A cara de menino e o sorriso algo inocente já não enganam ninguém. Aliás, enganaram durante pouco tempo, porque assim que Tadej Pogacar chegou à alta roda do ciclismo, tratou de mostrar que a sua juventude não podia ser olhada como uma desvantagem. Em termos teóricos, e ainda com apenas 22 anos, o ciclista esloveno tem falta de experiência, sim, É muito jovem e está há poucos anos no World Tour. Mas se as vitórias e os bons resultados em grandes provas não derem experiência, o que dará? É que se for por aí, Pogacar tem anos e anos disto.

Acabado de vencer a sua segunda Volta a França consecutiva, o atleta da UAE Team Emirates tem mostrado pernas para os topos. Não só de etapas, como de classificações gerais. Faz todo o sentido que seja natural da pequena vila de Klanec, palavra que em esloveno quer dizer algo como “encosta” ou “ladeira”.

Assim, a vitória na Volta a França que ficou confirmada oficialmente com a etapa deste domingo, a última e de circunstância, em Paris, é absolutamente histórica… outra vez. É que no ano passado, Pogacar chegou, viu e venceu na prova rainha do ciclismo mundial. E este 2021 em França, de certa forma, é um déjà vu bem real, porque além da mais desejada camisola amarela, o jovem esloveno ganhou novamente a camisola da Juventude e da Montanha. Além do histórico Eddy Merckx, em 1972, ninguém tinha conseguido todas as essas cores. Pois bem, para não haver grandes teimas, Pogacar conseguiu-o em dois anos consecutivos, com 21 e 22 anos. Conseguiu ainda ser o primeiro esloveno a vencer o Tour e o mais novo desde Henri Cornet, em 1904.

Tadej Pogacar conquista clássica Liège-Bastogne-Liège

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Como tantos outros jovens, sejam eles desportistas de alta competição ou não, a primeira paixão do ciclista foi a bola de futebol, desporto que ainda vai jogando (e considera que tem muito jeito) quando descansa os pés dos pedais. E foi por querer imitar o irmão Tilen que acabou por sentar-se numa bicicleta para competir, com nove anos. No entanto, era tão pequeno que nem bicicleta para o seu tamanho havia no clube Rog Ljubljana, onde foi evoluindo até ser sénior. Os estudos em Gestão de Desporto acabaram por ficar para trás devido à paixão pelas bicicletas, mas terminou o secundário especializando-se em engenharia mecânica.

Pogacar ainda corria nos sub 23 da equipa da capital da Eslovénia quando começou a dar muito nas vistas no seu país, participando desde adolescente em corridas da seleção nacional. Em 2019, dá um (grande) salto para a UAE Team Emirates.

A estreia pela equipa aconteceu na Austrália, no Tour Down Under, terminando imediatamente num honroso 13.º lugar. Um corredor com sorte em tudo o que são estreias, saiu da sua primeira competição na Europa ao serviço da nova equipa com uma vitória na classificação geral. Foi precisamente em Portugal, na Volta ao Algarve. Os recordes começariam pouco depois, ao vencer em maio de 2019 a Volta à Califórnia, tornando-se o mais jovem de sempre a vencer uma prova por etapas do UCI World Tour. Com tanto destaque, só fazia sentido a UAE Team Emirates colocar o esloveno na equipa para a Volta a Espanha de 2019. Na sua primeira grande volta, Pogacar não tremeu minimamente: venceu três etapas, venceu a camisola da juventude e terminou no terceiro lugar da geral da Vuelta. Começava a crescer o burburinho…

Tadej Pogacar, o esloveno de 21 anos que se tornou o segundo mais novo de sempre a ganhar a Volta a França

Em 2020, na Volta a França, o ciclista, que disse já este ano que o propósito do seu desporto é os atletas “divertirem-se e desfrutarem ao fazer o seu trabalho”, saiu de Paris com a vitória na geral, a camisola da montanha, a camisola da juventude e a vitória em três etapas. É quase cansativo ler a frase anterior te pensar no que Pogacar teve de pedalar para conseguir tamanho feito. E foi mesmo à última, ao ultrapassar no contrarrelógio da penúltima etapa o seu compatriota e principal candidato à vitória Primoz Roglic, batendo-o por 1 minuto e 56 segundos. Pogacar tornou-se o sétimo homem a ganhar o Tour à primeira participação e o primeiro deste Laurent Fignon, em 1983.

“Este ano estou motivado para provar a mim próprio e provar ao mundo que [a vitória no Tour não foi um acidente] não foi um acidente com base num único contrarrelógio”, disse Tadej Pogacar já durante a edição deste ano do Tour, que dominou com alguma tranquilidade, liderando a prova desde a oitava etapa. Foram cerca de duas semanas de amarelo até a nova glória, com destaque para as etapas 17 e 18, que venceu no alto, nas chegadas a Col du Portet e Luz Ardiden, nos Pirenéus. Ganhou ainda na etapa número 5, somando assim já seis etapas na Volta a França, o primeiro ciclista a consegui-lo antes dos 23 anos, nos últimos 86, e o quarto a vencer duas montanhas consecutivas, imitando Fausto Coppi (1952), Joop Zoetemelk (1976) e Geraint Thomas (2018).

Estava alcançado o sonho (novamente) segundo Pogacar: “Em criança, sonhava apenas estar na partida do Tour, não ganhá-lo”. Mas o esloveno não esteve parado à espera para “dar tudo” na Volta a França, sendo que este ano já ganhou a Volta à Eslovénia, o UAE Tour e corridas importantes como Tirreno-Adriatico ou a clássica Liège-Bastogne-Liège.

Para Marco Chagas, lenda do ciclismo português e comentador da modalidade, a vantagem de Pogacar é ter “uma mistura de tudo de bom”, “um dos melhores de um conjunto de corredores novos”.

Sobre as duas vitórias de Pogacar no Tour, o vencedor de quatro voltas a Portugal, que logo na primeira o esloveno mostrou muita, muita qualidade: “O ano passado mostrou força, qualidade física e força mental. O ano passado teve um percalço e perdeu um minuto e tal, mas não esteve de modas e foi à procura. Já se via que era muito bom”.

“É um caso sério e este ano provou isso. Também não tem culpa que a concorrência, por esta ou aquela razão, esteja mais ausente. Se o Roglic [principal candidato que abandonou durante a prova] estivesse na prova ele se calhar não tinha estas diferenças, estou convencido disso. Mas cada ano tem a sua história e este, o segundo consecutivo, é ano de superioridade total. Pogacar tem de ser bom em tudo. Tem uma capacidade física invulgar e anda bem no contrarrelógio. É melhor que toda a concorrência, mesmo se Bernal estivesse não faria melhor. Ele é melhor que todos os outros no contrarrelógio, pelo menos aqueles que tiveram confronto com ele ou que já conhecemos o historial”, explica Marco Chagas, que representou por duas vezes as cores portuguesas no Tour, nos anos 80.

Marco Chagas explicou ainda que é normal os trepadores perderem, por exemplo, “três minutos ou mais” do que ganham em montanha no contrarrelógio, mas que com Pogacar isso não acontece. “É melhor que eles na montanha e ainda ganha no contrarrelógio. Ganhou a toda a gente. Aquilo que é preciso ter-se… Tem boa cabeça e isso também conta”, diz.