O vice-almirante Gouveia e Melo disse nesta quinta-feira, no julgamento das alegadas irregularidades na reconstrução das casas após os incêndios de junho de 2017, que a Câmara de Pedrógão Grande tinha uma “estrutura muito débil para a dimensão do problema”.

“Tinha uma estrutura muito débil para a dimensão do problema que estava a enfrentar”, afirmou Henrique Gouveia e Melo, oficial da Marinha que comandou um destacamento deste ramo das Forças Armadas que se deslocou para Pedrógão Grande, distrito de Leiria, para auxiliar a população na sequência dos fogos.

A testemunha, indicada pela defesa do presidente deste município, Valdemar Alves, um dos 28 arguidos deste processo, foi nesta quinta-feira inquirida em mais uma sessão do julgamento do Tribunal Judicial de Leiria, que decorre na Batalha.

A impressão que tive na altura foi a de que a Câmara Municipal era meia dúzia de pessoas, se tanto. Estavam um bocado perdidos no meio daquele problema gravíssimo, muitos deles ainda em estado de choque”, declarou.

A testemunha elencou depois o trabalho desenvolvido pelos militares, realçando que havia “10 patrulhas móveis sempre a circular”. “Distribuíamos comida, roupa, transportávamos pessoas, dávamos apoio psicológico”, exemplificou, destacando um levantamento relativo às pessoas que tinham perdido bens, com “extensa reportagem fotográfica georreferenciada e entrevistas”, que foi depois entregue ao município quando o destacamento saiu de Pedrógão Grande.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O vice-almirante explicou, por outro lado, que se devia “conferir o mínimo de estrutura à Câmara para lidar com aquela emergência”, o que foi feito através da criação de uma equipa “para responder às emergências mais urgentes”, como água, roupa e comida.

A equipa foi instalada e estruturada pelos militares na Casa da Cultura, adiantou Gouveia e Melo, frisando: “Nós não organizámos a reconstrução das casas, como é evidente. (…) O que eu transmiti foi que as habitações deviam ser reconstruídas, com prioridade, como é evidente, primeiro aquelas que tinham a ver com a pessoa ter um sítio para viver”.

“Eu não partilho de nenhuma ideia jacobina de que a propriedade só é aquela que é essencial”, sustentou ainda, considerando que “a reconstrução é uma cura psicológica para aquelas pessoas que tinham perdido tudo”. Para aquela população recuperar, “não basta dar uma casa para não apanhar chuva, tem de se recuperar todo o tecido económico, por isso é que há prioridades”, afirmou.

Lembrando que chegou a Pedrógão Grande na fase terminal dos incêndios e que os militares ficaram cerca de mais um mês, o oficial da Marinha recordou: “A população, depois daquele impacto do incêndio, quando os bombeiros saíram todos, ficou abandonada a si própria”.

Quando saímos de lá ainda estávamos a meter lonas nos telhados [de casas] de pessoas que precisavam de um sítio para se abrigar”, observou.

Sobre o trabalho do presidente da câmara, Gouveia e Melo sublinhou que “estava a fazer o seu esforço máximo”. “Não diria que estaria em pânico, mas bastante desorientado face a uma situação que, desculpem a expressão, era areia demais para a camioneta que tinha naquele momento”, disse.

“Perante um problema daquela gravidade e extensão, só pessoas muito treinadas e até desligadas da região é que conseguem ter sangue-frio para estarem a decidir sem ‘stresse'”. Gouveia e Melo acrescentou que viveu a situação de forma intensa. “Ainda hoje sofro com o que vi e sou uma pessoa treinada”, assegurou.

Na sessão desta quinta-feira foram inquiridas mais quatro testemunhas. O julgamento, interrompido devido às férias judiciais, é retomado em 9 de setembro. O julgamento das alegadas irregularidades no processo de reconstrução das casas que arderam nos incêndios de junho de 2017 no concelho de Pedrógão Grande e que alastrou a municípios vizinhos tem 28 arguidos.

Além do presidente da Câmara de Pedrógão Grande, o ex-vereador deste município Bruno Gomes é também arguido. Ambos estão pronunciados por 20 crimes de prevaricação de titular de cargo político, 20 crimes de falsificação de documento e 20 crimes de burla qualificada, os mesmos do despacho de acusação.

Estes incêndios provocaram 66 mortos e 253 feridos, tendo destruído cerca de 500 casas, 261 das quais habitações permanentes, e 50 empresas.