O deputado Sulu Sou, impedido de se recandidatar, por não ser “fiel” a Macau, disse na quinta-feira no parlamento que exerceu o cargo cada dia “como se fosse o último”, num discurso emotivo em que afirmou que “ama” o território.

O mais jovem deputado da Assembleia Legislativa (AL) de Macau, considerado uma das vozes mais críticas no hemiciclo, foi um dos 15 candidatos do campo democrata afastados das eleições de 12 de setembro pela comissão eleitoral.

Eleito em setembro de 2017, Sulu Sou recordou que foi suspenso poucos meses depois de assumir funções, para ser julgado num processo de desobediência qualificada, pela participação num protesto, o que o levou a concluir que devia exercer o cargo todos os dias “como se fosse o último”.

“Há quatro anos, quando entrei no hemiciclo, pensei que ia tratar os trabalhos de cada legislatura como se fosse a última, mas após as duras provas decorrentes da suspensão de funções (…), passei a tratar cada dia como se fosse o último“, disse o parlamentar, numa intervenção na AL, antes da ordem do dia.

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Afastado das próximas eleições pela comissão eleitoral, que justificou a exclusão com o princípio “Macau governado por patriotas”, o deputado disse ainda que foi “uma honra suprema” servir o território, “uma terra que ama”.

No passado, tive a oportunidade de me esforçar pelo bem-estar deste lar, que valorizo muito, servir esta terra, que amo bastante, ser eleito pela população e caminhar lado a lado com as gentes de Macau”, afirmou.

“Creio que foram e são os momentos mais belos da minha vida e uma honra suprema para mim”, disse. “Deixo aqui felicidades para a nossa Macau e para o nosso país”, concluiu.

Na quarta-feira, o deputado pró-democracia negou as acusações de jornais pró-Pequim de que estaria ligado a movimentos independentistas e que teria frequentado campos de treino organizados pela CIA, considerando-as difamatórias.

“Nunca recebi qualquer formação para a secessão do país de quaisquer entidades estrangeiras, nunca contactei ninguém para defender a divisão do país ou opor-me à liderança do Partido Comunista Chinês, e nunca participei em quaisquer campanhas eleitorais ou atividades violentas no estrangeiro”, afirmou, em comunicado. Segundo os jornais pró-Pequim, Sulu Sou teria também “viajado várias vezes” para Hong Kong, para apoiar candidatos pró-democracia nas eleições locais, incluindo o ativista Joshua Wong, em 2016.

Sulu Sou chegou a ser presidente da Associação Novo Macau, o mais antigo grupo pró-democracia do território, em 2014, no mesmo ano em que liderou uma manifestação que juntou 15 mil pessoas, o maior protesto no território desde o massacre de Tiananmen, em 1989.

O protesto, contra uma proposta de lei que previa regalias para membros cessantes do governo, converteu-o num ídolo da nova geração de ativistas e inspirou-o a escrever um livro sobre o caso, que culminou na retirada da proposta pelo próprio chefe do executivo. O livro chegou a ser confiscado antes de chegar às livrarias.

A suspensão do seu mandato, aprovada pela AL em dezembro de 2017, foi uma decisão inédita desde a transferência de Macau para a China. Na altura, o deputado continuou a assistir aos debates no parlamento, mas na área reservada ao público, por considerar que tinha “uma responsabilidade” para com as nove mil pessoas que votaram nele, disse então à Lusa.

O jovem, conhecido pelas intervenções de pé na Assembleia Legislativa, onde tradicionalmente os deputados falam sentados, defendeu no passado o sufrágio universal para eleger o chefe do executivo, umas das suas “bandeiras”, e a transparência da administração.

Em março, o deputado pró-democracia organizou uma manifestação em protesto contra uma diretiva da Teledifusão de Macau (TDM) que proíbe os jornalistas dos canais portugueses e ingleses de divulgarem informações e opiniões contrárias às políticas da China.

A Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) excluiu cinco listas e 20 candidatos das eleições para a AL agendadas para 12 de setembro, 15 dos quais associados ao campo pró-democrata, por não serem “fiéis” a Macau.

Na segunda-feira, o organismo divulgou sete critérios usados para decidir se os candidatos são elegíveis, defendendo que é necessário avaliar se estes “defendem sinceramente” o território, mas recusando revelar quais as violações de que são acusados os excluídos.

Na quinta-feira, vários deputados falaram sobre o caso na AL, antes da ordem do dia, a maioria para defender a decisão da comissão eleitoral. O deputado pró-democracia Au Kam Sam, que não se recandidata, foi um dos poucos a contestar o ‘chumbo’ dos candidatos do campo democrata, acusando as autoridades de interferir no processo eleitoral para excluir as vozes críticas do parlamento.

A AL é composta por 33 deputados, mas apenas 14 são eleitos por sufrágio universal, sendo 12 escolhidos por sufrágio indireto (através de associações) e sete nomeados pelo chefe do executivo.