As famílias felizes, equilibradas, funcionais, quase desapareceram do cinema. Para onde quer que olhemos, impôs-se o estereótipo da “família disfuncional”, desgraçada e desestruturada, que é agora a regra, sobretudo nos filmes americanos. A chamada “normalidade média” desapareceu da representação da família contemporânea no cinema (e em boa parte, também na televisão), sobre a qual parecem não só ter-se abatido todos os males do mundo, como também é mostrada como uma entidade que deixou de ser um vector fundamental de estruturação social e está em vias de se tornar obsoleta, sobretudo face ao advento das ditas “famílias alternativas”.

“Laços de Família”, do italiano Daniele Luchetti (“O Meu Irmão é Filho Único”) baseia-se num romance do escritor Domenico Starnone, e em vez de ser mais um filme sobre uma família estilhaçada pelo divórcio, é sobre uma família destruída porque não houve divórcio. Preso por ter cão, preso por não ter cão. A história começa nos anos 80, em Nápoles, onde Aldo (Luigi Lo Cascio), um jornalista que tem um programa sobre livros na rádio em Roma, e Vanda (Alba Rohrwacher), uma professora, vivem com o filho e a filha pequenos, e aparentemente parecem ser felizes. Só que um dia Aldo diz à mulher que tem um caso com uma colega da rádio, Lidia (Linda Caridi) e o caldo fica entornado. Ele sai de casa e ela tenta suicidar-se.

[Veja o “trailer” de “Laços de Família”:]

O filme dá então um salto de 30 anos, para a nossa época, e encontramos Aldo e Vanda juntos e não separados, a viver numa casa nova e com os filhos já criados e fora do lar. Mas nem uns nem outros são minimamente felizes. Luchetti passa então a alternar entre a década de 80 e o presente para mostrar como Aldo e Vanda acabaram por se reconciliar, e que essa reconciliação não trouxe nada de bom ao casal ou à família, vindo apenas prolongar o clima de azedume, ressentimento e recriminação que se vivia antes, e contaminar os filhos com ele. O rapaz casou-se e divorciou-se várias vezes, sem conseguir formar uma família estável, e a rapariga ficou solteira, com medo de acabar numa relação semelhante à dos pais.

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[Veja uma cena do filme:]

Além de ser banalmente verboso (repare-se na artificialidade dos diálogos) e ter baixa voltagem dramática, “Laços de Família” apresenta uma característica fatal para a sua verosimilhança. Em vez de envelhecer, através de maquilhagem ou efeitos digitais, os actores que interpretam Aldo e Vanda, Daniele Luchetti preferiu utilizar um novo par de intérpretes para as personagens no presente, respetivamente Silvio Orlando e Laura Morante, mas que não convencem nada a fazerem daqueles 30 anos mais velhos. Parecem, pelo contrário, pessoas completamente diferentes, provocando um curto-circuito na continuidade das personagens e dando cabo da credibilidade da história.

O título do filme (que é também o do livro) remete para uma sequência durante a separação em que Aldo está com os filhos pela primeira vez depois de ter saído de casa, numa pastelaria, e a rapariga repara que o pai não ata os atacadores dos sapatos como toda a gente o faz e que o irmão o imita, sugerindo isto que a família não consegue estar ligada, unida, de uma forma normal. Mas a metáfora, além de pobre, pouco importa, porque “Laços de Família”, mesmo querendo fugir aos lugares-comuns do filme de divórcio e atomização familiar, acaba por não atar nem desatar.