Enviado especial do Observador, em Tóquio

– Senhoras e senhores, a conferência de Novak Djokovic vai começar às 19h na zona de conferências no sétimo piso.

A mesma frase em inglês, em japonês, duas vezes para cada no Media Centre. O habitual burburinho do retirar dos computadores das mesas brancas divididas por acrílico (mas só de lado, o vírus de frente parece que só pode mesmo passar na zona dos restaurantes onde existem mesmo cubículos de proteção), as cadeiras a rolarem na alcatifa, as saídas ziguezagueantes para a zona onde são feitas as conferências que muitos não conhecem, aquela dúvida que assalta sempre qualquer jornalista quando existem eventos que é pensar se necessita de algum pedido prévio através de uma das aplicações da organização. Afinal não, era normal. Ou quase, vá.

Não era propriamente “a” conferência de Novak Djokovic mas sim da comitiva da Sérvia. O caminho, esse, levava a zonas ainda não exploradas do Tokyo Big Sight Exhibition Center, o maior (e por certo mais imponente) centro de exposições do Japão. Saindo do piso 0 do Media Centre, há uma primeira escada rolante com 26 segundos – tempo não oficial tirado do cronómetro do telemóvel e partindo do pressuposto que não se dá qualquer passo à frente para acelerar –, depois uma segunda que demora 28 segundos até ao topo, depois uma terceira que pelo seu comprimento faz lembrar algumas das maiores estações de metro da Rússia com 1.34 minutos, por fim uma quarta de 35 segundos. Ao todo, três minutos e três segundos para chegar ao que é o maior dos maiores e que pode ainda tornar-se maior nestes Jogos Olímpicos. E, claro, mais elementos sérvios de outras modalidades.

As filas da frente do anfiteatro gigante onde para entrar nem é obrigatório desinfetar as mãos estavam cheias só com jornalistas estrangeiros, enquanto os sérvios se juntavam a meio da sala perto dos microfones. Até com uma cadeira de intervalo devidamente assinalada com papéis o espaço nem a metade estava (a sala era mesmoooooo muitoooooo grande), com indicações para os interessados entrarem via código por números ou QR Code num espaço de tradução simultânea com várias línguas, num trabalho assegurado por tradutores colocados nas duas zonas laterais da sala, num espaço mais subido, com cabines próprias. A mesa-não-preparada-para-um-Ronaldo (ou seja, com garrafas de Coca-Cola e Aquarius e sem água) tinha sete lugares mas todos olhavam só para um.

Djokovic entrou, sentou-se, teve uma primeira gaffe, corrigiu o passo. Foi quase como aquele primeiro set que tinha na mão mas perdeu na última final de Wimbledon contra Berrettini. Depois, também como aconteceu em Londres, ganhou (já lá vamos à parte desportiva). “Boa noite. Para mim é uma honra voltar a participar neste evento. É a terceira vez que vou participar e já consegui uma medalha de bronze em 2008, foi há muito tempo… A experiência olímpica é especial e histórica, por representar o país e a minha equipa. Dá-me mais coragem e confiança. É sempre uma situação diferente representar o meu país porque todos os outros também estão lá sempre a apoiar, isso dá-nos asas. Sinto-me bem, fantástico, a nível físico e mental. Estou a ter a minha melhor época nos Grand Slams e espero continuar”, disse numa primeira espécie de apresentação já depois de, sem saber, ter tirado a máscara na mesa quando a regra obriga a que todos continuem com proteção.

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E agora, para não cometermos o mesmo erro da organização que falou apenas de uma conferência de imprensa de Novak Djokovic, aqui fica o resumo do que disseram os outros três atletas intervenientes (além de outros dois responsáveis do Comité Olímpico da Sérvia): Maja Ognjenovic, capitã da equipa de voleibol, admitiu que a equipa esteve algum tempo sem jogar junta mas que está preparada para o desafio; Filip Filipovic, capitão da equipa de polo aquático, mostrou-se satisfeito pela oportunidade de haver Jogos Olímpicos; Sonja Vasic, capitã da equipa de basquetebol (e porta-estandarte na cerimónia de abertura com Filipovic), falou do momento em que contraiu Covid-19 com o marido, o também olímpico remador sérvio Milos Vasic, e de como recuperou até agora.

Entretanto, Djokovic continuava tranquilo mas de quando em vez a dar indicações, nomeadamente quando foi chamando a intérprete sérvio-inglês na mesa para ir para a ponta oposta onde ouviria melhor quem estava mais à direita, ao mesmo tempo que ia trocando breves palavras com Maja Ognjenovic ou Djorde Visacki, secretário geral do Comité Olímpico da Sérvia. Era um centro das atenções sem fazer por ser. Mas era mesmo.

– Agora, perguntas para Novak Djokovic…

Mais de dez braços no ar, as senhoras que limpavam os microfones sempre que alguém ia fazer alguma questão a prepararem-se para uns longos minutos. Entre respostas em sérvio ou diretamente em inglês, sempre com uma graçola para uma imprensa nacional particularmente valorizada (tanto que o próprio líder do Comité disse que qualquer medalha ganha seria em parte também por mérito dos jornalistas sérvios) e muita simpatia para as outras perguntas permitidas a meios do Japão e da Índia sobre vários temas de Jogos Olímpicos e não só.

“Pressão? Em todos os desportos existe, é natural que assim seja, mas sou um jogador que vai ganhando cada vez mais confiança com o passar dos jogos. Já estive nervoso nos Jogos, é verdade, mas com o tempo fica diferente. Só penso no primeiro jogo com o jogador da Bolívia [n.d.r. Hugo Dellien], que não tem nada a perder e vai ser num court central sem público. Sim, sei que pode ser uma coisa um bocado repetitiva mas tenho mesmo de ir pensando assim, passo a passo. Tem de ser assim. A hipótese de fazer os quatro Grand Slams fica para depois, agora são os Jogos Olímpicos onde espero também conseguir ganhar”, explicou, recordando os três triunfos no Open da Austrália, em Roland Garros e em Wimbledon que permitiram igualar os 20 Majors de Federer e Nadal. Mas  há mais um objetivo na mira: igualar Steffi Graf com quatro Grand Slams e o ouro olímpico num ano.

“Tive a oportunidade de trabalhar com o marido dela, o Andre Agassi, e passei algum tempo com ela. É uma pessoa que respeito e admiro. Quando olhava para quatro Grand Slams e o título olímpico num ano achava que era algo muito longe de alguém repetir, fosse nos masculinos ou nos femininos, mas agora começa a parecer mais um cenário real, possível. Mas não é por isso que devemos comparar, se isso acontecer, porque são dois contextos e dois momentos diferentes. A mentalidade da Steffi conseguiu inspirar-me”, assumiu sobre esse feito ainda único no ténis mundial conseguido pela antiga jogadora alemã no ano de 1988, em Seul.

“Jogar aqui sem o Roger [Federer] e o Rafa [Nadal] é estranho. Nos últimos 15 anos pode não estar um mas não é normal para mim não estar nem um nem outro. Ainda assim, há o Medvedev, o Zverev, o Tsitsipas, o Rublev. Mas só os posso encontrar nas fases finais, não vale a pena agora pensar nisso. Sensações nos treinos? Já joguei ali, ganhei até o torneio, mas foi no final de outubro. As condições são diferentes, estão mais dez ou 15 graus e a humidade é maior. Senti também o piso diferente mas estou a adaptar-me da melhor maneira. Se ponderei não vir quando soube que não havia público? Sim, é verdade. Ainda sou profissional por causa do público, eles são o centro do jogo, o elemento chave de tudo. Decidi vir e fiquei feliz com a opção”, concluiu, antes de voltar à imprensa nacional em respostas em sérvio com todos os restantes capitães a ouvir de forma atenta aquele que é o número 1 do ranking ATP, da comitiva da Sérvia e do interesse mediático dos jornalistas.

A conferência chegava ao fim, Djokovic ia descansar para mais uma sessão de treinos esta sexta-feira, dia do início oficial dos Jogos Olímpicos com a cerimónia de abertura. E o sérvio está mesmo em Tóquio para ganhar, tanto que chegou mesmo a partir uma raquete durante a adaptação que fez ao court onde se cruzou com outros nomes conhecidos como Alexander Zverev ou Andy Murray antes de ver parte do treino de Ashleigh Barty.