O Banco Central Europeu (BCE) garante que as taxas de juro irão manter-se “nos níveis atuais ou inferiores” até que a inflação se aproxime do objetivo de médio prazo que passou recentemente a ser de 2%. Até é expectável que a taxa de inflação supere “moderadamente” essa fasquia, mas o BCE garante que isso será apenas “transitório” e não irá abalar o compromisso do banco central com as medidas de estímulo monetário com que tem vindo a responder à crise pandémica.

Na conferência de imprensa desta quinta-feira, em Frankfurt, a presidente Christine Lagarde disse que a pandemia continua a “ensombrar” a retoma e que a variante delta agrava a “incerteza”. Porém, a responsável sublinha que a retoma continua “robusta” e afirma que os “riscos” para a economia continuam “equilibrados” (entre riscos negativos e fatores positivos), apesar do rápido aumento dos números de novos casos de Covid-19 em vários países europeus.

Recordando que a recente “revisão estratégica” definiu o objetivo de inflação em 2% – “simétricos” (em oposição aos “perto, mas abaixo, de 2%” anteriores) – o BCE adiantou em comunicado a complexa nova orientação que é dada aos mercados em matéria de política monetária: “O Conselho do BCE antecipa que as taxas de juro diretoras irão manter-se no nível atual, ou abaixo desse nível, até que se verifique a inflação a atingir os 2%, bem antes do fim do horizonte de projeção e, de forma duradoura, para o resto do horizonte de projeção”.

E continua: os juros vão ficar na mesma (ou abaixo disso) até que “o Conselho do BCE considere que existiram suficientes progressos ao nível da inflação subjacente para que esta seja consistente com uma estabilização da inflação nos 2% no médio prazo”. A “calibração” de “alguns aspetos” desta nova orientação futura não foi unânime entre os governadores, sendo conhecidas as reticências de bancos nacionais como o alemão, mas reuniu uma “vasta maioria” na cúpula do BCE.

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O BCE admite, também, que poderá haver um “período transitório” em que a taxa de inflação poderá superar “moderadamente o objetivo”. O termo “transitório” coincide com aquilo que tem sido dito pela Reserva Federal dos EUA, país onde a taxa de inflação tem superado os 5% – um fenómeno que o banco central norte-americano assegura que é apenas consequência do efeito-base que influencia a comparação homóloga (momento que ficou marcado pelos primeiros meses da pandemia). Vários economistas têm afirmado, porém, que a inflação, pelo menos nos EUA, será bem mais duradoura do que a Reserva Federal está disposta a reconhecer neste momento.

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Lagarde comentou que ninguém no BCE é médico – “a maioria [do Conselho do BCE] é composta por economistas, alguns até são advogados por formação” [como é o seu caso] – pelo que, quando se pensa sobre quando é que a pandemia irá acabar, a francesa indicou que irá sempre concentrar-se na interação da pandemia com a atividade económica, designadamente em matérias como o impacto na atividade industrial e nos serviços. Para já, há sinais de que as empresas estão a investir mais, parcialmente graças às condições monetárias determinadas pelo banco central, um sinal animador.

“Vinho velho numa garrafa nova”

Os analistas que seguem de perto a política monetária do BCE dizem que muito pouco mudou nesta quinta-feira, apesar de Lagarde ter falado numa “mudança significativa” da sua orientação acerca das taxas de juro futuras. “Isto é como vinho velho numa garrafa nova”, comentou Carsten Brzeski, economista do ING, acrescentando que “a comunicação mudou um pouco mas em termos de substância o BCE continua muito dovish [com tendência para ir mais longe nos estímulos monetários], o que limita quaisquer expectativas de que os estímulos poderão começar a ser descontinuados gradualmente”.

Também Holger Schmieding, do Berenberg Bank, comenta que o comunicado do BCE “não altera a previsão para a política monetária na zona euro”. O banco admite que a taxa de inflação irá “surpreender o BCE, pela positiva” em 2022 e 2023, “como já tem vindo a acontecer este ano.

A expectativa do Berenberg Bank é que o BCE deverá começar a reduzir o montante mensal de compras “a partir de abril de 2022”. Após essa redução gradual, o programa de emergência pandémica deverá terminar em setembro de 2023, “antes da primeira subida das taxas de juro em dezembro de 2023”.

Dizendo de outra forma: acreditamos que o BCE vai começar a normalizar a política monetária mais cedo do que o próprio BCE acredita neste momento”, diz Holger Schmieding.

Para já, como se esperava, a principal taxa de refinanciamento mantém-se em zero, enquanto a taxa de depósitos continua em -0,50% e a taxa de juro aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez fica em 0,25%.