Apesar de terem proposto um plano de desconfinamento em quatro passos, os especialistas também deixaram oito bandeiras vermelhas ao Governo durante a reunião no Infarmed. Querem vacinar as crianças para evitar complicações no inverno, uma monitorização apertada das novas variantes e das vacinas, um pacote de medidas específicas para os idosos e um controlo nas fronteiras.

É “expectável” que surjam novas variantes de preocupação nos próximos tempos. João Paulo Gomes, coordenador do Núcleo de Bioinformática do Departamento de Doenças Infeciosas do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), explicou que “não há muito mais a descobrir em termos de novas mutações”, mas que o SARS-CoV-2 está a demonstrar uma elevada capacidade de combinar alterações identificadas em variantes anteriores. Essas novas variantes são preocupantes, não por poderem causar um aumento de casos (a vacinação serve de travão a esse fenómeno), mas porque apenas os vírus que tenham maior capacidade de enfrentar o sistema imunitário humano é que se tornarão dominantes.

Vacinar as crianças contra a Covid-19 será preponderante para garantir um regresso à normalidade pré-pandémica, considerou Henrique Barros, médico epidemiologista do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP). “Se não vacinarmos as crianças, vamos ter um pico inequívoco de casos, portanto está nas nossas mãos resolver o problema”, avisou o clínico durante a sua intervenção na reunião no Infarmed. Só assim é que, com a chegada do inverno, “a vida se pode aproximar muito daquilo que era antes”.

O inverno vai trazer uma “nova onda, pequena, com pouco relevo nos internamentos e nas mortes”, antecipou o epidemiologista Henrique Barros. A diminuição da temperatura vai provocar um aumento de cerca de 30% do número de novos casos, mas o avanço da vacinação contra a Covid-19 (e assumindo que se atinge a meta de 70% da população totalmente vacinada antes do inverno) vai permitir atenuar o impacto desse crescimento no serviço nacional de saúde e nos óbitos por esta doença.

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 Para manter sob controlo as novas vagas de infeções pelo SARS-CoV-2, as autoridades de saúde precisam de apostar em quatro frentes: reforçar a vigilância de novos casos, através da testagem, em espaços propícios a surtos (como lares); estar atento às transmissões causadas por infetados assintomáticos, manter as variantes debaixo de olho, assegurando a capacidade de sequenciação de amostras, para detetar qualquer nova alteração que possa dificultar a batalha contra o vírus; e controlar as fronteiras, uma vez que o aumento da mobilidade pode traduzir-se num aumento da transmissão do SARS-CoV-2.

Andreia Leite, da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, acrescentou mais um tópico a que as autoridades de saúde devem estar atentas — e que pode simbolizar uma mudança na atuação do Governo: é preciso monitorizar quaisquer alterações nos efeitos das vacinas, para identificar desde muito cedo quando (e se) os indivíduos vacinados começam a perder imunidade. Por enquanto, e segundo Ausenda Machado, isso ainda não se verificou em Portugal. Mas a epidemiologista quer uma monitorização apertada a neste aspeto. E que as medidas de proteção individuais continuem a ser cumpridas, uma vez que a imunidade da população neste momento “ainda não é suficiente para garantir o controlo da situação”.

As faixas etárias mais avançadas devem obedecer a medidas específicas porque o risco de letalidade por Covid-19 nos indivíduos que as compõem continua a ser mais elevado. Ana Paula Rodrigues, médica de Saúde Pública do Departamento de Epidemiologia do INSA, espera um aumento do número de óbitos por Covid-19 em Portugal nos próximos dias, embora essa nova vaga “não venha a ter a magnitude que se observou em todas as situações passadas”.

As linhas vermelhas podem ser alargadas, mas só se Portugal se mantiver dentro delas é que o desconfinamento pode avançar, transmitiu a epidemiologista Andreia Leite. A especialista propõe que a situação epidemiológica em Portugal só seja considerada controlada se a incidência não ultrapassar os 480 casos em duas semanas por 100 mil habitantes e o número de internados em unidades de cuidados intensivos (UCI) não chegar aos 255. As novas diretrizes, a serem incorporadas na matriz de risco, tornam mais difícil ao país entrar na região vermelha do mapa, mas continuam a servir de bússola ao Governo no controlo da epidemia.

As regras de proteção individual e o cumprimento das medidas de restrição não devem ser descuradas por quem ainda só foi vacinado com apenas uma dose, alertou Ausenda Machado, investigadora da Escola Nacional de Saúde Pública. Os estudos de efetividade das vacinas contra a Covid-19 demonstram que, no período entre as duas doses, “a vacina confere alguma proteção, mas não está no seu expoente máximo”. A possibilidade de se ser infetado permanece após a primeira dose e a de desenvolver um quadro clínico severo de Covid-19 também.