Quase 70% dos doentes com Covid-19 em unidades de cuidados intensivos (UCI) têm menos de 59 anos, segundo dados recolhidos pela Ordem dos Médicos, que apontam que em enfermaria os doentes abaixo dessa faixa etária são cerca de metade.

Os dados revelados esta terça-feira à agência Lusa pelo bastonário da Ordem dos Médicos (OM) referem-se ao dia 12 de julho e, no entender de Miguel Guimarães, traduzem o efeito da vacinação.

Em concreto, àquela data, 68,1% dos doentes com Covid-19 em UCI tinham menos de 59 anos, 26,4% dos quais na faixa etária entre os 50 e os 59 anos, 23,9% com idades entre os 40 e 49 anos e apenas 12,3% entre os 30 e 39 anos. Já os doentes nestas unidades entre os 20 e os 29 são uma minoria (5,5%).

Nas enfermarias, este número ronda os 50%. Os mais idosos destacam-se, no entanto, com 18,4% dos doentes na faixa etária acima dos 80 anos, mas o bastonário da Ordem dos Médicos sublinha que os casos mais graves são menos frequentes e em cuidados intensivos apenas 1,8% dos internados pertenciam a esse grupo.

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O efeito da vacinação faz-se notar“, sublinha o bastonário da Ordem dos Médicos, considerando que o facto de 67% da população já ter recebido, pelo menos, a primeira dose da vacina contra o SARS-CoV-2 é um dos principais fatores explicativos da evolução da pandemia, sobretudo ao nível de óbitos e internamentos.

O virologista Pedro Simas, do Instituto Molecular da Universidade de Lisboa, concorda com esta relação, mas considera que é importante ter cautela na leitura destes números.

“Neste momento, é tudo em muito menor escala”, disse à Lusa o especialista, explicando que por haver uma maior percentagem de internados mais jovens, não significa que o número, em termos absolutos, seja mais elevado em comparação com outros períodos em que os novos casos diários de infeção eram semelhantes.

De acordo com o boletim divulgado pela Direção-Geral da Saúde, estão atualmente internados 919 doentes com Covid-19, 198 dos quais em cuidados intensivos. No final de fevereiro, quando o número de infeções diárias também oscilava ente mil e três mil, os internamentos superavam os dois mil.

A mesma lógica, acrescenta o virologista, deve ser aplicada ao número de mortos, que continua a concentrar-se sobretudo entre a população mais velha, apesar de 95% dos idosos com mais de 80 anos já ter a vacinação completa.

“Em números absolutos, o que se vê é que os números de mortos são muito menores porque, em geral, a população de risco já está vacinada”, sublinhou Pedro Simas, reiterando que a caracterização dos grupos de risco não mudou.

Por outro lado, na faixa etária do 64-50 anos ainda há cerca de um quarto da população sem a vacinação completa e entre os 25 e os 49 cerca de 40% ainda não recebeu sequer a primeira dose da vacina o que, para Pedro Simas e para Miguel Guimarães, ajuda a explicar a tendência crescente na percentagem de internados mais jovens.

Ordem dos Médicos vai propor ao Ministério da Saúde uma nova matriz de risco para avaliar a pandemia

Este foi um dos fatores que levou a Ordem dos Médicos a criar um novo indicador, que acrescenta uma avaliação da gravidade, para determinar o estado da pandemia de Covid-19, e que propôs ao Governo para substituir a atual matriz de risco.

Matriz da Ordem dos Médicos inclui letalidade e internamentos

O bastonário da Ordem dos Médicos reiterou esta terça-feira a necessidade de rever a matriz de risco, defendendo que o indicador que há duas semanas propôs ao Governo permite perceber os efeitos da vacinação na evolução da pandemia da Covid-19.

“A partir do momento em que a vacinação começou a acelerar, passamos a ter uma situação que não estava a ser contemplada na matriz de risco do Governo, que é a questão da gravidade da doença”, disse à agência Lusa Miguel Guimarães no dia em que se realiza mais uma reunião de peritos no Infarmed sobre a situação epidemiológica em Portugal.

A proposta da Ordem dos Médicos (OM), desenvolvida em colaboração com o Instituto Superior Técnico, acrescenta aos dois indicadores existentes — incidência e transmissibilidade (Rt) — mais três: letalidade, internamentos em enfermaria e internamentos em unidades de cuidados intensivos.

Estes indicadores, explicou o bastonário, permitem avaliar a gravidade da doença, refletindo também os efeitos da vacinação contra o SARS-CoV-2, e é isso que a Ordem gostaria de ver na matriz de risco do Governo, a quem enviou a nova matriz.

Por seu lado, o Ministério da Saúde disse à Lusa que esses dados já são considerados nas decisões sobre a pandemia, a mesma justificação dada também à OM numa carta entregue na segunda-feira, e remeteu eventuais alterações para depois da reunião do Infarmed, que decorre esta terça-feira.

Nova matriz de risco. “A água está a ferver” e a pandemia a tocar no ponto crítico

“Nós cumprimos a nossa missão”, disse Miguel Guimarães, considerando que os novos indicadores são “a melhor forma de proteger a economia e a saúde”. “Este indicador, como engloba e tem a ponderação dos vários dados, dá-nos a imagem real daquilo que está a acontecer”, disse ainda.

E segundo a proposta da OM para uma nova matriz de risco, a situação epidemiológica tem tido uma evolução positiva nos últimos dias: Estabelecendo o nível 100 como crítico e o nível 80 como de alarme, Portugal passou de 92,8 pontos no dia 13 de julho para 86 pontos no domingo.

“Neste momento, confortavelmente, podemos dizer que estamos a ter uma evolução favorável, uma evolução que nos permite respirar melhor e que permitirá ao Governo tomar decisões com uma evidência mais forte”, disse o bastonário.

Essas decisões, acrescentou, não precisam de passar por um novo confinamento e poderiam até incluir uma maioria abertura. Por outro lado, os novos indicadores permitem também identificar outras tendências que possam merecer uma atenção particular, relacionadas com o progresso da vacinação em Portugal, como o aumento da percentagem de jovens internados com Covid-19.