Enviado especial do Observador, em Tóquio

A relação Nelson Évora-Pedro Pablo Pichardo conheceu nestes Jogos Olímpicos mais alguns capítulos entre uma disputa que foi sempre muito além da parte desportiva ou do 1×1. “No início não vi com bons olhos todo o processo de naturalização dele [Pichardo]. Foi e continua a ser, para mim e para muitos outros, algo de muita luta e um processo bastante longo. Todos têm o direito de mudar de nacionalidade. Somos cidadãos do mundo. Acho é que não temos o direito de passar por cima de muitas coisas, de uma história. Por interesses clubísticos fizeram-se coisas inacreditáveis”, disse, no início de 2019, o campeão olímpico de Pequim.

Nelson considerou sempre que a forma como Pichardo foi naturalizado português numa velocidade recorde, ao contrário do que aconteceu antes por exemplo no seu caso, acabou por ser um ataque contra si do Benfica depois de trocar o clube da Luz pelo Sporting. Pichardo não gostou também da forma como Nelson abordou sempre a situação, colocando-o no meio de uma guerra que lhe pertencia. Pelo meio, houve também algumas trocas de palavras entre ambos, como aconteceu no final da vitória de Nelson nos Europeus ao Ar Livre de 2018 quando Pichardo ainda não estava autorizado pela Federação Internacional a representar Portugal. O caso poderia envolver outras entidades mas acabou por desaguar numa rivalidade entre atletas.

Em Tóquio, essa má relação (ou mesmo não relação) voltou a ter mais alguns capítulos. Após o concurso de qualificação para a final do triplo, que marcou a despedida de Nelson dos Jogos ao falhar o apuramento, o agora atleta do Barcelona foi questionado sobre a possibilidade de ser abraçado por Pichardo se ainda estivesse na pista (já tinha saído depois de assegurar a qualificação), como aconteceu com outros atletas no final. “Sinceramente, acho que não. Não sei porquê, não é por mim, mas não teria de ser eu a abraçá-lo. O Pichardo há-de aprender com a vida. Espero que tudo lhe corra muito bem”, atirou. Depois, na final, Nelson esteve a certa altura a apoiar Zango, saltador do Burquina Faso com quem trabalhou duas semanas, sem nunca ter expressado qualquer tipo de ação por Pichardo, que saltava por Portugal para o ouro.

“Eu nunca falei mal do Nelson. Uma pessoa enviou-me um link de um comentário por causa de uma coisa do abraço… Eu não falo nada do Nelson, não falo nada do Nelson e era bom acabar com isso, para não levar os problemas para a parte pessoal. Há anos que fala de mim e eu não respondo nada. Inveja? Não sei. É como ele diz, já ganhou tudo, porque não me deixa agora fazer a minha carreira? O tempo dele passou, não falo nada, deixe-me fazer a carreira em paz… Apoio ao Zango? Todo o mundo está a ver, não sou eu… Para mim tanto faz, não faz diferença nenhuma. Quer continuar com a p0lémica mas eu não falo nada”, referiu Pichardo na zona mista após a vitória, sendo que mais tarde Nelson deixou uma mensagem no Instagram para o luso-cubano que dizia “Muitos parabéns, Pedro. Bingo para Portugal” com as quatro medalhas.

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O balanço de José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal, também não passou ao lado desta questão, com uma posição de força em relação a tudo o que terá de ser sempre um bem maior.

“Não assisti a isso mas conheço os relatos. Portugal deve ter o maior apreço e admiração pelos seus atletas e todos os que representem são talentos nacionais, a fazerem prestações de carácter nacional. Nenhum desses nossos talentos nem ninguém está acima de Portugal. Estamos a representar Portugal e não a nós próprios, deve haver companheirismo, colaboração, entreajuda e reforço do valor. Independentemente dos estados de alma que possam ter, o que conta é o país. Se foi tomada alguma medida? Sim, houve essa prudência e esse cuidado, o chefe da Missão falou com ele”, revelou o líder do COP, antes de voltar também a abordar a questão do processo de naturalização de Pedro Pablo Pichardo e alguns números da Missão.

“A naturalização do Pichardo não teve a ver com o Comité, foi o Benfica que tratou depois de o ter ido contratar. Entenderam que, ao fim de um determinado período de presença em Portugal e sendo essa a manifesta vontade do atleta, a de naturalizar-se, deveriam proceder em conformidade e avançar. Depois teve de aguardar até ser aceite pela Federação Internacional de Atletismo e, a partir desse momento em que ficou tudo resolvido, entrou nos apoios do Comité”, resumiu José Manuel Constantino.

“Dos 92 atletas desta Missão, 16 de seis modalidades em 17 não nasceram em Portugal. Destes 16, seis foi porque os pais foram para lá e a formação foi feita em Portugal. 88% da nossa Missão tinha atletas com a formação olímpica em Portugal. Porque tiveram as coisas esta dimensão? Porque houve uma medalha de ouro, a questão da naturalização… Recordo-me da polémica que houve com o Alfredo Quintana e toda a gente o reconhecia, incluindo os que o criticavam. Alguns atletas até já tinham representado outros países em Jogos Olímpicos, não foi o caso do Pichardo. É um cidadão que escolhe ser português”, concluiu.