Enviado especial do Observador, em Tóquio

“Parece muito aquela frase batida mas estou obcecado por melhorar todos os dias, por ultrapassar todos os dias os limites do que é possível fazer. Há algo que não quero: encerrar a carreira e pensar ‘Devia ter feito isto, devia ter feito aquilo’. Embora seja obviamente muito complicado bater um recorde mundial, nunca é impossível. E acho que está ao meu alcance, se me preparar corretamente. No Europeu não estava no meu melhor momento mas sei que consigo crescer mais 10% com os Jogos Olímpicos. E é isso que vou tentar fazer agora”.

A história de Adam Peaty, o inglês que tinha medo de água e hoje bate recordes mundiais de natação

Há muito que a questão dos 100 metros bruços é uma não questão: ganha Adam Peaty ou Adam Peaty. Todavia, entre o adversário chamado Adam Peaty que existe dentro do próprio Adam Peaty surgem outras metas para alcançar algo mais ou não fosse o britânico tricampeão mundial e tetracampeão europeu numa odisseia que teve início em 2014 e que o colocou no lugar mais alto do pódio em todas as provas de 50 e 100 metros bruços das grandes competições desde aí. Por tudo isso e muito mais, ganhar era quase uma obrigação que ficava curta perante a vontade de bater o seu próprio recorde mundial. Foi isso que tentou, foi isso que não conseguiu.

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– Too bad, too bad, too bad…

Ainda a tentar recuperar o fôlego numa prova onde deu tudo contra si mesmo (voltamos à história do não ter um verdadeiro rival capaz de colocar desafios neste tipo de momentos), Peaty batia com a mão na água em sinal de tristeza por não ter chegado ao tal recorde mundial, muito por culpa também de uma má saída. Uns minutos depois, quando os outros medalhados (o holandês Arno Kamminga e o italiano Nicolo Martinenghi) já estavam a respirar mais normalmente, Adam Peaty continuava a recuperar. Foi claro que deu tudo mas o tudo não deu em nada a não ser tornar-se o primeiro britânico a defender um título olímpico na natação. E teve de ser por aí que o nadador encontrou uma forma de valorizar a medalha que tinha ao peito sabendo que queria mais.

Como explicava um longo trabalho publicado nos últimos dias pelo Financial Times, Peaty tem um plano para se tornar o melhor de todos os tempos (sendo que os 100 metros mariposa já se podiam chamar só Adam Peaty, tendo em conta que todos os dez melhores resultados de sempre na especialidade e na distância são seus…). É para isso que coloca o seu corpo exposto aos mais complicados desafios, assumindo que acaba por ser quase “viciado” em sofrer para tentar chegar mais alto. É para isso que se despede da namorada e do filho de dez meses todos os dias à exceção de domingo após acordar às 6h30, para ir para a piscina ou para o ginásio. É para isso que ouve rock, hip hop e música de dança a beber café a caminho dos treinos, como se fosse a sua vida. E além disso ainda há os banhos de gelo, a acupuntura ou o cupping. “É um constante ciclo de sofrimento pelo qual tenho de passar porque tenho a obsessão de ser cada vez mais rápido e faço o que puder para isso”, explicou.

Mesmo sem nunca ter perdido nos últimos sete anos em grandes competições (Jogos, Mundiais e Europeus), as derrotas nos Jogos da Commonwealth em 2018 colocaram-lhe problemas que hoje o próprio consegue assumir. “Pensava ‘Se sou o melhor do mundo, porque razão estou a perder?’. Essa dúvida deixa-te assustado. Estava a ser mau, a empurrar as pessoas. Não estava a ser eu mesmo, não estava a ser positivo e não estava no estado ideal em termos mentais. Adoro carros rápidos e de andar com os meus amigos mas depois perguntei a mim mesmo ‘Para quê?’. Já não estava a ter prazer nas coisas, o álcool também me levou a um ponto mais baixo devido ao seu efeito depressivo mas consegui ver a luz ao fundo do túnel”, admitiu sobre essa fase. Depois, já em 2020, foi pai. Agora, em 2021, fez história pela Grã-Bretanha. Aos 26 anos, até onde conseguirá ir Adam Peaty?