Era uma questão de tempo. Na leitura do acórdão, os juízes anunciavam a pena a aplicar aos três inspetores pela morte do cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa e, ao mesmo tempo, decidiam extrair uma certidão para que se pudesse investigar, num processo isolado, “todos aqueles que, na hora, tomaram conhecimento do que se passava com Ihor Homeniuk e nada fizeram”. Agora após dois meses, a procuradora do processo, Leonor Machado, vem identificar quem são, para já, “todos aqueles” que quer ver investigados e acusados.

São sete pessoas que foram ouvidas como testemunhas no julgamento de Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa: três da estrutura do SEF e quatro vigilantes, ao que avançou a TVI e confirmou o Observador. António Henriques, diretor de Fronteiras do SEF à data do crime e que se demitiu na sequência do caso, é o primeiro da lista. Quando foi ouvido em tribunal no início de março, admitiu que colocar passageiros que se “portavam mal” na Sala Médicos do Mundo, como aconteceu com Ihor Homeniuk era “prática habitual” e regulamentada.

Do SEF, há ainda o inspetor coordenador João Agostinho e o inspetor-chefe João Diogo — que ordenou que os três inspetores já condenados fossem à sala “acalmar” Ihor Homeniuk. Com o requerimento interposto a 15 de julho e ao qual o Observador teve acesso, Ministério quer investigar estes três elementos do SEF de um crime de omissão de auxílio.

Uma “asfixia lenta” matou Ihor Homeniuk. As fraturas e a posição em que estavam foram a conjugação “fatal”

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À lista juntam-se ainda quatro vigilantes: Manuel Correia e Paulo Marcelo pela prática, em concurso efetivo, de um crime de ofensas à integridade física graves e um crime de omissão de auxílio — ambos admitiram em tribunal ter atado o cidadão ucraniano durante a madrugada com fita adesiva — e Rui Rebelo e Jorge Pimenta pela prática do crime de omissão de auxílio — sabiam que Ihor Homeniuk tinha sido deixado algemado e nada fizeram.

Afinal, terá havido mais gente a amarrar Ihor. O testemunho que acusa os vigilantes de o enrolarem (duas vezes) com fita adesiva

Logo na própria acusação contra os três inspetores do SEF, procurador responsável pela investigação tinha já ordenado extração de uma certidão para continuar da investigação. E foi aberto um segundo processo que, tal como o Observador avançou, para investigar outros potenciais responsáveis pelos eventos que levaram à morte de Ihor Homeniuk.

Depois, nas alegações finais do julgamento dos três inspetores, a Procuradora do caso, Leonor Machado, vincou a necessidade de se extrair certidão para investigar outros crimes relativos a outras pessoas. E, por fim, no próprio acórdão, os juízes mandavam extrair uma certidão. Agora, a magistrada veio extrair uma nova certidão do acórdão que permite identificar suspeitos específicos. Esta certidão que a Procuradora Leonor Machado pediu para extrair do acórdão do processo principal, ao juízes que julgaram o caso, vai agora ser anexada ao segundo processo.

“Esta nova certidão vai criar a possibilidade de apontar alvos”, defende advogado da viúva

O advogado da família de Ihor Homeniuk, José Gaspar Schwalbach, lembrou em declarações à Rádio Observador que desde sempre defendeu que “faria todo o sentido autonomizar o processo em que se conseguiria separar por intervenções, por crimes diferentes, os vários intervenientes”. “A existência de megaprocessos ou de grandes processos com vários intervenientes acaba por criar mais demorar e prejudicar um justiça célere e rápida como se quer”, disse.

Advogado da família admite que haja “mais pessoas envolvidas na morte de Ihor Homeniuk”

José Gaspar Schwalbach lembrou que “no espaço de 48 horas houve muitas pessoas que estiveram em contacto com Ihor Homeniuk” e que, “de forma ativa ou passiva, por ação ou omissão que provocaram o resultado”, que foi a morte. O advogado acredita que além destas sete pessoas apontadas, “haja mais” responsáveis. “Esta nova certidão vai criar a possibilidade de apontar alvos, suspeitos específicos que prestaram declarações em tribunal de forma contraditória ou não com o que tinham dito em sede de interrogatório”, disse ainda.

Inspetores do SEF mataram, mas sem intenção. Queriam que Ihor percebesse que tinha de ficar “quieto” — e fizeram-no com violência

Ihor Homenyuk morreu a 12 de março no Centro de Instalação Temporária do aeroporto de Lisboa, dois dias depois de ter desembarcado, com um visto de turista, vindo da Turquia. O SEF impediu a entrada do cidadão ucraniano e decidiu que teria de regressar ao seu país no voo seguinte. As autoridades tentaram por duas vezes colocar o homem de 40 anos no avião, mas este reagiu mal. Foi então levado pelo SEF para uma sala de assistência médica nas instalações do aeroporto, isolado dos restantes passageiros, onde foi amarrado e agredido por três inspetores do SEF, acabando por morrer.

Apesar de no relatório o SEF ter descrito o óbito como natural, o médico que autopsiou o corpo não teve dúvidas de que tinha havido um crime, alertando imediatamente a PJ, que acabaria também por receber uma denúncia anónima que referia que Ihor Homenyuk tinha ficado “todo amassado na cara e com escoriações nos braços”.

No final de maio, a decisão foi a de absolver os três inspetores do crime de homicídio e condená-los por um crime menos grave. Duarte Laja e Luís Silva foram condenados a nove anos de prisão efetiva. Já inspetor Bruno Sousa foi condenado a uma pena menor de sete anos de prisão — mas pelo crime de ofensas à integridade física grave qualificada, agravada pelo resultado da morte de Ihor Homeniuk.

[Atualizado às 12h19 com as declarações do advogado da família de Ihor Homeniuk]