O vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, minimizou esta sexta-feira as suspeitas de corrupção que envolvem quadros na compra de vacinas contra a Covid-19 e afastou qualquer possibilidade de substituir o Presidente Jair Bolsonaro, seja por impeachment ou questões de saúde.

Tem havido “muita gritaria“, mas “no final das contas hoje, na minha visão, não existe clima nem dentro do Congresso nem na população brasileira” para um impeachment“, afirmou Hamilton Mourão, em entrevista à agência Lusa, à margem da XIII Conferência de Chefes de Estado e de governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que decorre em Luanda.

Continua a existir uma parcela da população que nos faz oposição, mas isso eu considero normal no sistema que nós vivemos”, disse o general.

“Desde o fim do período dos governos militares, todos os Presidentes foram ameaçados com o processo de impeachment, sendo que dois efetivamente sofreram o processo que foi o Presidente Collor e a Presidente Dilma”, recordou Hamilton Mourão, considerando que a possibilidade de afastamento político do chefe de Estado “faz parte da disputa política no Brasil”.

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A situação clínica de Bolsonaro, internado por problemas gástricos, também não é vista como uma razão para substituir o Presidente, afirmou Mourão, que tem estado em permanente contacto com o seu superior. Bolsonaro vai “terminar o governo tranquilamente”, mas “não pode cometer determinados excessos alimentares”, resumiu.

No dia em que eu estava viajando para cá ele foi hospitalizado. Na minha avaliação naquele momento não era o caso de mudar a viagem porque o que o Presidente está passando são consequências ainda da tentativa de assassinato que sofreu durante a campanha eleitoral”, disse.

Bolsonaro “já passou por três cirurgias ao intestino” e tem “a parede intestinal fragilizada“, pelo que, “às vezes, uma alimentação diferente pode provocar uma obstrução”, explicou Mourão. No entanto, não foi necessária uma cirurgia e, segundo as informações que diz estar a receber, “ele já está melhorando muito bem e iam tirar a sonda naso-gástrica”, devendo regressar a Brasília no fim de semana.

Nas últimas semanas, a ação do governo brasileiro contra a pandemia da Covid-19 tem sido escrutinada por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e têm sido divulgados casos que envolvem atos de corrupção de quadros no processo de compra de vacinas.

“É uma investigação que está decorrendo dentro do Ministério da Saúde. Havia algumas pessoas oriundas do meio militar, mas são compras que não foram realizadas” e o erário público brasileiro não foi prejudicado, salientou Hamilton Mourão.

O grande ponto que está sendo discutido [é que] nada foi realizado. Nem um único centavo foi gasto“, mas “existe um disse que disse” e “algumas acusações” estão a ser feitas e a “investigação vai esclarecer”, limitou-se a dizer o vice-Presidente brasileiro.

Brasil disponível para apoio militar, caso seja pedido

O vice-Presidente brasileiro afirmou também que o Brasil está disponível a colaborar com Moçambique, caso Maputo solicite apoio militar para o combate ao terrorismo islâmico na província de Cabo Delgado.

“Caso haja algum tipo de intervenção de um organismo multilateral, seja das Nações Unidas ou até da União Africana e se for solicitada a participação do Brasil, nós vamos estudar e olhar”, afirmou. “Não vamos fugir das nossas responsabilidades”, acrescentou o vice-Presidente brasileiro.

“O Brasil, nos anos 90 já participou numa força de paz em Moçambique”, no quadro das negociações de paz, cabendo mesmo a liderança da missão de capacetes azuis ao general Lélio Gonçalves Rodrigues da Silva. “Nós tivemos uma participação em termos de tropa que não era tão expressiva, era uma companhia de infantaria”, recordou o também general Hamilton Mourão.

 Portugal tem sido um “facilitador” do acordo UE-Mercosul

Sobre Portugal, disse ainda que tem sido um “facilitador do avanço do acordo” entre a União Europeia (UE) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul).

“Eu vejo, com essa questão principalmente do acordo do Mercosul com a União Europeia, Portugal como um facilitador do avanço desse acordo, que foi algo construído durante 20 anos e que agora aguarda o posicionamento dos parlamentos de diferentes países” europeus, afirmou Mourão.

Por outro lado, “quando Portugal esteve na presidência pro tempore [da UE, primeiro semestre de 2021] Portugal trabalhou ao nosso lado principalmente na questão da sustentabilidade na questão da Amazónia”, destacou o general, vice-Presidente de Jair Bolsonaro.

A recente compra, por parte de Portugal, de cinco aviões militares de carga da brasileira Embraer KC-390, por um total de 827 milhões de euros, foi também saudada por Mourão. “Isso é importante porque vai colocar o avião na vitrina, num momento em que o principal competidor dele, o C-130, está perdendo a sua vida útil”, salientou, destacando também a forte relação cultural entre os dois países.

“Não desfazemos jamais os laços culturais, acho que isso é uma ligação que não se parte em nenhum momento”, explicou, recordando que é em Portugal que o Brasil tem a sua “origem europeia”. Por isso, concluiu: “Não deixamos mais de manter e estreitar cada vez mais os laços de amizade.

EUA são farol, mas Brasil tem de ser pragmático na diplomacia

Por outro lado, Hamilton Mourão explica o Brasil mantém os EUA como prioridade diplomática, mas considerou que a diplomacia nacional tem de ser pragmática e flexível na relação com outros países.

O governador não falou numa mudança estratégica na diplomacia, após a derrota de Trump, grande aliado do PR brasileiro Jair Bolsonaro, nas eleições dos EUA, mas disse que as relações internacionais devem ter em conta “o posicionamento geopolítico” do Brasil.

O Brasil tem de agir com pragmatismo e com flexibilidade. Nós jamais deixaremos de reconhecer os Estados Unidos da América como um farol da democracia no mundo ocidental, principalmente desses valores que caraterizam a nossa civilização”, afirmou.

No entanto, é preciso “olhar as outras nações que têm também os seus interesses e os seus anseios”, disse, dando o exemplo da China, uma “potência emergente que desafia […] a hegemonia americana principalmente na questão económica”.

Apesar de os Estados Unidos constituírem, “a maior potência económica, militar e tecnológica do mundo”, o Brasil tem “um relacionamento muito grande com a China”. Pequim “tem uma questão-chave que é não permitir que haja insegurança alimentar”. Por isso, o Brasil, que “é um grande provedor de alimentos”, tem de “ter esse pragmatismo, essa flexibilidade” para procurar atender os seus interesses, referiu.

Nas relações diplomáticas, existe “sempre aquela posição fundamental que é a busca do benefício mútuo”, para que “ambas as nações saiam satisfeitas do seu relacionamento”, concluiu Hamilton.

Brasil quer reforço da componente económica da CPLP

O vice-Presidente disse, sobre a CPLP, que esta constitui uma prioridade diplomática e ainda que vai defender o reforço da cooperação económica na Conferência de Chefes de Estado e de governo da organização.

“A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é considerada pelo Estado brasileiro como um instrumento extremamente importante nas nossas relações internacionais, começou mais como uma reunião de países que tinham o mesmo idioma, como unidade comum a questão cultural”, mas hoje é vista “como uma oportunidade de evoluir na área comercial e de ciência e tecnologia que o Estado brasileiro representado pelo governo do presidente Bolsonaro considera um avanço extremamente importante”, explicou Hamilton Mourão.

A presença do Brasil na CPLP desde a sua fundação, há 25 anos, tem oscilado entre um grande empenho e algum afastamento, mas Hamilton Mourão considera que se trata de um dos relacionamentos mais “prioritários dentro da visão da questão internacional” por parte do Brasil, “principalmente pelo grande número de países que estão situados em África”.

Mourão recordou as origens de parte da população brasileira no continente: “a África é uma região onde existem origens comuns, grande parte daqueles que formaram nacionalidade brasileira saíram daqui, apesar de terem saído numa situação degradante”, no “tempo da escravidão”.

Está no nosso DNA, na nossa forma como nós, brasileiros, agimos” na relação com os “nossos antepassados que saíram do continente africano. É fundamental para o Brasil manter esse relacionamento e avançar nele”, explicou.