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"Somos.". A história de um massacre mexicano, dos mortos e dos poucos que sobreviveram

Este artigo tem mais de 2 anos

A série da Netflix transforma em ficção uma operação anti-narcotráfico, entre a DEA americana e as autoridades do México, transformada em pesadelo. São seis episódios baseados num artigo jornalístico.

"Somos." conta a história de uma onda de terror apanha não só aqueles que são suspeitos de terem traído o cartel, mas também as respetivas famílias ou quem está no sítio errado à hora errada
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"Somos." conta a história de uma onda de terror apanha não só aqueles que são suspeitos de terem traído o cartel, mas também as respetivas famílias ou quem está no sítio errado à hora errada

Ricardo Jardon / NETFLIX

"Somos." conta a história de uma onda de terror apanha não só aqueles que são suspeitos de terem traído o cartel, mas também as respetivas famílias ou quem está no sítio errado à hora errada

Ricardo Jardon / NETFLIX

“Em março de 2011, o povo de Allende, Coahuila, sofreu um massacre às mãos de um dos cartéis mais perigosos do México em resposta a uma infiltração da DEA [Drug Enforcement Administration, entidade americana responsável pela fiscalização de drogas]”

Tudo isto é história, factos. Não há segredos quanto ao desfecho desta narrativa, sabemos desde o primeiro minuto o que se vai contar aqui, mas isso não nos retira a vontade de ver “Somos.”. Pelo contrário. Os cinco primeiros episódios (são seis no total) vão criando tensão e expectativa que acaba por desembocar numa tragédia. À medida que vamos conhecendo as personagens, ficamos a torcer para que, ao menos, aquelas a que mais nos afeiçoamos sobrevivam no final.

Disponível na Netflix desde 30 de junho, a série foi criada por James Schamus (produtor de “O Segredo de Brokeback Mountain” ou “O Tigre e o Dragão”) e escrita em parceria com as guionistas mexicanas Monika Revilla e Fernanda Melchor. Baseia-se num artigo da publicação “ProPublica”, assinado em junho de 2017 pela jornalista Ginger Thompson (vencedora de um Pulitzer).

Até à publicação dessa reportagem sabia-se muito pouco do que tinha acontecido na localidade mexicana, que fica a poucos quilómetros da fronteira com os EUA situada no estado do Texas. E, mesmo agora, não se conhece ao certo o número de mortos — que podem chegar às centenas.

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[o trailer de “Somos.”:]

“Somos.” começa com uma data de homens armados a invadirem e a incendiarem casas, a raptarem ou a matarem quem lhes aparece pelo caminho. A vingança é desencadeada por uma investigação da DEA que foge ao controlo dos norte-americanos. Depois de conseguirem rastrear os telemóveis dos líderes do cartel Zetas, a informação rapidamente chega às autoridades mexicanas, que têm alguém que avisa o gangue. As ordens vindas do topo são claras e a onda de terror apanha não só aqueles que são suspeitos de terem traído o cartel, mas também as respetivas famílias ou quem está no sítio errado à hora errada.

Contrariamente a produções que se focam em Pablo Escobar ou El Chapo, nesta série nunca vemos as caras dos líderes do cartel, os irmãos Miguel e Omar Treviño. “Somos.” é menos espetacular do que “Narcos”, menos hollywoodesca, mas lucra com a voz que dá a personagens normalmente irrelevantes e secundárias em grandes projetos. Aqui, em vez de serem sempre os mesmos protagonistas (os criminosos e as forças de segurança que tentam apanhá-los), quem nos guia pela narrativa são as vítimas. Essa visibilidade começa logo no genérico, que mostra um mosaico de caras a preto e branco como se dissesse: “Somos nós, estamos aqui, esta é a nossa história e merece ser contada.”

Por outro lado, há por vezes demasiadas histórias paralelas a decorrerem. No primeiro episódio são apresentadas muitas personagens, é difícil decorar quem é quem. Existe o fazendeiro rico que acolhe de volta um filho que só lhe dá problemas; duas irmãs, Erika e Irene, com papéis importantes na comunidade (uma é veterinária, a outra trabalha na linha telefónica de emergência); Paquito, um pobre coitado que não tem maldade mas também não tem maturidade para uma vida de família; a mulher, Aracely, demasiado jovem para estar à espera de um segundo filho e com sonhos que não cabem naquela realidade; a mãe dela, a senhora Chayo, que tem uma venda ambulante de cachorros quentes e que, apesar de parecer invisível, vê tudo o que se passa; um miúdo novo na escola, incapaz de enfrentar o pai criminoso; os três amigos que estão a descobrir a sexualidade e as relações; Hector, o espertalhão que coordena parte da operação de tráfico de droga e que, por mandar num metro quadrado, acha que é o rei do mundo; as jovens presas num bordel onde são propriedade dos homens que aparecem. A lista podia continuar. São muitas personagens e algumas têm tanto potencial que mereciam ser mais desenvolvidas mas perdem-se na urgência de contar tanta coisa (afinal, são só seis episódios). Há outras que não chegam a ter profundidade, como os agentes Carlos e Stephanie, da DEA, ou o criminoso El Diablo, que parece estar ali apenas para servir o propósito de ligar o México aos EUA. Há igualmente arcos narrativos que não têm seguimento, como as vacas envenenadas de Anselmo — podemos fazer suposições mas nada nos é explicado, a linha narrativa perde o interesse de repente.

“Somos.” sabe embrulhar tudo na medida certa. Apesar de adivinharmos o final violento das personagens, ele não é explorado em demasia

Grande parte do elenco é composto por atores que não são profissionais (como os que interpretam Paquito e Aracely) e isso nota-se em certas ocasiões, embora não torne as suas prestações menos credíveis. Talvez até lhes dê mais realismo. Estas pessoas vivem as suas vidas sempre de forma muito controlada. Sabem que não podem dar um passo fora do lugar ou tossir de forma errada porque, se isso irritar alguém do crime organizado, têm um alvo na cabeça. Têm em comum a luta pela sobrevivência e há detalhes que parecem banais mas que nos vão comover mais do que esperávamos — como o fazendeiro que não aceita o filho gay mas que, prevendo a catástrofe que se avizinha, manda a mulher para os EUA para conhecer o neto.

O último episódio está repleto de tensão. Sabemos que o pior está a chegar a qualquer momento e é devastador — nós, deste lado do ecrã, temos essa informação, enquanto aquelas personagens não fazem ideia do que lhes vai acontecer. Chegamos a sentir-nos impotentes, com vontade de gritar aos habitantes de Allende que fujam o quanto antes.

Na conclusão, “Somos.” sabe embrulhar tudo na medida certa. Apesar de adivinharmos o final violento das personagens, ele não é explorado em demasia. Sabemos o que está a acontecer a estas pessoas e não precisamos de estar constantemente a vê-las a serem alvejadas, queimadas, agredidas. A ideia basta.

A fotografia, próxima de um western, e a banda sonora, que também dá força a esse conceito, são virtudes óbvias de “Somos.”. No final, despedimo-nos das ruas desertas de Allende e o silêncio demasiado anormal deixa bem claro que a vida ali nunca mais foi igual. Mesmo que os poucos que ficaram tenham medo de falar sobre isso.

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