O geógrafo Jorge Macaísta Malheiros defende que os indícios de uma maior atração pelo interior, em resultado da pandemia, devem ser trabalhados politicamente, porque são “um capital de esperança interessante”.

“Mas, para isso, é preciso materializar desideratos de política, que estão apenas no discurso”, assinala, em declarações à Lusa, a propósito dos primeiros resultados do Censos 2021, divulgados há uma semana.

“Temos de ser capazes de pôr em prática e até agora ainda não fomos muito”, considera o geógrafo, sublinhando que “o problema está identificado“.

Esse “problema” são três, diz. “Três tendências pesadas que vêm de trás”, duas das quais  a redução da população e o envelhecimento, não vão “experimentar alterações substanciais nos próximos 10 anos”, prevê.

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“Na próxima década, a probabilidade de Portugal não crescer ou crescer muito pouco, abaixo dos dois por cento, é grande. E vamos ter de aprender a viver com isto”, aconselha.

Portugal tem 10.347.892 residentes, menos 214.286 do que em 2011, segundo os resultados preliminares dos Censos 2021, enquanto os dados do Instituto Nacional Ricardo Jorge, com base no teste do pezinho, mostram que o primeiro semestre deste ano foi o que teve menos nascimentos dos últimos 30 anos, comparando períodos homólogos.

Na opinião do especialista, a população “não se alterará muito na próxima década e a perda só não acontecerá se o decénio for menos marcado por crises, sanitárias, financeiras e outras, e se o saldo migratório for positivo”.

A entrada de imigrantes “não é só uma questão de mercado de trabalho, contribui para o país não perder mais população”, assinala. “Portugal vai precisar de imigrantes” e, para tal, precisa de “uma política migratória eficaz”, com vários canais de entrada, regularização facilitada, acolhimento de requerentes de asilo, atração de migrantes qualificados, enumera.

Simultaneamente, a sociedade portuguesa será “mais grisalha” e nem os imigrantes a farão mais jovem, descarta. “Vamos continuar a envelhecer, não deve haver grandes ilusões em relação a isto”, resume.

É na terceira tendência, o despovoamento do interior, que Macaísta Malheiros coloca maior ênfase. Os dados preliminares do Censos confirmam a concentração no litoral e “o despovoamento de uma grande parte do país, processo que em muitos concelhos tem 50, 60, 70 anos”.

Ora, “a concentração metropolitana em Lisboa e no Algarve é a tendência que pode ter mais variantes”, em resultado da pandemia e dos confinamentos.

Isto porque a população demonstrou “uma maior valorização dos espaços de proximidade” e da vida de bairro. “Vamos ver até quando fica”, comenta, mas admitindo que essa tendência, “sendo capitalizada, pode ajudar a mitigar o processo de litoralização e ajudar a que determinadas áreas do interior não tenham perdas de população tão grandes”.

Macaísta Malheiros considera ainda que o caso de Odemira, sendo “excecional”, dá também “indicações sobre a possibilidade de a imigração poder ser uma das dimensões de animação económica e reversão de tendências excessivas a nível demográfico”.

O concelho de Odemira, no distrito de Beja, foi o único do Alentejo que aumentou a população residente na última década, segundo os dados preliminares dos Censos 2021. Ora, sendo um caso de “crescimento relativo enorme”, é também um caso de “enorme défice de sustentabilidade”, do ponto de vista ambiental, económico e demográfico.

Odemira “é uma bolha”, mas, com mais sustentabilidade e um modelo de produção mais equilibrado, pode ser mais do que isso. Perante estas tendências, duas coisas são fundamentais: adaptação e mitigação.

Adaptação a um país que tem 10,3 milhões de habitantes e que deve ter mais ou menos o mesmo ou, vá, 10,4 milhões, daqui a 10 anos” e “adaptação a uma sociedade mais envelhecida”, em que o papel dos seniores deve ser valorizado “sem perda de direitos”, detalha, recordando “a tentação de reduzir as reformas e aumentar o tempo de trabalho”.

É também no trabalho que “é preciso introduzir uma cultura diferente”, que passe por reduzir horários. “Em Portugal trabalha-se muito, mas mal”, constata.

O geógrafo antecipa que possa haver uma recuperação nos nascimentos, passados os receios da crise pandémica, sublinhando que importa “sustentar esse eventual aumento” com “medidas mais estruturais, como o combate à precariedade, respeito pelos direitos de parentalidade, aumento de salários, teletrabalho, conciliação entre a vida pessoal e profissional, apoio a empresas amigas da natalidade”.