A Amnistia Internacional (AI) denunciou esta quinta-feira em relatório as devoluções forçadas de migrantes e refugiados para a Líbia, sujeitos a múltiplas violações de direitos humanos, com o “apoio material” e das “políticas migratórias” da União Europeia.

Só nos primeiros seis meses de 2021, mais de 700 migrantes e refugiados afogaram-se na rota do Mediterrâneo Central. Durante o mesmo período, a guarda costeira líbia devolveu à Líbia mais de 15.000 pessoas, mais do que em todo o ano de 2020″, lê-se no documento.

A organização não-governamental (ONG) garantiu que, após o retorno ao país e consequente colocação de migrantes em centros de detenção, os mesmos são sujeitos a múltiplas violações de direitos humanos como “violência sexual, tortura, agressões, trabalho forçado e vários outros abusos com impunidade“.

O relatório expôs também que, desde o final de 2020, a Direção de Combate à Migração Ilegal, um departamento do Ministério do Interior, legitimou os abusos ao integrar dois novos centros de detenção na sua estrutura, onde centenas de refugiados e migrantes desapareceram forçosamente nos anos anteriores em atos levados a cabo pelas milícias.

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“Nestes centros de detenção sob o controlo da DCIM, além da sobrelotação de celas e recusa no acesso ao exterior, existem ainda relatos de mortes de bebés que foram detidos com as mães, na sequência da recusa dos guardas em transferi-las para os hospitais para tratamento crítico“, prossegue o relatório.

Num centro recentemente renomeado, alguns sobreviventes relataram que os “guardas violaram mulheres e sujeitaram-nas a violência sexual, incluindo coagindo-as a fazer sexo em troca de comida ou da sua liberdade“. Duas jovens mulheres tentaram suicidar-se como resultado desses abusos.

Enquanto isso, as “autoridades líbias recompensaram os razoavelmente suspeitos de cometerem estas violações com posições de poder e cargos superiores, o que significa que há o risco de ver os mesmos horrores reproduzidos repetidamente“, afirmou Diana Eltahawy, diretora-adjunta para o Médio Oriente e Norte de África da AI.

O relatório destaca também a cumplicidade contínua dos Estados europeus que vergonhosamente continuaram a permitir e a ajudar e guarda costeira líbia a capturar pessoas no mar e devolvê-las para o inferno da detenção na Líbia, sabendo perfeitamente os horrores que iriam enfrentar”, prosseguiu.

A AI apelou aos Estados europeus para “suspenderem a cooperação em matéria de migração e controlo das fronteiras com a Líbia”, numa semana em que o parlamento italiano vai debater a continuação do fornecimento de apoio militar e recursos à guarda costeira líbia.

O relatório da ONG detalha as experiências de 53 refugiados e migrantes anteriormente detidos em centro nominalmente sob controlo da DCIM, 49 dos quais foram ali colocados imediatamente após serem intercetados no mar.

“Toda a rede de centros de detenção de migrantes da Líbia está podre no núcleo e deve ser desmantelada. As autoridades líbias devem fechar todas as instalações de detenção de migrantes imediatamente e parar com a detenção de migrantes e refugiados”, vincou Eltahawy Sobre as missões de “resgate”, a AI citou pessoas entrevistadas que as descreveram a conduta da guarda costeira líbia como “negligente a abusiva“.

“Os sobreviventes descreveram como a guarda costeira líbia danificou deliberadamente as embarcações, em alguns casos causando o naufrágio, afogando refugiados e migrantes em pelo menos duas ocasiões. Uma testemunha ocular disse que depois de a guarda costeira ter virado um bote, começaram a filmar o incidente com os telemóveis em vez de resgatar os sobreviventes”, pode ler-se no relatório.

Os migrantes relataram à AI que durante as tentativas de travessia marítima, avistaram frequentemente aeronaves ou embarcações por perto que não ofereceram assistência antes da chegada da guarda costeira líbia, sendo que desde maio, a agência de fronteiras europeia (Frontex) tem estado a fazer vigilância aérea no Mediterrâneo para identificar embarcações de migrantes.

Diana Eltahawy acusa ainda a União Europeia de “continuar a apoiar a guarda costeira líbia na devolução forçosa de pessoas para os mesmos abusos pelos quais fugiram da Líbia”.

“Já passou a hora de os Estados europeus reconhecerem as consequências indefensáveis das suas ações. Devem suspender a cooperação na migração e controlo de fronteiras com a Líbia e, em vez disso, abrir caminhos urgentemente necessários para a segurança de milhares de pessoas que precisam de proteção que continuam presos [na Líbia]”, finalizou.