Os especialistas não duvidam que a pandemia de Covid-19 produziu um impacto também no tráfico de seres humanos, nomeadamente deslocalizando a exploração sexual para o espaço online e exigindo novas respostas às vítimas.

“A Covid teve impactos no tráfico de seres humanos”, constata Manuel Albano, vice-presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, ainda que realçando que a pandemia teve impacto “em tudo“.

O especialista – que esta terça-feira será um dos oradores no debate “Tráfico de seres humanos em tempo de pandemia”, organizado pela Assembleia da República – sublinha que “ainda é muito cedo para perceber o real impacto“. Porém, os estudos já realizados permitem concluir que a exploração sexual sofreu “uma deslocalização” para o espaço online, o que impõe um maior envolvimento da área do cibercrime, salientou.

Ainda assim, a pandemia não teve impacto nas estruturas que prestam assistência às vítimas, que “não pararam a sua atividade”, assinalou o também relator nacional para o Tráfico de Seres Humanos, destacando o trabalho “muito cimentado” das equipas multidisciplinares. “Procurou-se diminuir esse impacto” e a resposta “manteve-se em pleno funcionamento”, frisou, recordando que esta área era uma das exceções previstas ao estado de emergência.

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Marta Pereira, coordenadora do Centro de Acolhimento e Proteção a Vítimas de Tráfico de Seres Humanos da Associação de Planeamento Familiar, está na primeira linha da resposta e confirma que, “num primeiro momento, a dificuldade de sinalizar e chegar às pessoas que precisam de apoio foi notória”. O número de sinalizações, sobretudo no acolhimento, “foi diminuindo”, notou.

Em tempo de distanciamento recomendado, as respostas de proteção às vítimas são mais difíceis de executar, por exemplo os 14 dias de isolamento num espaço estranho, com pessoas que não se conhece, que, ainda por cima, agora passaram a usar máscaras e equipamentos de proteção individual.

Tudo isso dificultou “a criação de relação”, fundamental para a estabilização emocional das vítimas, realça a coordenadora do Centro de Acolhimento e Proteção, em funcionamento desde 2008 e que tem capacidade para acolher seis vítimas e dar assistência a outras quatro em processo de autonomização.

“Esse foi o grande desafio, conseguir criar relação, apesar de todas estas barreiras”, aponta, referindo que “as estratégias tiveram de ser mais criativas” e que “teve de haver uma grande união das equipas”, de forma “a não agravar” a situação em que as vítimas de encontravam.

O tráfico de seres humanos constitui uma das mais graves violações de direitos humanos, na maioria dos casos transnacional e com ligações ao crime organizado. Estima-se que, a cada ano, mais de 2,4 milhões de pessoas sejam traficadas em todo o mundo, sendo mulheres e crianças as mais vulneráveis, com impacto económico comparável ao do tráfico de armas e de droga.

O debate sobre tráfico de seres humanos promovido esta terça-feira pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e pela Subcomissão para a Igualdade e Não Discriminação, integrado no ciclo “O impacto da Covid-19 e as desigualdades”, pode ser acompanhado através da página online da ARTV – Canal Parlamento.

Entre os oradores convidados estão ainda representantes da Autoridade para as Condições, do Serviço de Estrangeiros e Fronteira, da Polícia Judiciária, da Procuradoria-Geral da República, do Observatório do Tráfico de Seres Humanos e do Movimento Democrático de Mulheres. O debate será encerrado por Antero Luís, secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna.