“À Espera dos Bárbaros”

O escritor sul-africano J.M. Coetzee gosta muito do livro O Deserto dos Tártaros, de Dino Buzzatti, filmado em 1976 por Valerio Zurlini, que lhe inspirou o seu romance À Espera dos Bárbaros, em 1980. Coetzee também assinou o argumento do filme homónimo do colombiano Ciro Guerra, que tal como “O Deserto dos Tártaros”, se passa algures no século XIX, no posto fronteiriço de um país distante que é parte de um império colonial, ambos nunca referidos. As semelhanças entre ambos ficam-se por aqui, já que “À Espera dos Bárbaros” não tem a riqueza simbólica, o peso existencial nem a dimensão metafísica do livro de Buzzatti e da fita de Zurlini. É uma mais do que óbvia e nada subtil alegoria anti-colonial, maçuda e arrastada, em que Mark Rylance no pacífico administrator do posto, e Johnny Depp e Robert Pattinson nos cruéis militares que chegam de súbito para prender e torturar e torto e a direito, e reprimir uma pretensa insurreição dos “bárbaros” locais, estão reduzidos a personagens de cartão e papéis de uma nota só.

“Ciclo Éric Rohmer”

Começa hoje, quinta-feira, no Nimas, em Lisboa, e no Teatro Campo Alegre, no Porto, uma retrospetiva de homenagem a Éric Rohmer, cujo centenário do nascimento se assinalou em 2020, e que foi adiada devido à pandemia. São 20 filmes restaurados, exibidos em três partes. A segunda será em Outubro e a última em Janeiro de 2022. Nesta primeira fase, passam a primeira longa-metragem do cineasta, “O Signo do Leão” (1959), inédita nos cinemas portugueses, e os quatro filmes do ciclo ‘Contos Morais’: “A Coleccionadora” (1967), “A Minha Noite em Casa de Maud” (1969), “O Joelho de Claire” (1970) e “O Amor às 3 da Tarde” (1972). Serão ainda exibidas, numa única sessão especial no Nimas, no dia 25 de Julho, a média-metragem “A Carreira de Suzanne” (1963) e a curta “A Padeira de Monceau” (1962), que também são incluídas nos ‘Contos Morais’ e contém já em potência todas as características romanescas, sentimentais, cinematográficas e literárias do universo de Rohmer, bem como a sua capacidade de projetar o particular para o universal.

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“A Voz Humana”

Já várias vezes filmado para a televisão e para o cinema, o monólogo “A Voz Humana”, de Jean Cocteau foi escrito em 1928 e estreado em 1930 pela atriz belga Berthe Bovy, à qual o autor o tinha destinado. Pedro Almodóvar pegou agora em “A Voz Humana” e em Tilda Swinton para o transformar numa curta-metragem, chamando-o ao seu universo visual, emocional e dominado pelas mulheres, suas idiossincrasias, sentimentos e psicologia. Estamos perante uma “almodóvarização” em regra do monólogo de Cocteau, no qual o realizador mexeu muito para o formatar a seu gosto, uma versão alternadamente cinematográfica e teatral, com a artificialidade dos cenários ora escondida, ora toda à mostra, a personagem a circular entre desespero e frustração, acalmia e desejo de vingança, e com um cão metido na história (que pertencia ao amante e sente tanto a falta dele como a mulher). “A Voz Humana” foi escolhido pelo Observador como filme da semana e pode ler a crítica aqui.