Um realizador quer fazer um filme sobre um determinado e importante momento da carreira de um dos maiores nomes da música pop/rock do nosso tempo, que já morreu. Só que os detentores dos direitos do acervo musical do artista em questão não os cedem graciosamente, ou então cobram um dinheirão. O realizador fica assim sem poder usar uma só canção, uma melodia que seja do seu biografado. Das duas, uma: ou desiste do projeto e vai à procura de outro assunto ou de outra história, ou então arranja uma maneira muito original e muito criativa de contornar o problema. Mas para isso, tem que ser muito bom. E Gabriel Range, o realizador de “Stardust — O Nascer de uma Estrela”, não é.

Range queria rodar um filme sobre a primeira viagem que David Bowie fez aos EUA em 1971. A sua carreira tinha empanado em Inglaterra e Bowie queria dar-se a conhecer ao público, às rádios e aos jornalistas americanos após ter lançado o seu terceiro álbum, The Man Who Sold the World (1970). Durante esta viagem, ele conceberia a personagem de Ziggy Stardust. Mas o filho de Bowie, Duncan Jones, disse que os herdeiros não tinham sido consultados sobre o projeto e Range não obteve autorização para usar as suas canções. Perante esta recusa, outro realizador teria atirado a toalha. Mas mesmo assim, Range decidiu ir em frente, tendo o músico Johnny Flynn no papel de David Bowie.

[Veja o “trailer” de “Stardust: O Nascer de uma Estrela”:]

E assim, “Stardust — O Nascer de uma Estrela” tem várias sequências perfeitamente embaraçosas, caso daquela em que Bowie interpreta Jacques Brel num bar para uma plateia americana indiferente, mostrando que não tem o menor sentido fazer um filme sobre um músico quando não se tem acesso às suas canções – e sobretudo se esse músico se chama David Bowie. Não contente com isto, Gabriel Range farta-se de inventar, transformando a digressão do autor de “Heroes” pelos EUA, em que Bowie foi guiado por Ron Oberman (interpretado pelo cómico Marc Maron), um funcionário da editora Mercury, numa espécie de “road movie” tragicómico.

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Bowie andou quase sempre de avião, mas no filme, Range mete-o na carrinha de Oberman, que o admira muito e lhe reconhece um enorme talento, contra a opinião dos seus superiores da editora, e atira-os para estrada, a irem de cidade em cidade, de estação de rádio em estação de rádio, de hotel em hotel e de concerto manhoso em concerto manhoso, para tentar tirar dividendos ora cómicos, ora dramáticos, da situação. E ao contrário do que o filme quer fazer passar, David Bowie causou boa impressão nos jornalistas e críticos a quem deu entrevistas. Noventa por cento de “Stardust — O Nascer de uma Estrela” é pura invenção.

[Veja uma entrevista com o realizador e o ator:]

O realizador procura também, de forma tosca, forçar uma relação entre os problemas mentais de Terry Burns, o meio-irmão do músico (que realmente o influenciou em termos de leituras e interesses intelectuais), e as angústias criativas e incertezas íntimas deste na altura, enquanto Johnny Flynn, apesar de devidamente municiado em termos de guarda-roupa e outros adereços, falha na sua tentativa de personificar Bowie, dos maneirismos ao tom de voz, passando pelas sequências em palco. É menos uma interpretação do que uma pobre imitação. A verdade é que mesmo que Range tivesse conseguido as canções de Bowie, “Stardust — O Nascer de uma Estrela” seria um penoso, caricato e chapado falhanço.