O congresso do Partido Socialista vai decorrer a menos de um mês das eleições autárquicas, o que leva a que alguns autarcas não consigam marcar presença porque apostam as fichas todas na campanha. Mas isso não vai impedir uma chuva de “pedidos” dos autarcas socialistas ao secretário-geral e primeiro-ministro, António Costa. Embora o Plano de Recuperação e Resiliência seja o trunfo de muitos dos autarcas em exercício há um tema mais complexo que os lideres locais do PS querem que saia reforçado deste fim-de-semana: o passo em frente na regionalização.

Na amostra ouvida pelo Observador, de norte a sul, do interior ao litoral, a regionalização é transversal a todos os autarcas ouvidos e com um acréscimo: a pandemia foi, para todos, uma situação que mostrou as mais valias do poder local.

O presidente da Associação Nacional de Municípios e presidente da Câmara de Coimbra, Manuel Machado assume a ‘ofensiva’: “Com o processo de descentralização na reta final, a nova etapa é encarar de vez a regionalização. A pandemia veio tornar clara uma situação que já era evidente para os autarcas e que não foi compreendida no referendo: a necessidade de uma reorganização administrativa do território”.

Com a experiência de quem já era presidente de câmara quando decorreu o referendo à regionalização em 1998, Manuel Machado quer que os portugueses partam para esta etapa “sem medo”. “Há pessoas que têm receio pelo projeto ter sido chumbado há uns anos, mas o tempo passou e a regionalização é fundamental. Tudo indica que hoje já não é nada complicado implementar, é sim uma necessidade”, acrescenta, pedindo esse passo em frente ao líder socialista.

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Da capital da zona centro para a beira, na Covilhã, Vítor Pereira, presidente e recandidato a um próximo mandato diz “obviamente que sim” à regionalização. O autarca aponta a “democratização das presidências das Comissões Coordenadoras de Desenvolvimento e Coordenação Regionais (CCDRs)” como um “bom exemplo deste processo, mas é preciso avançar, apesar de não ser tema que seduz muita gente”.

O presidente da Câmara da Covilhã antecipa até algumas das criticas: “Os detratores da regionalização vão dizer que lá estão eles a querer criar mais uma classe política, lá estão eles a criar mais um nível intermédio. Não é verdade. Nós queremos é aproximar o governo dos governados e quem está mais próximo são os eleitos locais e regionais”, admitindo que “não vai ser fácil encontrar um modelo consensual, mas é absolutamente indispensável que o processo avance, até para que o interior não continue nesta espiral de dificuldades”, termina, puxando a ‘brasa à sua sardinha’.

A anfitriã do congresso, a presidente da câmara de Portimão, Isilda Gomes, elogia o processo de descentralização, mas quase no final da conversa com o Observador diz: “E já agora a regionalização, claro. É um assunto que vou colocar na agenda, especialmente depois das autarquias terem mostrado que as autarquias se substituíram em muitas matérias ao poder central e deram essa amostra de capacidade de resolver os problemas. Esse será um dos pontos da intervenção de abertura”.

A opinião é partilhada por vários outros autarcas socialistas. Mais um desses exemplos é Carlos Monteiro, autarca na Figueira da Foz — e com um desafio difícil tendo Santana Lopes pela frente e que ainda não sabe se terá agenda para participar no congresso –, diz “não ter qualquer constrangimento em seguir o caminho da regionalização e incentivar o Secretário-Geral a implementar essa reforma”.

Costa no Algarve a dar “passo a passo” rumo à regionalização

O líder do PS parece não precisar de grande incentivo, tendo até na apresentação da moção ao congresso garantido que “a regionalização para o Partido Socialista não é um slogan, mas é essencial para a modernização do Estado” e apontando o próximo passo do processo para 2024, com a marcação de um referendo nacional, depois de completado o primeiro mandato autárquico com a descentralização de competências.

Bazuca europeia e o retrato do país. Da habitação à captação de empresas, da saúde à economia azul

A chegada do envelope financeiro do Plano de Recuperação e Resiliência é considerado essencial para o próximo mandato autárquico e tem sido um trunfo dos presidentes em exercício, com as necessidades dos vários aautarcas a serem também um retrato do país.

Em Portimão, onde vai decorrer o congresso, Isilda Gomes aponta a habitação como a grande prioridade. “O PRR vem dar um grande impulso à criação de habitação que é um dos problemas do Algarve, que tem setores profissionais em que as pessoas não se candidatam a vagas devido às rendas excessivamente caras. Esta é uma oportunidade para criar alternativas mais baratas para fixar quadros que a região necessita na área da saúde e da educação, sobretudo”. Também Manuel Machado, em Coimbra aponta a habitação como uma das prioridades mas não deixa de destacar a Estratégia Municipal de Saúde ou até a aprovação de um pacote de medidas de combate às alterações climáticas.

Já na Covilhã, Vítor Pereira diz que o essencial é assegurar condições para captar empresas e criar postos de trabalho. “Sem emprego não consigo fixar as pessoas aqui. Vou dar primazia a tudo aquilo que tem a ver com as empresas, com a fixação, com a expansão dos parques industriais, com as acessibilidades a esses locais para atrair mais empresas”, diz o autarca socialista que parte para um terceiro e último mandato em que quer também “fechar o ciclo das infraestruturas. A obra realizada ainda não é suficiente e esse ciclo tem que ficar encerrado e o Plano de Recuperação e Resiliência é absolutamente fundamental para esse efeito”.

Na Figueira da Foz o mar é o ex-libris e Carlos Monteiro acredita que o Plano de Recuperação pode ser a chave para o setor da educação, “colocando mais meios no Ensino Superior e na Universidade de Coimbra, o que terá reflexo na Figueira pela importância da economia azul, que poderá ter agora meios para implementar um polo universitário do concelho”, o que responde também à intenção de Santana Lopes em criar um centro de investigação em ciências do mar.

Futuro de Costa, o “secretário-geral dos autarcas”

A continuidade de António Costa como líder do PS parece agradar aos lideres do poder local. “Pela experiência que tem enquanto autarca é um encorajador da governança local. Há condicionantes e detalhes que são precisos ultrapassar e resolver, mas o António Costa tem estado do lado dos autarcas e autarquias”, diz o presidente da Associação Nacional de Municípios, Manuel Machado. A mesma tónica é seguida pela generalidade dos autarcas ouvidos pelo Observador. Isilda Gomes garante que “António Costa, tendo sido um autarca, conhece perfeitamente quais são os problemas das autarquias. É por isso que já temos descentralização de competências, porque se ele não tivesse sido autarca e não confiasse nos autarcas provavelmente ainda não teríamos nenhuma transferência de competências”.

Mesmo num território do interior como a Covilhã — que nos dados preliminares dos Censos perdeu 10% da população e foi um dos concelhos mais prejudicados –, Vítor Pereira diz que “sabendo nós que temos um interlocutor que já foi presidente de câmara, que tem essa sensibilidade e este saber e experiência da proximidade e da resolução dos problemas do dia-a-dia das pessoas”, deixa elogios ao líder socialista pela forma como tem conduzido o processo de descentralização, do qual também é fã Carlos Monteiro. “A Figueira da Foz quer continuar este trabalho de descentralização e assumir todas as competências que puder, e o maior objetivo para o próximo mandato de António Costa é continuar este trabalho. A relação com os autarcas, em geral, não apenas os do PS, tem sido de confiança e que tem dado um impulso muito importante a esta descentralização de competências que vieram de um modo geral acompanhados do respetivo envelope”, diz satisfeito.

No sábado, vai ser Isilda Gomes, enquanto autarca anfitriã a apresentar as primeiras linhas orientadoras a António Costa, mas também no que toca ao poder local o consenso pode estar encontrado: a regionalização é para avançar, por discutir ficam os detalhes: quando e como.