A terceira edição da BoCA – Bienal de Artes Contemporâneas apresentará em Lisboa, Almada e Faro, de 03 de setembro a 17 de outubro, dez estreias nacionais e 17 novas criações de mais de 40 artistas portugueses e estrangeiros.

O realizador Gus Van Sant, que abrirá a temporada do Teatro Nacional D. Maria II, o cineasta Pedro Costa, numa abordagem do pós-colonialismo, o encenador Romeo Castellucci, com uma instalação sobre a violência de uma comunicação imposta, a artista Grada Kilomba, numa história da desumanização e do genocídio de povos africanos e indígenas, e ainda artistas como Andreia Santana, Mónica Calle, Sara Bichão, Gustavo Sumpta, Musa Paradisíaca, o coletivo feminista LasTesis e Anne Imhof, prémio Bienal de Veneza 2017, são alguns dos protagonistas da edição deste ano da BoCA, subordinada ao desafio “Prove You Are Human” (“Prova que és humano”, em tradução livre).

O anúncio foi feito esta quarta-feira pelo diretor artístico da bienal, John Romão, que apresentou a programação completa do evento – que coloca em diálogo as artes visuais, as performance, as artes cénicas e a música –, no Jardim do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.

Este ano, o evento passa por mais de 26 espaços de apresentação, entre teatros e museus, de Lisboa, Almada, Faro, mas também por ‘palcos’ naturais, exteriores, refletindo as preocupações ambientais que a programação aborda.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Prove You Are Human” prende-se com um ativar de uma empatia com a história, reescrevendo e reinscrevendo narrativas coletivas no presente que, por um lado, proponham a abertura da história a uma coexistência biodiversa a múltiplas vozes e, por outro, respondam às urgências de um mundo contemporâneo em crise, provocado sobretudo pelas alterações climáticas, explica a organização.

“Diante da presente desumanização a que assistimos, deparamo-nos perante o grande desafio das nossas vidas, que a pandemia veio tornar mais evidente: fazer da responsabilidade ética de vida e deste lugar ‘entre’ e ‘trans’, que desejamos construir, um lugar de amor”, acrescenta.

É nessa direção que a programação aponta, pondo o dedo nas feridas do passado e perspetivando um futuro possível para ser construído em conjunto.

O cineasta norte-americano Gus Van Sant estreia a sua primeira criação de palco com o espetáculo de teatro musical “Andy”, inspirado na história de Andy Warhol.

A peça marcará a abertura da temporada 2021-2022 do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, poderá ser vista na Sala Garrett, de 23 de setembro a 3 de outubro, antes de seguir para o Teatro das Figuras, em Faro, e reconstrói o passado de um Warhol em início de carreira, através de uma narrativa ficcional construída a partir de factos reais e de memórias, mas também com recurso à imaginação, tendo como pano de fundo o nascimento da Pop Art.

Com texto, encenação, música e letras de Gus Van Sant, “Andy” conta com uma equipa artística portuguesa, incluindo direção musical de Paulo Furtado (The Legendary Tigerman), e os atores Carolina Amaral, Diogo Fernandes, Francisco Monteiro, Helena Caldeira, João Gouveia, Lucas Dutra, Martim Martins, Miguel Amorim e Valdemar Brito, para interpretar personagens como a atriz Edie Sedgwick, o escritor norte-americano Truman Capote ou crítico de arte Clement Greenberg.

A escritora e artista interdisciplinar Grada Kilomba apresenta uma instalação de grande escala, “O Barco/The Boat”, através da qual cria não só a sua primeira obra para o espaço público, como inaugura uma nova narrativa coletiva nesse mesmo espaço, construída a partir da história da desumanização, da violência e do genocídio dos povos africanos e indígenas.

A artista Andreia Santana, por sua vez, vai apresentar uma criação performativa que convoca uma interdependência entre esculturas, performers e bactérias depositadas nos objetos escultóricos através do contacto físico, oral e sonoro dos intérpretes.

Da Alemanha, pela primeira vez em Portugal, a artista visual e coreógrafa Anne Imhof, premiada na Bienal de Veneza de 2017, apresenta a vídeo-instalação “Untitled (Wave)”, na Capela das Albertas do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, na qual reflete sobre o feminino e a sua condição histórica.

O coletivo ativista e feminista chileno LasTesis, também se estreia em Portugal, para desenvolver, com cerca de 80 mulheres e dissidentes locais, a performance “Resistência”, que propõe denunciar a violência do pensamento colonial.

Outra estreia em solo nacional é uma “performance duracional”, comissionada pela BoCA, do jovem canadiano Miles Greenberg, que teve como mentora Marina Abramovic´ (que participou na edição anterior da bienal).

O realizador português Pedro Costa vai utilizar o vídeo, o teatro e a música, com Os Músicos do Tejo, para criar uma narrativa ficcional que volta a colocar a ênfase no pós-colonialismo.

Em Almada, a atriz e encenadora Mónica Calle vai dirigir a atenção para um espaço público natural, a praia, por onde conduzirá pequenos grupos de espetadores, através de percursos intimistas, levando-os a lugares desconhecidos, “Entre o Céu e a Terra”.

O encenador italiano Romeo Castellucci, “um dos mais importantes nomes do teatro europeu, mestre na criação de imagens que se alojam na nossa memória para sempre”, como a BoCA recorda, vai apresentar, em estreia nacional, a vídeo instalação performativa, intitulada “O Terceiro Reich”, sobre a violência de uma comunicação imposta e obrigatória, enquanto o encenador Tiago Cadete reflete sobre as migrações e os motivos que as sustentam, em “Brasa”.

A ‘rapper’ portuguesa Capicua também marca presença nesta edição da bienal, com o seu primeiro texto teatral, em cocriação e com interpretação de Tiago Barbosa, que passará por Lisboa e Faro.

Ainda na senda de aliar a programação artística aos espaços naturais, a BoCA vai desenvolver o projeto “A Defesa da Natureza”, inspirado no legado de Joseph Beuys (1921-1986), que se estenderá por dez anos.

O gesto, que compõe “Plantação de 7.000 Árvores”, divide-se entre 7.000 plantações de novas criações (naturais e artísticas) de espécies autóctones, fertilizando um projeto a longo prazo, em que novos municípios e milhares de artistas nacionais e estrangeiros, bem como elementos da sociedade civil, serão os agentes da construção de uma floresta de artistas e de obras de arte.

Nesta diluição dos papéis entre natural e humano, e artista e ‘não-artista’, Joseph Beuys afirmou a icónica frase de que “todos podemos ser artistas”. À luz desta proposição, a direção artística da BoCA refere que “todos podemos salvar o mundo”.

E é também neste lugar entre a arte e a natureza que se situa a série “Quero ver as minhas montanhas”, com curadoria de Delfim Sardo e Sílvia Gomes, e com a participação dos artistas Sara Bichão, Diana Policarpo, Dayana Lucas, Gustavo Sumpta, Gustavo Ciríaco, Musa paradisiaca e o coletivo Berru.

A bienal tem prevista ainda uma série de debates e encontros com artistas como Grada Kilomba, Tania Bruguera e Frédérique Ait-Touati com Odete.

A corógrafa Alice Ripoll e o realizador Pedro Costa estão já confirmados como responsáveis por dois ‘workshops’ de dança e cinema, respetivamente.