“Escaldante”, “estilo telenovela”, “íntimo”, são as etiquetas usadas no menu da Netflix para categorizar o seu novo líder de audiências em Portugal. Também o poderíamos descrever como um “Donas de Casa Desesperadas” meets “Sexo e a Cidade” meets “50 Sombras de Grey”. “Sex/Life” é uma fantasia playboy para mamãs — não somos nós que o dizemos, é o que a série assume querer ser. Porque é que lidera momentaneamente o top dos mais vistos? Por isso: porque, como “50 Sombras de Grey”, é rebeldia descafeinada, sonho erótico de gente boa armada em má, coisa pretensamente transgressiva, depois de cumprir todas as normas de segurança.
No centro da história está Billie, uma bela mulher agora esposa e mãe a tempo inteiro, dedicada ao marido supostamente perfeito e aos dois filhos adoráveis. O problema é que Billie sente falta de quem era: parafraseando a nossa cultura popular, arredondemos isto para uma louca na cama, antes da lady na mesa. E é logo agora que, do passado, emerge o ex-namorado bad boy, “impossivelmente sexy”, para a atormentar e fazer pôr tudo em causa… Sim, car@ leitor@, Billie está confrontada com um dilema dilacerante: ela casou com o Ken, mas apetecia-lhe o Action Man.
A parte mais divertida nesta criação de Stacy Rukeyser a partir do romance 4 Chapters About 4 Men, de BB Easton, é que ela parece firmemente convencida em colocar-nos, de facto, perante um dilema. Uma escolha. Dois mundos opostos, alegadamente figurados na dupla leitura do título (“Sex/Life” é tanto “Vida Sexual” como “Sexo-barra-Vida”): de um lado, a aventura, a tentação, a transgressão; do outro, o amor, a estabilidade, a família. Mas o que Rukeyser realmente nos dá é uma mulher que se derrete por malas Chanel e piscinas de água aquecida em rooftops, “dividida” entre dois tipos lindos, musculados, ricos e bem-sucedidos. Oh, a tragédia.
[o trailer de “Sex/Life”:]
A escolha dos atores para os papéis confirma o óbvio. Para fazer de Cooper, o marido com uma mansão no Connecticut, que é aparentemente um caso muito raro de boa pessoa a trabalhar na banca de investimento, foi-se buscar um ex-modelo da Levi’s com uma longa carreira como ator secundário ou terciário (Mike Vogel, 41). Para fazer de Brad (sim, o objeto de desejo chama-se Brad. É esse o nível de inventividade de “Sex/Life”), descobriram Adam Demos, um australiano de 36 anos, com mais centímetros de altura (e, aparentemente, não só) do que títulos no currículo de ator, que costumava trabalhar nas obras para a empresa do pai.
O elenco principal completa-se com Margaret Odette, uma nova-iorquina de quem a internet ainda não sabe sequer a idade, que faz de Sasha, a melhor amiga e confidente que ainda não trocou a parte do “sex” pela “life”. Quanto a Billie, a nossa Carrie nesta viagem, é interpretada por Sarah Shahi, nome artístico de Aahoo Jahansouzshahi, uma texana de origem iraniana, 41 anos, mãe de três filhos, ex-cheerleader dos Dallas Cowboys, cujas proezas mais memoráveis na representação tinham sido até agora o papel de Carmen de la Pica Morales nalgumas temporadas de “The L Word” e uma aparição num episódio da temporada final de “Os Sopranos”, quando faz de Sonya Aragon, uma stripper e estudante universitária que se envolve fugazmente com Tony.
Tudo isto poderia ser deliberadamente superficial, mas não é. Enquanto Billie vive e sofre com as suas tentações entre mansões, penthouses, piscinas, terraços e grandes carros, “Sex/Life” tenta convencer-nos de que há substância nas personagens, vendendo-nos Billie e Sasha como dois geniais talentos em Psicologia na Universidade de Columbia, que, porém, gostam de se divertir como qualquer outra rapariga. Brad, o atormentado produtor musical que vive num apartamento onde podiam fazer a próxima Moda Lisboa e que, estranhamente, tem de andar em pessoa a tentar convencer uma banda qualquer que toca para meia dúzia de tipos num bar a virem para a editora dele, diz que Billie “o vê por dentro”. Mas nós, que pagámos a mensalidade da Netflix, não vimos nada.
Por sorte, a genial psicóloga escreve tudo quanto lhe passa pela memória e pela fantasia num diário que mantém no computador (há lá coisa mais típica de mulheres adultas, barra em Psicologia). facilitando a vida aos guionistas, que nessa locução estruturam todo o progressivo narrativo. Azar dos azares e para surpresa de todos (!): o marido vai descobrir o diário, confrontar Billie com o que leu e continuar a descobrir e a descobrir, um dia após o outro, porque Billie, certamente ocupada com as suas descobertas revolucionárias no campo das Ciências Sociais e mesmo depois de apanhada a primeira vez, ainda não ouviu falar da recente invenção dessa maravilha tecnológica que atende pelo nome de “password”.
Cada episódio (são oito) tem o nome de uma canção: “The wives are in Connecticut”, Carly Simon, “Down at the tube station at midnight”, The Jam, “Empire state of mind”, Jay-Z, “New New York”, The Cranberries, “The sound of the suburbs”, The Members, “Somewhere only we know”, Keane, “Small town Saturday night”, Hal Ketchum, “This must be the place”, Talking Heads – uma ideia potencialmente boa de que a showrunner Stacy Rukeyser, na verdade, acaba por não tirar quase nada (na verdade, a ideia já foi usada e abusada por “Anatomia de Grey”). Afinal, o que “Sex/Life” gastou em cenários deve ter poupado em atores e guionistas, em mais uma daquelas séries pretensamente apaixonadas por Nova Iorque, mas tão focadas no que de mais novo-rico a cidade tem que se arriscam a, um dia destes, estragar o verdadeiro amor que muitos lhe têm.
É “Sex/Life”, a nova fantasia para quem estiver disposto a perder tudo se, por acaso, do outro lado também estiver tudo. Como acaba, vai @ leitor@ descobrir por sua conta e risco, se quiser. Mas, na vida real, a atriz Sarah Shahi já escolheu: ficou com o Action Man.