Dartacão, o ‘moscãoteiro’ que fez sucesso na televisão na década de 1980, está de regresso, desta vez ao grande ecrã e o seu criador, Claudio Biern Boyd, espera que o filme desperte nas crianças o interesse pela Literatura.

A história de “Dartacão e os três moscãoteiros: O filme”, que se estreia na quinta-feira em Portugal, é a mesma da série “Dartacão”, que foi exibida pela primeira vez na RTP em 1983, um ano depois de se ter estreado em Espanha, país de onde é originária.

Na base de tudo está o romance de Alexandre Dumas, “Os três mosqueteiros”, publicado originalmente em 1844, e um dos livros que Claudio Biern Boyd, hoje com 80 anos, ‘devorou’ em criança.

“Há muitos anos, quando nasci, não havia televisão, o que fez com que me tornasse um devorador de livros. E os livros que havia naquela época eram de [Alexandre] Dumas, [Julio] Verne, [Emilio] Salgari, Charles Dickens e o Dartagnan cativou-me. Eu conseguia vê-lo, era muito imaginativo”, partilhou, em entrevista com a Lusa.

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No final de década de 1970, quando estava a iniciar-se no “negócio das séries de animação”, Claudio Biern Boyd lembrou-se de pegar numa história conhecida — “porque é muito diferente chegar à RAI, à RTP ou à BBC com a história de Dartagnan ou com a história de Joana e Claudio, que não lhes interessa nada”.

Estabeleceu, como em todas as suas séries, que “haveria muita ação, mas não violência” — “nunca há violência” — e que o protagonista seria um cão, escolha que teve dois motivos.

“Se uma criança vê um desenho animado que tem a figura de um homem a lutar com outro com espadas, pode acontecer que na escola pegue num pau e outra criança também e comecem a lutar, mas se virem animais antropomórficos, que agem como não agiriam, tal não acontece”, justificou.

Houve outro “motivo muito importante, que foi económico e de tempo”: “fazer o desenho de um cão é muito mais rápido e mais barato do que fazer o de um ser humano”.

Na altura, recordou, pegou em 25 pesetas (moeda espanhola antes do euro) e comprou uma enciclopédia de cães. “Então à medida que fui criando as personagens ia vendo que raça usar”, contou.

A enciclopédia serviu para desenhar praticamente todas as personagens, menos duas: Milady (que é uma gata) e Richelieu (que é um graxaim-do-campo, também conhecido como raposa dos pampas), “que são os maus”.

“Porque não gosto de gatos e porque os graxaim-do-campo são aterradores”, partilhou.

Mais de 40 anos depois, o filme que agora chega aos cinemas manteve “todo o espírito” da série. Ainda assim, de acordo com Claudio Biern Boyd, há algumas diferenças.

Houve uma passagem de 2D para 3D, “porque as crianças de hoje estão habituadas ao 3D” e a série foi adaptada a elas, “sobretudo às meninas”.

“Na série, a figura das meninas era muito passiva. A Julieta, por exemplo, era só a namorada do Dartacão, agora é a dama de honor confidente da rainha, organiza tudo, manda o Dartacão fazer coisas, luta – sem nenhum tipo de sangue, porque é ação, não é violência. E a Milady fizemo-la muitíssimo mais má. E quando tira a capa está vestida igual à ‘Cat Woman’, sobe às paredes e tem um medalhão que hipnotiza toda a gente”, contou.

Embora no filme a história se mantenha a mesma, foram acrescentados alguns ‘suspenses’. “Na série era só sobre se iriam chegar ou não a tempo para salvar as joias da rainha. No filme criámos ‘suspenses’ com personagens de que ninguém está à espera”, confidenciou.

Quando se lhe pergunta a que se deve o sucesso que a série teve na década de 1980, Claudio Biern Boyd confessa não ter “uma resposta concreta”.

“Surpreendeu-me também a mim. Vendemos a série a mais de cem países em todo o mundo e passou em mais de 300 cadeias de televisão. Ainda dá em vários países e continua a ter êxito e aceitação entre as crianças. Penso que 60% a 70% do êxito deve-se ao guião. O senhor Dumas escreveu uma grande novela, porque tem de tudo: tem ação, tem bons, tem maus, tem amor, suspense, enganos”, referiu.

Além disso, acrescentou, “o cão é uma figura simpática para as crianças, todas as crianças gostam de cães e isso também foi uma vantagem”.

Quanto ao impacto que a história de Dartacão e os três moscãoteiros poderá ter nas crianças de hoje, “é uma incógnita”.

“Gostava que em Portugal, ao verem este filme, houvesse uma percentagem, ainda que pequena, de crianças que fossem ’empurradas’ para a Literatura. Que as levasse a pedir aos pais livros, sejam clássicos ou modernos, porque em Portugal há livros para crianças muito bons, e muito bons ilustradores. Essa seria a minha maior satisfação, que as crianças de hoje entrem no mundo da Literatura, que os ajuda a pensar, em vez de estarem agarrados aos ‘tablets’ e aos telemóveis”, afirmou.

Claudio Biern Boyd foi o produtor executivo de “Dartacão e os três moscãoteiros: O filme”, que conta com argumento de Doug Landale e realização de Toni Garcia.

A versão portuguesa do filme conta com as vozes de, entre outros, Vasco Palmeirim, Nuno Markl, Maria Emilia Correia, Isabel Ribas e Francisco Pestana.

“A volta ao mundo de Willy Fog” é o próximo projeto para cinema de Claudio Biern Boyd

“A volta ao mundo de Willy Fog”, exibida nos anos 1980 em Portugal, será a próxima série de animação criada por Claudio Biern Boyd a chegar aos ecrãs de cinema, contou o próprio à agência Lusa.

“O meu próximo projeto é ‘A volta ao mundo de Willy Fog’. Já escrevi os guiões, mas com uma coisa muito importante. É o meu sonho dourado”, contou Claudio Biern Boyd em entrevista à Lusa, a propósito da estreia nas salas de cinema portuguesas, na quinta-feira, de “Dartacão e os três moscãoteiros: o filme”.

A série tinha “sete canções, que se tornaram muito populares” e estão todas no guião do filme, porque Claudio Biern Boyd quer “fazer um musical, mas não apenas com músicas, mas também coreografias”.

“Quero fazer um filme de desenhos animados em que as personagens dancem, porque acredito muito na música. Está feito já o pré-guião cinematográfico e estou à procura de investidores e ajudas, e espero começar a produção no final do ano”, referiu.

Para o criador de personagens como Dartacão ou David, o gnomo, seria “uma emoção tremenda” conseguir levar as aventuras de Willy Fog para os ecrãs de cinema. “É o meu próximo sonho”, confidenciou.

“A volta ao mundo de Willy Fog” baseia-se no romance de Julio Verne “A volta ao mundo em 80 dias”, publicado originalmente em 1872.

Claudio Biern Boyd destaca a importância de, “nestes momentos em que há grandes problemas de xenofobia”, se recordar que “Julio Verne há 200 anos fez com que um lorde inglês se encantasse por uma indiana”.

“Isto é uma mensagem brutal para todos os países: os protagonistas, que são de raças e religiões diferentes, casam-se! Isto é fantástico. E além disso ele percorre todo o mundo, em igualdade com toda a gente”, recordou.

Claudio Biern Boyd, de 80 anos, atualmente dirige o estúdio de animação BRB Internacional, que fundou na década de 1970 e que inicialmente era uma empresa de licenciamento e distribuição de séries de animação.