Imaginemos que há três Estados-membros que pedem ajuda à Europol para obter informações sobre suspeitos de pedofilia que atuam no Facebook. E que este serviço europeu de polícia compara estes três pedidos e se apercebe, pelas coincidências, que estes três países podem, afinal, estar a investigar suspeitos de uma mesma rede de pedofilia. Ora, a Europol poderá tomar a iniciativa de fazer entrar em contacto com o Facebook para a solicitar essa informação e depois dá-la aos países que a pediram.
É, pelo menos, o que prevê o projeto de um novo regulamento da Europol elaborado pelo Grupo de Trabalho da Aplicação da Lei, constituído maioritariamente por polícias dos várias Estados-membros, e que deverá agora ser negociado no Parlamento Europeu. “A Europol pode configurar-se como intermediário com a Google ou o Facebook para dizer: ‘Aparentemente há aqui diversos Estados-membros a solicitar informações sobre esta matéria e penso que esta área é algo sobre a qual a Google tem dados”, exemplifica o superintendente da PSP Luís Elias, que assegurou a Presidência Europeia nas 16 reuniões deste grupo, junto com Marta Ferreira, da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, para fazer a revisão do regulamento — algo que não acontecia desde 2009.
A Europol fica com maior capacidade de constituir como uma agência facilitadora dos Estados-membros na investigação criminal, nomeadamente na troca de informações com entidades privadas, com o Procurador Europeu e com países terceiros”, explicou ao Observador.
O regulamento anterior tinha alguns “obstáculos legais” que não permitiam “com tanta celeridade e eficácia” a troca de dados com multinacionais privadas. Assim, a Europol poderá passar a receber dados diretamente de entidades privadas e, depois de os analisar, transmiti-los a autoridades nacionais. E até identificar os Estados-membros a quem essa informação possa interessar, mesmo não tendo feito qualquer pedido.
No entanto, este pedido de informações feita pela Europol terá sempre de partir de uma solicitação feita por um ou mais países. “Nenhum dos Estados-membros quer que a Europol se constitua como um FBI europeu, ou seja, ter capacidade autónoma de investigação criminal. O objetivo é que seja uma agência fundamental de apoio, de troca e informações, análise, comparação, sugestão e coordenação de operações, mas não ser ela a gerir a investigação criminal na EU”, ressaltou o superintendente da PSP Luís Elias em declarações ao Observador.
Conselho da UE adota mandato de negociação sobre novas regras da Europol
A revisão do regulamento teve em conta as ameaças que a União Europeia enfrenta para que a Europol esteja mais bem preparada. A principal? O terrorismo. “O terrorismo continua a ser uma ameaça que implica que a Europol configure como uma agência relevante em termos de apoio aos Estados-membros”, explicou o superintendente Luís Elias, defendendo que a “capacidade de relação com países terceiros teve de ser robustecida, fruto da transnacionalidade do crime”.
Além de servir como uma agência facilitadora de cooperação com outros países ou multinacionais privadas, a Europol poderá também ajudar Estados-membros a “pesquisar ou desenvolver determinado tipo de ferramentas no âmbito da investigação criminal”, adianta o superintendente Luís Elias. Por exemplo, criação de bases de dados ou análise de grande quantidade de dados.
Imaginemos que Portugal que tem um processo em mãos onde há terabytes e terabytes de informação que tem de analisar. Poderá pedir apoio à Europol para que possa colaborar na análise dessa informação. Era algo que já vinha a acontecer, mas procura-se dar mais capacidade à Europol”, exemplificou.
Ao longo elaboração deste texto, o grupo de trabalho teve de ter em conta a proteção de dados nas alterações que propôs: “Todo o processo de discussão foi salvaguardando a proteção dos direitos individuais dos cidadãos. Tudo o que foi discutido foi em presença da proteção de direitos, liberdades e garantias”, garantiu o superintendente Luís Elias.
Reforçar a capacidade da Europol pode traduzir-se num aumento do orçamento
Dar mais capacidades à Europol “vai permitir o reforço do orçamento”. “A Europol estava a atingir um estrangulamento em termos orçamentais tendo em conta os constantes e sucessivos pedidos de apoio por parte dos Estados-membros. E tinha um orçamento algo limitado, quer para recrutamento de recursos humanos, quer para investir no ponto de vista tecnológico, para apoiar os Estados-membros”, adiantou o superintendente Luís Elias, que acredita que este “aumento de capacidade do ponto de vista legal é a justificação do aumento de orçamento”.
Ao fim de 16 reuniões que ocorreram ao longo dos seis meses da presidência portuguesa na União Europeia, este grupo chegou a uma proposta de texto para o novo regulamento da Europol. A última alteração ao regulamento tinha sido feita em 2009. As ameaças que a União Europeia enfrenta, questões orçamentais, a proteção de dados e a necessidade de articulação da Europol com multinacionais privadas “criou um ambiente e um contexto” para que a alteração do regulamento fosse feita. O impulso foi ainda da presidência alemã da União Europeia: “Fomos mandatados para se iniciar o processo de discussão da revisão do regulamento”.
Esse processo iniciou-se logo em janeiro, já com a presidência portuguesa, e no dia 24 de junho, o grupo de trabalho reuniu pela última vez. “Analisámos as diferentes visões e os contributos dos diferentes Estados-membros. No final, conseguimos um acordo entre todos. Toda a gente teve de ceder, basicamente, porque havia várias sensibilidades“, disse o superintendente Luís Elias.
Já esta quarta-feira, o Conselho da UE aprovou o mandato de negociação relativo ao projeto de regulamento. Falta agora que o Parlamento Europeu também o aprove.