Enviado especial do Observador, em Tóquio

A evolução na carreira, no ranking e no estatuto não traz apenas benesses. Aliás, faz-se acompanhar sobretudo de mais responsabilidades. E foram essas mesmas responsabilidades que Catarina Costa, a primeira judoca de Portugal a entrar em ação, conseguiu demonstrar logo de manhã na categoria de -48kg com dois triunfos que a colocaram nos quartos. Ao mesmo tempo que se tornou mais conhecida por parte das adversárias, teve de dar o salto para conhecer também melhor as adversárias. E foi assim que a atleta da Académica foi fazendo o percurso no Nippon Budokan, caindo apenas para as repescagens no último combate feito na sessão da manhã.

Atual oitava do ranking mundial e sétima melhor pela ausência da francesa Melanie Clement nestes Jogos de Tóquio, Catarina Costa começou por derrotar a azeri Aisha Gurbanli (34.ª) por waza-ari, batendo logo de seguida a chinesa Yanan Li (22.ª) para avançar até aos quartos. Foi aí que a portuguesa cruzou com a bicampeã mundial (e ex-judoca do Sporting) Daria Bilodid, segunda melhor do mundo que já chegou a liderar o ranking apesar de ter 20 anos e que conseguiu derrotar a judoca nacional num combate equilibrado e decidido no golden score.

A ucraniana, que recentemente terminou o curso de Jornalismo na Taras Shevchenko National University de Kiev, impediu que Catarina Costa fizesse as manchetes dos jornais nacionais deste domingo mas nem por isso a portuguesa perdeu a oportunidade de chegar às medalhas, tendo no entanto um caminho muito difícil que ia começar logo com Paula Pareto, argentina de 35 anos que se encontra agora como a sexta melhor do mundo e que foi uma das atletas que carregou a bandeira do Comité Olímpico Internacional na cerimónia de abertura numa homenagem a todos os atletas que estiveram também na linha da frente durante a pandemia.

Pareto esteve em dúvida até muito perto do combate, devido a um problema no cotovelo, mas acabou por surgir com aquele espírito guerreiro de sempre. No tatami, Shira Rishony e Chen-Hao Lin lutavam pela primeira vaga na luta pelas medalhas; fora dele, Catarina Costa, de máscara negra e com o treinador João Neto por perto, ia tentando manter o foco. Sempre a mexer os pés, sempre a dar pancadas no peito, nos braços e nas pernas para ter tudo ativo. A portuguesa ia ter um dos combates mais importantes da carreira e correspondeu por completo a todas as expetativas que estavam criadas, mesmo tendo pela frente uma das referências na categoria.

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A mentalidade e a atitude logo desde início foram a chave para o triunfo por waza-ari, carimbado pouco depois de meio de um combate onde esteve sempre por cima até conseguir passar para a frente. A partir daí, soube gerir a reação da sul-americana, teve de lidar com o limite de dois castigos que já tinha averbado e conseguiu mesmo chegar em vantagem ao final dos quatro minutos, tendo como gesto instintivo abraçar durante largos segundos Paula Pareto, que provavelmente terá feito os últimos Jogos Olímpicos. Na bancada, Ana Hormigo, Patrícia Sampaio e Rochele Nunes celebravam uma vitória que teve também aplausos depois dos próprios argentinos presentes, antes de Catarina Costa ser levada ao colo por Patrícia Sampaio antes da zona mista.

Aquelas lágrimas disfarçadas com os dedos das mãos ligados diziam muito sobre o feito que a judoca nascida em Coimbra tinha alcançado contra a campeã olímpica em título, no Rio de Janeiro. Se antes da partida para Tóquio Catarina Costa falava apenas do honrar da bandeira, agora estava apenas a um combate de poder tornar-se apenas a terceira de sempre a conquistar uma medalha olímpica no judo, após os bronzes de Nuno Delgado em 2000 e de Telma Monteiro em 2016. Urantsetseg Mukhbat, da Mongólia, atual quarta melhor do mundo, era a última barreira desse feito histórico. Camila, como também é conhecida, foi a primeira campeã mundial do país nos -48kg e até poderia ter algum teórico favoritismo mas os combates não se decidem antes.

No final, fez mesmo a diferença. E Catarina Costa, que perdeu no solo com um bom trabalho da mongol, acabou depois por mostrar que, mesmo apontando a um pódio que seria surpreendente, teve um diploma em forma de medalha que foi o melhor elogio à prestação que conseguiu neste primeiro dia de Jogos. Enquanto Daria Bilodid chorava de forma convulsiva porque queria muito mais do que uma medalha de bronze (e assim continuou na zona mista), Catarina Costa falava com a maior das tranquilidades sobre um quinto lugar que não foi o fim do caminho mas apenas o início do mesmo. E é isso também que as adversárias veem cada vez mais nela.