Manuel Pinho vai ser pela primeira vez confrontado com os indícios criminais que o Ministério Público (MP) lhe imputa no chamado caso EDP/CMEC. Pelo menos, o interrogatório está marcado para a próxima sexta feira nas instalações do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), sendo esta a quarta tentativa para ouvir o ex-ministro da Economia de José Sócrates depois de três tentativas anteriores em 2017, 2018 e 2019.

O interrogatório chegou a ter 28 de julho (próxima quarta feira) como primeira data, tendo sido consensualizada entre os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto e o advogado Ricardo Sá Fernandes o dia de 30 de julho — uma data em que Manuel Pinho se encontra de férias em Portugal, decorrendo igualmente o interrogatório em período de férias judiciais.

“Manuel Pinho terá causado um prejuízo de 1,2 mil milhões de euros aos portugueses”

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Não será a primeira vez, mas é raro o primeiro interrogatório decorrer quando o arguido já sabe todos os indícios que o MP lhe imputa. Mas será precisamente esse o contexto das primeiras declarações de Manuel Pinho, pois o ex-ministro da Economia recebeu o despacho de indiciação no dia 10 de setembro de 2019, aquando da terceira tentativa para o ouvir — que não se concretizou devido a um incidente processual levantado pela sua defesa.

O que diz o despacho de indiciação de Manuel Pinho

Recorde-se que, após consulta dos autos da EDP, o Observador revelou o conteúdo de toda a indiciação contra Pinho. Além de ser suspeito dos crimes de crimes de corrupção passiva para ato ilícito, prevaricação, participação económica em negócio e branqueamento de capitais, o MP indicia Manuel Pinho por ter alegadamente recebido ‘luvas’ de 4,5 milhões de euros para favorecer a EDP e o Grupo Espírito Santo (GES).

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As alegadas ‘luvas’ repartem-se por 3,9 milhões de euros do GES e 620 mil euros da EDP que terão sido recebidas entre 2005 e 2014. Só no caso da EDP, a elétrica terá sido beneficiada em 1,2 mil milhões de euros através de supostas alterações legislativas nos contratos de fornecimento de eletricidade promovidas por Pinho.

O valor do benefício da EDP é, no entender dos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, o correspondente ao alegado “produto do crime”, sendo igualmente esse valor (1,2 mil milhões de euros) o valor do alegado “prejuízo” que “o arguido Manuel Pinho (…) terá causado aos cidadãos residentes em Portugal (…), bem como uma distorção da concorrência, nomeadamente ao criar as condições para a EDP manipular as ofertas dos serviços de sistema entre 2009 e 2013”, lê-se no despacho indiciação de Manuel Pinho consultado pelo Observador nos autos do caso EDP.

O Observador contactou Ricardo Sá Fernandes mas o advogado de Manuel Pinho não quis prestar declarações.

A histórias das três tentativas anteriores

Manuel Pinho foi formalmente constituído arguido a 3 de julho de 2017 na Polícia Judiciária, tendo então sido imputada a alegada prática dos crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Contudo, e por vontade dos procuradores titulares da investigação, Pinho não foi confrontado com os factos que o MP lhe imputava. Por isso mesmo, o interrogatório não se concretizou — contra a vontade de Pinho, alegou então o seu advogado Ricardo Sá Fernandes.

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Sá Fernandes recorreu para o juiz Ivo Rosa, titular dos autos no Tribunal Central de Instrução Criminal, e conseguiu anular a constituição de arguido por a PJ não ter confrontado o seu cliente com todos os indícios reunidos pela investigação. Uma decisão de Ivo Rosa que veio a ser revertida pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 27 de junho de 2019.

A segunda tentativa, a 16 de julho de 2018, também não se concretizou, mas devido a um incidente de recusa dos procuradores interposto por Sá Fernandes junto do diretor do DCIAP, então o procurador-geral adjunto Amadeu Guerra.

Já a terceira tentativa, a 10 de setembro de 2019, foi impedida devido a um novo incidente processual levantando pela defesa de Manuel Pinho. Em causa, estava uma alegada irregularidade devido a um requerimento de outro arguido que impediu o interrogatório do ex-ministro da Economia de José Sócrates.

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O interrogatório de Manuel Pinho é muito aguardado por o seu caso ser histórico. É a primeira vez que um ex-membro do Governo está a ser investigado por alegadamente ter recebido uma avença mensal enquanto exercia funções como ministro, tal como revelou em exclusivo o Observador a 19 de abril de 2018. Está em causa um valor de 14.963,94 euros transferido para Pinho pela sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises, o famoso saco azul do GES, durante o período em que foi ministro da Economia de José Sócrates entre 2005 e 2009, tendo os pagamentos continuado até 2014.