são princípios fundamentais daquilo que é o respeito pela pessoa humana, queremos uma digitalização de rosto humano e, portanto, faz todo o sentido que nós transponhamos para aquilo que é a realidade digital os mesmos princípios que estão na base do próprio projeto europeu”, explicou.

A Declaração de Lisboa, referiu, é “no fundo o pontapé de partida” para uma Carta de Direitos Fundamentais internacional. “Por isso, abrimo-la à assinatura não só dos privados e das empresas, que queremos que se coresponsabilizem com estes compromissos, mas também de outros países fora da União Europeia, porque este não é um desafio europeu, isto é um desafio do mercado digital que é por natureza global”, sublinhou o secretário de Estado.

E para quando a Carta de Direitos Fundamentais no digital? “Tentámos avançar o máximo que pudemos, é um processo que tem um procedimento próprio“, salientou. “Não é uma iniciativa que pudesse sequer ser atingível na presidência portuguesa, se não teríamos conseguido”, salientou, apontando que segundo o cronograma, tal levará “pelo menos cerca de dois anos”, já que tem um processo legislativo próprio.

O aumento da dependência relativamente ao digital “pressupõe que tenhamos também um crescimento de cautelas e a necessidade absoluta de começar gradualmente a haver alguma espécie de regulação”, considerou, recordando o passo dado a nível europeu com o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), que é uma “excelente referência sobre a importância da regulação numa área tão sensível” como a privacidade.

O que vimos é que a Europa quando anunciou esta intenção foi apelidada de retrógrada e de alguma forma” contrária ao interesse da inovação, mas o que se concluiu “foi exatamente o contrário”, descreveu o governante. A afirmação do princípio de privacidade veio “no fundo induzir a confiança dos consumidores que sabem que no espaço europeu é levada a sério” e acabou por funcionar “como um referencial para o resto do mundo”, exemplificou. “Mesmo em outras que no início eram críticas”, empresas tecnológicas têm agora como padrão mundial o RGPD, referiu. Durante a presidência portuguesa foi também inaugurado o cabo de fibra ótica submarino EllaLink, que liga a Europa à América do Sul.

Esta inauguração é “de alguma forma simbólica porque marca esta autonomização da Europa, reforça a conectividade que sabemos que é a autoestrada do futuro e onde se faz grande parte das transações hoje em dia e coloca Portugal na linha da frente, abrindo a porta também a outros investimentos como os que anunciámos recentemente de um grande consórcio internacional que se vai instalar exatamente em Sines”, salientou.

Trata-se de “um salto muito importante naquilo que é também esta a estratégia de abertura da Europa ao mundo e de menor dependência da Europa em relação por exemplo os Estados Unidos“, considerou André de Aragão Azevedo.

Secretário de Estado espera que conclusão do processo do 5G seja “uma questão de semanas”

O secretário de Estado espera que seja “uma questão de semanas” até que o processo do leilão 5G esteja encerrado e sublinhou que a agenda digital “não se cinge” ao tema da quinta geração. André de Aragão Azevedo admitiu que “naturalmente (…) há uma correlação direta entre a disponibilização do 5G e o acelerar” da agenda digital portuguesa. No entanto, “a agenda digital não se cinge ao tema do 5G”, sublinhou o governante.

“Nós conseguimos, à data desta segunda-feira, com o nível de maturidade, por exemplo, que o 4G tem com aquilo que é também a maturidade das aplicações, das soluções desenvolvidas em cima de 5G, eu não diria que esse é um fator que é inibitório de nós podermos continuar a ser um país de referência em matéria de transição digital”, prosseguiu.

No entanto, “naturalmente que não termos essa dimensão [5G] nos pode a prazo condicionar em termos de agenda digital”, referiu. “O que eu gostaria, em particular, é que, de facto, o processo terminasse tão rápido quanto possível para que possamos disponibilizar ao mercado” a quinta geração, acrescentou André de Aragão Azevedo. O secretário de Estado para a Transição Digital referiu que já há vários exemplos no 5G, com vários pilotos e várias empresas a publicitar, inclusivamente, ofertas comerciais nesta área.

“Acho que será uma questão de semanas até que nós tenhamos este processo encerrado, mas temos um ecossistema que está muito condicionado por aquilo também que é o papel do regulador que nesta matéria tem sido soberano e é ele que lhe cabe a coordenação do processo e, portanto, eu não gostaria, uma vez que é um regulador independente, de fazer mais comentários sobre o processo”, rematou.

A licitação principal do leilão 5G segue esta segunda-feira para o seu 110.º dia, depois de na sexta-feira ter encerrado com propostas de 323,8 milhões de euros.

Se o leilão principal, que dura há mais de cinco meses (arrancou em 14 de janeiro) e era esperado terminar até final do primeiro trimestre, tivesse ficado concluído no final da semana passada, o Estado teria arrecadado mais de 408 milhões de euros (valor que inclui a licitação dos novos entrantes de 84,3 milhões de euros), muito acima do montante indicativo de 237,9 milhões de euros.

No final de março, os serviços comerciais de 5G (quinta geração) estavam já disponíveis em 24 países da UE a 27, sendo que Portugal, cuja presidência da União Europeia termina este mês, ainda não tem.

A atribuição das licenças 5G esteve prevista para o primeiro trimestre, tendo em 08 de abril a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) anunciado a decisão de um procedimento de alteração do respetivo regulamento para acelerar o leilão, o que foi amplamente criticado pelos operadores históricos.

Entretanto, o regulador aprovou no dia 31 de maio um projeto de alteração do regulamento do leilão 5G, de forma a acelerar o processo, tornando viável a realização de 12 rondas diárias, o que também está a ser alvo de contestação dos operadores.

O processo tem sido bastante contestado pelas operadoras históricas, envolvendo processos judiciais, providências cautelares e queixas a Bruxelas, considerando que o regulamento tem medidas “ilegais” e “discriminatórias”, o que incentiva ao desinvestimento.