O clima já vinha aquecendo nos últimos dias entre Francisco Assis e João Oliveira e acabou mesmo por ferver. O socialista, que é atualmente presidente do Conselho Económico e Social, não gostou de ouvir as declarações em que João Oliveira o aconselhava a pôr-se “no seu lugar” e é duro na resposta: “Não preciso que ninguém me ponha no meu devido lugar, tal como eu não pretendo determinar o lugar dos outros. Esta linguagem é imprópria de uma democracia. Adequa-se melhor aos regimes em que o lugar dos democratas é nas prisões”.

A troca de argumentos começou há duas semanas, com uma sessão de votações no Parlamento em que o PS chumbou quase todas as propostas sobre legislação laboral do PCP. Deixou passar uma, que previa uma limitação dos contratos mais curtos e do período experimental, o que preocupou Assis, que veio recordar, em declarações ao Expresso, que essas alterações colidiam com o acordo de Concertação Social assinado em 2019 e considerou “altamente negativo” que os socialistas as tivessem aprovado.

João Oliveira disse, em declarações ao Eco, que “é importante que o presidente do CES, seja ele quem for, se ponha no seu lugar”, porque ““o lugar do CES não é o lugar de um órgão de soberania como a Assembleia da República”. Estas respostas do líder parlamentar do PCP irritaram Assis. Esta quinta-feira, em comunicado, o socialista arrasa Oliveira, pelas acusações que diz não poderem ser levadas a sério, porque são “delirantes”.

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No texto, Assis explica a sua posição sobre a proposta aprovada no Parlamento: “Como é óbvio, decisões desta natureza têm como consequência inevitável uma relativa quebra de confiança em relação à capacidade do Governo conseguir assegurar com permanência o apoio parlamentar imprescindível” para manter os acordos celebrados com os parceiros sociais, justifica.

Por outro lado, prossegue Assis, “qualquer cidadão dotado de conhecimentos rudimentares acerca do nosso modelo de organização política sabe que o CES não dispõe de competência legislativa de qualquer espécie”. Por isso mesmo, diz não levar a sério os avisos de João Oliveira sobre as competências do CES e as interferências no trabalho dos deputados.

Assis ironiza com “entusiasmo” do PCP sobre democracia

Mas Assis — que nos últimos anos se posicionou claramente contra os acordos com BE e PCP que deram origem à geringonça — aproveita para ironizar. “Quero salientar, aliás, que esta vibrante defesa da democracia parlamentar por parte do líder parlamentar do PCP merece o meu aplauso e me causa uma viva comoção interior. Não é todos os dias que nos é dado observar tão entusiástico enaltecimento de um regime político que alguns ainda insistem em designar como a ‘democracia burguesa””. A ironia dirigida ao PCP continua, por ser um partido que, “fiel à doutrina marxista-leninista que continua a perfilhar, tem sido de uma irrepreensível coerência histórica na oposição aos mecanismos de Concertação Social”.

O texto termina com o recado duro sobre a linguagem “imprópria de uma democracia” e adequada a “regimes em que o lugar dos democratas é nas prisões” que Oliveira terá utilizado, embora Assis faça questão de salientar, como nota final, a sua “simpatia pessoal” por João Oliveira — “até porque ambos sabemos quem é o verdadeiro destinatário destas suas considerações”.

João Oliveira: misturar aprovação do Orçamento com leis laborais “não é responsável nem digno”

As alterações à lei laboral têm sido um ponto de desentendimento constante entre o PS e os partidos à sua esquerda, e foi aliás um dos motivos para não haver acordo PS/BE nesta legislatura.

O PCP já recusou fazer depender a viabilização do próximo Orçamento do Estado de um acordo prévio quanto às leis laborais, mas há quem acredite que a aprovação de uma das propostas do PCP no Parlamento serviu como, pelo menos, uma mostra de boa vontade da parte do PS, embora não se saiba o que vai acontecer à proposta original enquanto estiver a ser trabalhada no processo de especialidade, no Parlamento.