Uma aliança de organizações da sociedade civil indonésia condenou esta sexta-feira a atribuição uma das principais condecorações do país a Eurico Guterres, líder de uma das milícias responsáveis pela onda de terror em Timor-Leste em 1999.

“Apelamos ao Presidente, Joko Widodo, para revogar a atribuição da Bintang Jasa Utama que foi atribuída ao timorense pró-indonésia Eurico Guterres”, refere-se numa declaração da aliança, assinada por Fatia Maulidiyanti.

Os comentários surgem depois do Palácio Presidencial anunciar a atribuição da Bintang Jasa Utama, a Medalha de Serviço e uma das principais honras conferidas pelo Estado indonésio a Eurico Guterres, ex-comandante da milícia Aitarak, uma das responsáveis por mortes e violência nos meses antes do referendo da independência de Timor-Leste.

A medalha foi conferida a Eurico Guterres numa cerimónia no Palácio Presidencial, que pretende “reconhecer e homenagear” o líder mais conhecido das milícias pró-indonésias em Timor-Leste.

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A aliança considera que a atribuição do título serve apenas para aumentar as feridas e dor das vítimas de abusos de direitos humanos cometidos pela Indonésia e pelas milícias em Timor-Leste, confirmando a impunidade destes atos.

“O Presidente, Joko Widodo, ao dar a medalha a Eurico Guterres é como meter vinagre nas feridas das vítimas. Os esforços de lidar com as violações sérias de direitos humanos, continua a enfrentar pressão e negação”, referiu.

Recorde-se que em 2002 Eurico Guterres foi condenado a 10 anos de prisão por um tribunal ad-hoc por abusos em Timor-Leste, com a decisão a ser confirmada pelo Supremo Tribunal.

Porém Guterres acabou por ser absolvido numa Revisão Judicial em 2008.

Fatia Maulidiyanti considerou que a atribuição da medalha a Guterres é uma “grave violação da moralidade e da humanidade” e questiona a justiça para as vítimas.

“A condecoração para Eurico Guterres marca um mau precedente para o processo de democratização na Indonésia, depois de ter emergido da prisão do autoritarismo. Em vez disso, este prémio prova o quão entrincheirada está a cultura e prática de impunidade, mesmo depois de duas décadas de reformas”, enfatizou.

A aliança inclui várias organizações indonésias, incluindo KontraS, Imparsial, ELSAM, AJAR, IKOHI e a declaração conta ainda com o apoio de líderes da sociedade civil incluindo Roichatul Aswidah, Miryam Nainggolan, Sri Lestari Wahyuningroem e Uchikowati.

Guterres, de 51 anos, foi colaborador das forças indonésias e integrou a milícia Gadapaksi, grupo que se transformou em Aitarak no final de 1998 e do qual se tornou comandante.

A milícia Aitarak, que tinha a sua sede num espaço em Díli que é hoje um hotel, foi responsável, entre outros crimes, pelo ataque à casa de Manuel Carrascalão, em abril de 1999, que causou dezenas de mortos, entre eles o filho do líder timorense, Manelito.

Guterres identifica-se como “chefe da milícia dos ativistas pró-integração de Timor-Leste”, na sua página no Facebook ,na qual nos últimos dias se multiplicaram publicações de timorenses a questioná-lo sobre a entrevista.

A milícia Aitarak foi uma de várias milícias criadas pela Indonésia e que atuaram nos meses antes do referendo de 30 de agosto de 1999 em que os timorenses escolheram a independência e que foram responsáveis por uma ampla campanha de terror responsável por milhares de mortes.

O referendo pôs fim a 24 anos de ocupação ilegal de Timor-Leste pela Indonésia, abrindo a porta para a restauração da independência no país em maio de 2002.

Guterres já tinha recebido a 15 de dezembro de 2020 a Medalha Patriótica, entregue pelo ministro da Defesa, Prabowo Subianto, ele próprio acusado de abusos de direitos humanos em Timor-Leste, quando comandava as forças especiais Kopassus.

Subianto recrutou Guterres em 1994 para integrar a Gardapaksi.