Enviado especial do Observador, em Tóquio

Nove anos, cinco ouros entre seis medalhas olímpicas, um reinado prolongado com tanta naturalidade como teve início. Recuando até Londres, em 2012, poucos se recordam que Katie Ledecky, de 15 anos, era a menina querida dos EUA mas o papel de Michael Phelps feminino pertencia a Missy Franklin, que ganhou nessa edição um total de cinco medalhas (quatro ouros). Quase uma década depois, muito por culpa também das constantes lesões que impediram Missy de fazer o seu percurso natural, Ledecky é a versão feminina de Phelps. E a escolha vem do próprio, acrescente-se. “É a melhor da atualidade, impressionante. Ela está a recriar o que é possível recriar, a desafiar a sua imaginação. Não tem medo de sonhar, não tem medo de ultrapassar os limites”, comentou.

Aos 24 anos, Katie Ledecky chegava a Tóquio depois de um ano a ter uma vida praticamente de mosteiro, como contava a Sports Illustrated (mas sempre ligada a questões sociais, em particular o problema dos refugiados). As lendas são assim, sabem que capítulos têm de escrever para a história terminar sempre com um final feliz. Não há ninguém que tenha ganho tantos ouros nos Campeonatos dos EUA como ela, não há ninguém que se pudesse comparar a ela. E tudo sempre acompanhado pelos estudos, estando já a pensar numa possível licenciatura em Direito depois de ter acabado Psicologia em Stanford. No entanto, os Mundiais de 2019, na Coreia do Sul, vieram dar um twist na história. Aliás, o twist que nunca se tinha visto: Ledecky perdeu. Perdeu e perdeu bem.

Ariarne Titmus, quatro anos mais nova do que Ledecky, fez jus à alcunha de Diabo da Tasmânia (onde nasceu) e provocou uma autêntica viragem no normal. Arnie, como também é conhecida não pelo nome mas porque o pai lhe colocou essa alcunha em alusão ao ator Arnold Schwarzenegger, pelo seu espírito competitivo, liderava em 2021 o ranking dos 400 metros livres. Mas conseguiria dar continuidade a essa surpresa de 2019? Eram estes os dados para esta final, uma das mais aguardadas não só do dia mas de todos os Jogos que não ficou a dever nada em relação às expetativas criadas com vitória da australiana com o recorde da Oceânia.

Apesar de ter liderado desde início a prova, com a surpreendente Summer McIntosh a andar muito perto das duas favoritas (acabaria por perder no final o bronze para a chinesa Bingjie Li), Katie Ledecky acabou por ceder a liderança da prova na viragem para os últimos 50 metros, numa altura em que Ariarne Titmus acelerara de forma decisiva o ritmo, e não teve a explosão suficiente ainda para responder a tempo a esse arranque forte da australiana, conhecida pelos finais fortes nas corridas como os 400 metros. Nas bancadas, palmas de deceção da comitiva norte-americana, euforia total dos australianos, em especial do técnico, Dean Boxall.

Se o primeiro dia de finais tinha sido prometedor para os norte-americanos, com a vitória de Chase Kalisz (com prata para Jay Litherland) nos 400 metros estilos e seis medalhas em quatro finais, esta derrota de Ledecky foi o maior balde de água fria mas que confirmou algo que estava também em jogo nesta edição de Tóquio: apesar de não ser uma conclusão fechada, Titmus, que foi a única a conseguir derrotar a Ledecky nos últimos oito anos e logo nas duas principais competições existentes, está a acelerar o final de uma era na natação. E se a rivalidade é descrita como cordata entre ambas, a tensão que existe nos momentos antes e depois das provas torna-se complicado de disfarçar. Os Mundiais não foram uma exceção, a dúvida passa por saber se passou a ser regra.

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