O Ministério Público de Moçambique acusou esta segunda-feira os 19 arguidos do processo das “dívidas ocultas” de se terem associado em “quadrilha” para delapidarem o Estado moçambicano e deixar o país “numa situação económica difícil”.

O Ministério Público leu esta segunda-feira a acusação deduzida contra os 19 arguidos, no início do julgamento do processo principal, que decorre na Cadeia de Máxima Segurança da Machava, vulgo BO, na província de Maputo, sul do país.

Quem se associa em quadrilha para roubar ao Estado não está ao serviço do Estado. Os arguidos agiram em comunhão, colocando os seus interesses particulares acima dos interesses do Estado”, referiu Ana Sheila, magistrada do Ministério Público que leu a acusação.

A conduta dos 19 arguidos, prosseguiu Ana Sheila, delapidou o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares (2,3 mil milhões de euros) angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo.

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Todos prejudicaram o país e deixaram-no numa situação económica difícil“, enfatizou a magistrada do Ministério Público.

A acusação visou principalmente Armando Ndambi Guebuza, arguido e filho mais velho de Armando Guebuza, chefe de Estado moçambicano à altura dos factos.

De acordo com o Ministério Público, Armando Ndambi Guebuza foi quem recebeu a maior parcela do dinheiro desviado dos empréstimos mobilizados com os avales do Estado, tendo embolsado 33 milhões de dólares (28 milhões de euros).

Com o dinheiro, o filho mais velho do ex-Presidente comprou viaturas topo de gama, algumas das quais ofereceu a amigos, imóveis dentro e fora do país e pagou viagens de lazer.

Armando Ndambi Guebuza usou a influênca junto do pai, o antigo Presidente da República Armando Guebuza, para conseguir a viabilização do esquema e tirar vantagem patrimonial para si e seus comparsas”, declarou o Ministério Público.

Ana Sheila também atacou a atuação dos três dirigentes do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) arguidos no caso, a de também terem “roubado ao Estado”, o qual deviam proteger.

Os arguidos, continuou a acusação, usaram as ameaças e preocupações do SISE e do Governo com a proteção da Zona Económica Exclusiva (ZEE) para engendrarem um esquema de pagamento de subornos financiado com o dinheiro destinado à segurança das águas territoriais moçambicanas.

Para o Ministério Público moçambicano, entre os diversos crimes que os arguidos cometeram incluem-se associação para delinquir, tráfico de influência, corrupção passiva para ato ilícito, branqueamento de capitais, peculato, abuso de cargo ou função e falsificação de documentos.

Ana Sheila pediu a condenação dos arguidos e a indemnização ao Estado moçambicano pelos danos causados, assinalando que o país é hoje obrigado a pagar os empréstimos de que não beneficiou.

Além de Armando Ndambi Guebuza, são também arguidos Inês Moiane, secretária particular de Armando Guebuza, e o seu antigo conselheiro político Renato Matusse.

São igualmente acusados o antigo diretor-geral do SISE Gregório Leão e a sua mulher, Ângela Leão, o antigo diretor da inteligência económica da instituição António Carlos do Rosário e o antigo diretor do Gabinete de Estudos e Projetos da entidade Cipriano Mutota.

Doze dos 19 arguidos estão em liberdade provisória, enquanto sete aguardam o julgamento em prisão preventiva.

As ‘dívidas ocultas’ foram contraídas entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.

Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado por Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.

Além do processo principal, a justiça moçambicana abriu um processo autónomo em que várias outras pessoas são suspeitas de participação no esquema, incluindo o antigo ministro das Finanças Manuel Chang, antigos administradores do Banco de Moçambique, e antigos executivos do Credit Suisse, instituição bancária que viabilizou os empréstimos.

Sobre o caso foram também abertos processos judiciais nos Estados Unidos da América e em Inglaterra.