O alerta vem das Nações Unidas: sem um cessar-fogo imediato e medidas urgentes, Myanmar poderá tornar-se num país “supertransmissor” das variantes mais preocupantes da Covid-19 e causar uma onda pandémica de grande letalidade por todo o sudeste asiático.

O país foi praticamente paralisado por um golpe de Estado no início de fevereiro deste ano, quando a líder do país, Aung San Suu Kyi, e vários outros elementos do partido que governa a antiga Birmânia foram detidos pelos militares, que tomaram o poder e querem novas eleições (o Observador explica aqui o que esteve na origem do golpe).

Como consequência da tomada do poder por uma junta militar, o país mergulhou numa grave crise política e económica e os esforços de combate à pandemia foram relegados para um plano secundário: a vacinação parou, praticamente não há testagem e as infraestruturas sanitárias do país, incluindo os hospitais públicos, estão a funcionar a meio gás.

Numa entrevista ao jornal britânico The Guardian, o ex-congressista norte-americano Tom Andrews, encarregado pelas Nações Unidas de acompanhar a situação dos direitos humanos em Myanmar, explicou que a forte repressão de médicos e jornalistas por parte da junta militar torna muito difícil perceber a verdadeira situação da pandemia no país — mas assegurou que Myanmar atravessa por esta altura o pior pico de contágios desde o início da pandemia.

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O país tem uma grave falta de dispositivos médicos e, sobretudo, de oxigénio médico — que os militares estão a ser acusados de desviar.

Em Rangum, é comum ver três tipos de filas. Uma para o multibanco, outra para o abastecimento de oxigénio — o que é muito perigoso, porque as pessoas estão literalmente a ser baleadas pelos militares por estarem na fila para o oxigénio — e a terceira para os crematórios e morgues”, disse Tom Andrews ao The Guardian.

Myanmar está a transformar-se num supertransmissor de Covid-19 com estas variantes extremamente virulentas — a Delta e outras formas da doença, extremamente perigosas, letais e contagiosas. Isto é muito perigoso, por várias razões”, continuou o observador da ONU.

“A Covid não respeita nacionalidades, fronteiras, ideologias ou partidos políticos. É um assassino com igualdade de oportunidades. Esta é uma região que está suscetível a um sofrimento ainda maior como resultado de Myanmar se tornar num estado supertransmissor.

De acordo com a estatística da Universidade Johns Hopkins, desde o início da pandemia da Covid-19 já foram diagnosticados 284.099 casos e a infeção já matou 8.210 pessoas. Nas últimas 24 horas, foram diagnosticados 4.980 casos e registadas 365 mortes, o que representa uma letalidade muitíssimo maior do que o registado na maioria dos países do Ocidente, por exemplo, em Portugal.

De acordo com as Nações Unidas, a junta militar já levou a cabo pelo menos 260 ataques contra instalações médicas e profissionais de saúde, que resultaram na morte de pelo menos 18 pessoas. Há pelo menos 67 profissionais de saúde detidos e já foram emitidos mandados de detenção para cerca de 600 profissionais de saúde. Desde o golpe, em fevereiro, há registo de pelo menos 931 pessoas mortas pelos militares, que ameaçam os cidadãos de Myanmar com tiroteios para evitar que saiam à rua para protestar.

Os profissionais de saúde têm sido uma das classes mais críticas da tomada do poder pelos militares e chegaram a protagonizar greves, recusando trabalhar nos hospitais públicos.

Para Tom Andrews, a solução deve passar por um cessar-fogo imediato nos confrontos domésticos de Myanmar, que permita pôr novamente em marcha o plano de vacinação e de testagem de modo a ultrapassar a pandemia. Em simultâneo, o observador da ONU pede que a comunidade internacional se organize para ajudar Myanmar a organizar os seus processos internos de combate à Covid-19.