– Está a pensar demitir-se?
– Demitir-me? Estás a gozar, certo? Até estou a pensar em renovar, imagina…

As conferências de imprensa antes dos jogos da Espanha mudaram. De tom, de contexto, de análise. Ainda antes do Campeonato da Europa, o caso positivo de Sergio Busquets, o suposto “falso positivo” de Diego Llorente e as condicionantes que marcaram a antecâmara da preparação com treinos individuais e jogadores separados iam sendo quase uma espécie de amortecedor para tudo o que envolvesse a Roja, que mudara de Bilbau para Sevilha mas continuava a jogar com o apoio dos seus adeptos para superar o início conturbado de aventura.

Contra a Suécia, a Espanha foi avassaladora. Teve uma posse de 85%, algo que nunca acontecera pelo menos desde o Europeu de 1980, fez um total de 917 passes contra apenas 161 do adversário (mais um recorde), atirou à baliza 17 vezes contra apenas quatro dos escandinavos. No final, 0-0 e um ponto para cada.

São bons, mesmo bons, mas esqueceram-se que o futebol tem balizas (a crónica do Espanha-Suécia)

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Na conferência seguinte de antevisão a um jogo, o assunto foi outro: a finalização. Morata voltou a ser o alvo escolhidos pelos adeptos, que chegaram a assobiar o avançado pelos golos falhados, mas Luis Enrique saiu em defesa do jogador que esteve cedido pelo Atl. Madrid à Juventus, garantindo que tinha sido apenas um jogo, que tinha ficado satisfeito com aquilo que a Espanha produzira em campo e que a equipa estava no caminho certo pela capacidade que teve de dominar o adversário, controlar o encontro até criar várias oportunidades.

Contra a Polónia de Paulo Sousa, a Espanha voltou a ser muito melhor. Teve de novo o domínio na posse com 69%, fez mais de metade dos remates do adversário (11-5), correu mais (109,8km-108,km), controlou com bola acabando com três vezes mais passes (758-236). No final, entre um penálti falhado, 1-1 e um ponto para cada.

Dia agridoce na vida dos goleadores “Sou eu e mais dez” (a crónica do Espanha-Polónia)

E chegamos à conferência de antevisão do último encontro da fase de grupos, aquele onde até a posição de Luis Enrique foi questionada numa perspetiva de poder falhar o acesso aos oitavos. A Roja dependia apenas de si mas para continuar nessa posição e não correr riscos de eliminação estava obrigada a ganhar à Eslováquia de novo num contexto em que Morata era alvo das principais críticas mas não como único vilão numa formação que tem capacidade para ser tão boa ou melhor a dominar e controlar o jogo sem materializar esse ascendente no último terço. Esse era o grande desafio da Espanha para a derradeira partida do grupo E, num cenário onde até um novo empate valeria a passagem como um dos melhores terceiros mas não apagaria o momento que era vivido.

A história começou por ser igual: Morata começou com um remate cruzado para defesa de Dúbravka e um corte providencial de Skriniar a evitar o primeiro golo, depois Morata voltou também a falhar um penálti, a seguir foi o guarda-redes eslovaco a tirar mais dois golos aos espanhóis. Os eslovacos pouco ou nada passavam do meio-campo mas continuam acantonados, quase como se fossem uns guerreiros sem armas e de escudos no ar a ver até quando aguentavam a pressão contrária. A Roja atirava muito mas nada era certeiro e o 1-0 acabou por chegar com uma verdadeira chumbada no pé: Sarabia rematou à trave, a bola subiu, Dúbravka talvez por causa do sol queria desviar por cima da trave mas atirou para a própria baliza (30′). Inacreditável…

Estava dado o mote para aquilo que se tornaria uma goleada, a começar com o primeiro golo de Laporte pela equipa espanhola já nos descontos da primeira parte (numa jogada iniciada por Pedri e com assistência de Moreno) e a continuar com uma enxurrada de futebol ofensivo materializada por Sarabia (56′), Ferran Torres (67′) e Kucka (71′, p.b.), que só parou por decisão própria dos espanhóis e que em todas as jogadas de perigo encontrou um denominador comum: a visão de jogo de Pedri. Há ali pormenores que fazem lembrar tanto Andrés Iniesta quando começou a aparecer na equipa principal do Barcelona. E tem apenas 18 anos.

O jogo a três toques

Para recordar

Sarabia está a fazer o seu percurso depois de ter trocado o Sevilha pelo PSG em 2019, Morata é um nome firmado que já passou por alguns dos principais clubes europeus, Moreno tem uma época fabulosa de ressurgimento no Villarreal e ganhou até a Liga Europa. São todos bons, para alguns craques, para outros numa segunda linha, mas sempre craques. Mesmo assim, e em algumas fases da primeira parte parecia que Pedri tocava uma música no meio-campo mais descaído na esquerda que os avançados não conseguiam perceber – e a culpa não era do jogador do Barcelona, que cada vez mais se assume como maestro da Roja e melhorou com a entrada de Busquets para pivô defensivo e Koke como médio interior mais à direita. Depois de se ter tornado o jogador mais novo de sempre numa fase final pela seleção espanhola, superando aos 18 anos o registo de Miguel Tendillo no Europeu de 1980, manteve o lugar à frente de nomes como Fábian Ruíz e Thiago Alcântara e voltou a destacar-se, sendo que depois do primeiro golo toda a mecânica ofensiva mudou e a começar sempre nos pés de Pedri.

Para esquecer

Martin Dúbravka, que até podia ter seguido uma carreira promissora no hóquei em gelo se não fosse uma lesão na perna esquerda, já foi descrito pelo The Guardian como o “guarda-redes relutante” por preferir ter crescido como um extremo direito e não um guardião mas não estava a deixar dúvidas neste Europeu: depois de ter sido uma das peças fundamentais na vitória contra a Polónia e de ter sido o garante de outro resultado com a Suécia antes de sofrer de grande penalidade, continuava a ser a principal figura da Eslováquia com a Espanha, sustendo tudo e mais alguma coisa entre remates de fora, desvios na área e até grandes penalidades. Depois, do nada, teve um lance verdadeiramente inacreditável que abriu caminho à derrota eslovaca: Sarabia rematou à trave, a bola subiu e o guarda-redes, tentando colocar para canto, acabou por fazer um autogolo decisivo para as decisões.

Para valorizar

O ataque espanhol, sobretudo pelo contexto que enfrentava e que colocava em campo uma equipa que fizera apenas um golo em 30 remates à baliza e que voltou a falhar uma grande penalidade no início do jogo entre várias oportunidades flagrantes. Depois, o erro de Dúbravka foi quase como um abrir da Caixa de Pandora. E quando a equipa de Luis Enrique começou a ganhar confiança, a ter um jogo cada mais fluido e a concretizar parte das oportunidades, deixou um cartão de visita para quem achava que a Espanha não contava no Euro.