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Zlatko, o 'rapper' na mira do Governo esloveno

Este artigo tem mais de 2 anos

No dia em que o Ministério da Cultura tentou retirar o estatuto de artista independente a Zlatan Cordic, cinco grafitis apareceram em Ljubljana com uma palavra em maiúsculas pintada a preto: ZLATKO.

Zlatan Cordic, rapper conhecido por “Zlatko” na Eslovénia, alega que o Governo tentou retirar-lhe subsídios de segurança social devido às suas canções de intervenção e posições políticas, em Ljubljana, Eslovénia, 29 de maio de 2021. Portugal exerce atualmente, até ao fim de junho, a presidência do Conselho da União Europeia e a partir de julho caberá à Eslovénia. (ACOMPANHA TEXTO DA LUSA DO DIA 26 DE JUNHO DE 2021). ESTELA SILVA/LUSA
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O rapper Zlatan Cordic é um dos opositores ao Governo esloveno liderado por Janez Jansa

ESTELA SILVA/LUSA

O rapper Zlatan Cordic é um dos opositores ao Governo esloveno liderado por Janez Jansa

ESTELA SILVA/LUSA

No dia em que o Ministério da Cultura da Eslovénia tentou retirar o estatuto de artista independente a Zlatan Cordic, cinco grafitis apareceram espalhados por Ljubljana com uma palavra em maiúsculas pintada a preto: ZLATKO.

“Este tipo de apoio mostra-me que vale a pena continuar”, diz à Lusa Zlatan Cordic, ‘rapper’ esloveno conhecido por Zlatko.

Posando diante dos vestígios das letras que formam o seu nome artístico, entretanto apagadas, Zlatko alega ter-se tornado num alvo do Governo de Janez Jansa: de campanhas de difamação pública a contratos publicitários cancelados, passando por infiltrações nas suas redes sociais, o ‘rapper’ diz à Lusa que “está sozinho contra todo o aparelho estatal”.

“As pessoas não percebem o tipo de pressão a que estou sujeito. Tenho o Governo inteiro, com todo o seu aparelho, contra mim. E eu estou sozinho”, afirma.

Interrompido para tirar ‘selfies’, conversar com desconhecidos ou explicar como a sua música se relaciona com as figuras das estátuas que estão no centro da capital eslovena, Zlatko recusa o epíteto de “estrela” e diz que a sua música “sempre foi política”.

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“Não quero saber se são de esquerda ou de direita, o que me interessa é se [os políticos] fazem coisas boas ou más. Mas, hoje em dia, por causa do Governo que temos, parece que a minha música é mais política, mas não. O que acontece é que há mais pessoas contra este Governo, o que faz com que as minhas músicas tenham mais destaque”, diz o rapper.

A Eslovénia, que assume a presidência do Conselho da União Europeia (UE) na próxima semana, vive um clima de contestação ao governo liderado por Janez Jansa, com protestos semanais, nos quais Zlatko participa com frequência, que há cerca de um ano reúnem milhares de pessoas na capital contra o que consideram medidas que atentam contra as liberdades fundamentais do país.

Afirmando ter sempre “dito as verdades” e “feito as perguntas certas”, Zlatko refere nunca ter sentido com outro Governo o tipo de pressões que sente agora, alegando que, desde a tomada de posse de Janez Jansa tem sido alvo de campanhas de difamação pública, feitas nas redes sociais e no que apelida de órgãos de comunicação “próximos de Jansa”, que o acusam de “tirar dinheiro ao país” e de ser um “ingrato intrometido”.

Das campanhas de difamação paralelas, Zlatko foi catapultado para o perfil oficial de Janez Jansa no Twitter em outubro de 2020, quando deu uma entrevista à agência de notícias eslovena, STA, a propósito do seu 11.º álbum, acabado de lançar, intitulado “Julijan Mak”.

Publicada a 14 de outubro, a entrevista com Zlatko levou Jansa a classificar a STA de “desgraça nacional”, por ter dado maior destaque ao álbum do que a um encontro que teve com o seu homólogo húngaro, Viktor Orbán, por volta da mesma altura.

Desde então, Zlatko tem estado na mira do Governo: além de ser sido caracterizado de “bully primitivo” pelo ministro da Administração Interna, Ales Hojs, o rapper recebeu, em novembro, uma notificação do Ministério da Cultura a informar que o seu estatuto de artista independente — que lhe dava benefícios sociais relativos ao seguro de saúde e reforma — lhe tinha sido retirado.

À Lusa, o Ministério da Cultura diz que a revogação do estatuto de artista independente acontece de maneira “recorrente”, que, no último ano, “10 pessoas perderam o estatuto”, o que mostra que a decisão “não tem absolutamente ligação nenhuma com a política”.

Entre as razões que podem levar à revogação do estatuto, afirma, figura a “realização de atividades que não são conduzidas enquanto atividades culturais”: “As atividades de uma pessoa que não se enquadrem no âmbito de atividades culturais e que, ao mesmo tempo, possam constituir comportamentos ilícitos passíveis de ser processados ao abrigo do direito penal”.

“No caso deste artista, provocou muita controvérsia pública ao atacar verbalmente e seguir um epidemiologista que trabalha no Instituto Nacional de Saúde, tentou tirar a câmara a um repórter de imagem e também gritou e ameaçou empregados do Ministério da Cultura (um empregado em concreto denunciou-o à polícia várias vezes e teme pela vida)”, aponta o Ministério da Cultura.

Zlatko rejeita todas as acusações, e salienta que, à exceção do alegado ataque a um repórter de imagem — pelo qual pagou uma indemnização, que agora lamenta, por considerar que o seu direito à imagem não foi respeitado –, os outros dois casos estão a ser julgados.

No que se refere à alegação da “realização de atividades que não são conduzidas enquanto atividades culturais”, o ‘rapper’ sublinha que “o que faz no seu tempo livre não deveria influenciar a decisão do Ministério” e frisa que o seu estatuto diz respeito ao seu “trabalho artístico, não ao tempo livre”.

“Este Governo não percebe a democracia: tenho direito de dizer o que quero dizer, tenho direito de ir à rua e sentir-me como que me quero sentir, desde que não ofenda ninguém”, diz.

Tendo levado o caso a tribunal, Zlatko recuperou o estatuto de artista independente em dezembro, mas diz estar à espera de “novas movimentações” da parte do Ministério da Cultura e considera suspeitos os incidentes em catadupa que lhe têm acontecido desde outubro.

Para ilustrá-lo, Zlatko refere que, um dia antes de receber a notificação do Ministério da Cultura, as suas redes sociais foram infiltradas, tendo a sua antiga conta do Instagram — que alega ter tido cerca de 60 mil seguidores — sido apagada.

“Agora tenho muito menos seguidores no Instagram, mas criei uma conta nova e, pouco a pouco, estou a ter mais outra vez”, diz o ‘rapper’, cuja conta atual, criada um dia depois da infiltração, tem quatro mil seguidores.

A perda brusca de seguidores nas redes sociais parece ter tido um impacto nos contratos publicitários de Zlatko que, tendo sido um dos “mais antigos colaboradores locais” da Adidas Eslovénia, como diz fonte da empresa à Lusa, está agora incluído num pacote de colaboradores que “não têm uma base forte” de seguidores entre os jovens e que, como tal, está a ser “gradualmente reduzido”.

“A Adidas está a dirigir-se para um público-alvo mais jovem. Por isso, as nossas atividades de ‘marketing’ começaram a focar-se intensamente em ‘influencers’ que são fortes e ativos nas redes sociais, especialmente no Instagram e TikTok”, aponta a Adidas Eslovénia.

Zlatko diz que a mensagem da empresa não corresponde “à verdade total” e vê na perda de contratos um propósito político, dando também o exemplo de uma concessionária de automóveis, Avtotehna Vis, que, “quando as manifestações chegaram”, lhe cancelou o contrato.

À Lusa, a Avtotehna Vis reconhece que trabalhou com Zlatko durante cinco anos, uma parceria que considera ter tido muito êxito, mas que teve de ser interrompida em outubro devido ao encerramento temporário da empresa durante a pandemia.

Reconhecendo que toda a situação o “está a afetar” e que o seu rendimento financeiro se tornou “definitivamente mais baixo”, Zlatko diz que vai “continuar a lutar”, porque sente que “é a coisa certa a fazer”, e a mostrar-se “feliz com as pequenas coisas da vida”.

“Sou o tipo de pessoa que, se não pode ir de férias, paciência. Mas não quero ficar calado quando vejo que algo de errado está a acontecer na sociedade”, assevera Zlatko.

ONG recebem ordem de despejo e alertam para desaparecimento de símbolo da democracia

Iztok Sori caminha pelos corredores do prédio de Metelkova 6, onde operam 18 organizações não governamentais (ONG) eslovenas, para mostrar que, contrariamente ao que alega o Ministério da Cultura, o edifício está em bom estado.

“Fomos dos primeiros a entrar neste prédio”, relembra à Lusa o diretor do Peace Institute, uma organização que faz investigação sobre direitos humanos e minorias, ‘media’ e políticas culturais e de género.

Iztok Šori, diretor do Peace Institute, uma organização não governamental eslovena que faz investigação sobre direitos humanos e ciência política, que recebeu uma ordem governamental de despejo do prédio de Metelkova 6, em Ljubljana, Eslovénia, 28 de maio de 2021. Portugal exerce atualmente, até ao fim de junho, a presidência do Conselho da União Europeia e a partir de julho caberá à Eslovénia. (ACOMPANHA TEXTO DA LUSA DO DIA 26 DE JUNHO DE 2021). ESTELA SILVA/LUSA

ESTELA SILVA/LUSA

“É verdadeiramente uma história especial, porque o Governo nunca voltou a dar um prédio para ser utilizado por organizações não governamentais. Há muitas ONG com sucesso neste prédio, o que mostra quão importante esta infraestrutura básica é para o desenvolvimento e a profissionalização das ONG”, aponta.

A “história especial” de que Iztok Sori fala remonta à independência da Eslovénia: antigo quartel-general do Exército Popular Jugoslavo, o prédio foi ocupado em 1993 por ativistas, que viriam a assinar um contrato com o Ministério da Cultura esloveno que lhes garante a permanência no edifício por um período indeterminado.

Agora, quando o país se prepara para celebrar o 30.º aniversário da independência, as 18 ONG que se encontram no prédio receberam uma ordem de despejo decretada pelo Ministério da Cultura e alertam para o risco de desaparecimento de um símbolo da democracia eslovena.

“Este prédio fez parte de um movimento nos anos 1980 e estas organizações fazem parte da democratização da sociedade nessa época. É uma parte muito importante da história e, se for apagada, uma parte muito importante do processo democrático irá também desaparecer”, frisa à Lusa Alja Lobnik, diretora no Maska Institute, uma organização de atividades editoriais, culturais e de produção ligada à arte contemporânea e teatral.

O Maska Institute e o Peace Institute estão entre as 18 ONG que, em outubro de 2020, receberam um “pedido para abandonar as instalações” até 31 de janeiro de 2021, com o pretexto de que, contrariamente aos restantes edifícios do complexo, o Metelkova 6 era o único que ainda não tinha sido renovado.

À Lusa, o Ministério da Cultura diz não haver qualquer “motivação política” por detrás da ordem de despejo, referindo que “o prédio de Metelkova 6 é perigoso para os habitantes devido ao seu estado de degradação e o Ministério, enquanto proprietário, é obrigado a renová-lo”.

“Aliás, uma rapariga jovem que passava casualmente diante do prédio ficou ferida porque lhe caíram telhas na cabeça”, acrescenta.

O Ministério aponta por outro lado que, apesar de os contratos de renda terem sido “alterados para cobrir um período indefinido”, seria uma “ficção concluir que uma renda por um período indefinido significa que o Ministério não pode rescindir” o contrato de arrendamento.

“Nenhuma renda pode ser permanente, porque tal corresponderia a infringir os direitos de propriedade do senhorio. O Ministério agirá assim em total conformidade com a lei ao rescindir os contratos de arrendamento”, diz a mesma fonte.

Já Iztok Sori considera que, por detrás da ordem de despejo “está a promessa de destruir certas ONG, especialmente aquelas que são críticas e que defendem os direitos humanos ou o ambiente”.

O Peace Institute, que se recusou a sair, recebeu, no início de maio, uma ordem de despejo que está atualmente em tribunal, num processo que Sori considera que deverá “demorar um ano” e que o instituto utilizará para demonstrar que a decisão do Ministério “não tem qualquer fundamento”.

“Mantivemos este prédio nos últimos 20 anos: o Ministério não investiu nada nele, tudo o que foi arranjado foi financiado por nós ou feito individualmente por certas organizações”, afirma Sori, que mostra a biblioteca do instituto – uma sala caiada de branco, chão de tacos de madeira envernizada e estantes do chão até ao teto – que contraria a imagem de degradação aparente na fachada: sarapintada de grafitis e a precisar de pintura.

Alja Lobnik também afirma que o “prédio não é perigoso e que são as organizações, enquanto “habitantes do prédio”, que têm garantido que Metelkova 6, apesar de não estar “perfeito”, se mantém “em bom estado”.

Goran Forbici, diretor do Centro de serviço de informação, cooperação e desenvolvimento das ONG (CNVOS), que representa cerca de 1.400 organizações eslovenas, vê na ordem de despejo a vontade do Governo de “apagar um símbolo” que surgiu com a ocupação nos anos 1990 e que representa uma “espécie de quartel-general da cultura independente”.

O diretor da CNVOS, fundada em 2001, fala de pressões mais vastas que o conjunto das ONG estão a sofrer desde que o primeiro-ministro, Janez Jansa, tomou posse e que, partindo da retórica que nunca foi tão tóxica — e que caracteriza as ONG como “parasitas” que vivem à custa do dinheiro dos contribuintes e “atrasam o desenvolvimento do país” — , começam a ter impacto no acesso a fundos públicos por parte de algumas ONG críticas do Governo.

“Não devemos ser inocentes e negar que, antes, os ministros ou membros do Governo não tentavam influenciar os concursos públicos. Claro que o faziam. (…) Mas garantiam sempre a heterogeneidade do financiamento: uns recebiam mais, mas todos recebiam, havia a filosofia de ‘todas as flores devem desabrochar’. Agora, com Jansa, (…) estão verdadeiramente a fazer uma seleção”, diz Forbici.

Apesar de, pela própria natureza dos concursos públicos, nenhuma organização ter perdido fundos, “porque nenhuma organização os teria à partida”, o diretor da CNVOS refere que, muitas organizações que antes nunca tinham ganho concursos públicos, agora o fizeram, enquanto outras, como a Cruz Vermelha e outras organizações humanitárias, os perderam.

O Instituto Maska já está a sentir o impacto da alegada política governamental relativa às ONG: prepara-se para se candidatar a um concurso público que garantiria financiamento para os próximos quatro anos, mas Alja Lobnik considera que o instituto tem “poucas chances” de o ganhar.

“As pessoas que decidem são mais conservadoras relativamente àquilo que a arte pode ser. E, provavelmente, têm simpatias, ou algum tipo de relacionamento, com o Governo, e nós temos a visão oposta, o que deverá influenciar o resultado”, aponta a diretora.

Apesar da eventual ausência de fundos, Alja Lobnik frisa que, caso o Maska Institute tenha de sair de Metelkova 6, irá “tentar, de alguma maneira, sobreviver”, mas recusa que essa seja a questão central quando se fala das ordens de despejo.

“Este não é um problema particular, é um problema da sociedade. É o problema de perceber como é que nós, enquanto sociedade, permitimos que o Governo faça isto”, afirma a diretora do Maska no escritório que a organização ocupa desde 1997, e que teme agora perder.

A Eslovénia, que assume a presidência do Conselho da União Europeia (UE) na próxima semana, vive um clima de contestação ao governo de Janez Jansa, com protestos semanais que há cerca de um ano reúnem milhares de pessoas na capital contra o que consideram medidas que atentam contra as liberdades fundamentais do país.

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