“Ananás [Pinneapple, em inglês]”, esta era a palavra de código para se ser salvo. Na quarta-feira, e com a data limite dada pelos talibãs — 31 de agosto — a chegar, um grupo voluntário de militares veteranos da guerra do Afeganistão concluiu uma “última missão” para salvar centenas de afegãos pertencentes à força de elite do país, além das suas famílias. Como conta a ABC News, que acompanhou a missão, a “Pineapple Express” foi bem sucedida. Porém, houve percalços e perdas humanas. E, como se fosse um filme de Hollywood, tudo começou porque se queria salvar apenas um homem.

A ABC News pôde contar esta história porque, sob segredo, teve repórteres a acompanhar esta força especial no terreno. Inicialmente, como revela o órgão de comunicação social, o objetivo era salvar um militar afegão que tinha servido com o tenente coronel Scott Mann, que liderou a missão. Se este homem fosse apanhado pelos talibãs, de quem já recebia várias mensagens com ameaças de morte há vários meses, era certo que morria.

Oficialmente, a missão não aconteceu para o exército norte-americano, tendo-se tratado apenas de uma “iniciativa privada”. Mesmo assim, e alguns sob anonimato, membros da equipa disseram ao canal de notícias norte-americano que houve colaboração com o exército dos EUA e a embaixada em Cabul para levar tudo a bom porto.

O principal problema que os membros desta missão enfrentaram foi o atentado levado a cabo por bombista suicida pertencente ao grupo extremista islâmico ISIS. Apesar de nenhuma das 13 vítimas fazer parte da equipa da Pineapple Express, alguns ficaram feridos. Mesmo assim, até quinta-feira à noite tinham salvado mais de 600 pessoas.

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Desde 16 de agosto que estes militares tentaram retirar em segurança do Afeganistão “dezenas de indivíduos de alto risco, famílias com crianças pequenas, órfãos e mulheres grávidas”, como conta o tenente coronel Scott Mann, que liderou a missão. Para não serem detetadas, esta equipa moveu secretamente estas pessoas pelas ruas e esgotos de Cabul até à multidão que tem estado no aeroporto da capital afegã a querer fugir do país. Em pares ou um de cada vez, estes veteranos conseguiram salvar alguns dos afegãos que prometeram proteger e, através do aeroporto, levá-los para fora do país.

Como era possível também salvar outros militares e os seus familiares, a missão tornou-se maior, e também mais complicada — principalmente devido ao atentado, que complicou o final da demanda. As centenas de afegãos que trabalharam com os EUA foram acompanhados em pequenos grupos pelas ruas de Cabul. Por vezes, chegaram a ser apanhados e espancados por talibãs. Dizem que tiveram sorte. Nunca lhes foram pedidas identificações: se tal tivesse acontecido, a missão tinha acabado ali e tinham sido mortos devido às ligações que tiveram com os EUA.

Um ananás no ecrã telemóvel para se ser salvo

Como revela Mann, a “Pineapple Express” contou com o apoio de infiltrados no exército norte-americano. Como explica Mann: “Este esforço hercúleo não poderia ter sido feito sem os heróis não oficiais dentro do aeroporto, que desafiaram as ordens de não ajudar além do perímetro do local e entraram em canais de esgoto e puxaram estas pessoas que estavam instruídas de que o código era mostrar imagens de ananases [Pinneapple, em inglês, daí o nome da missão] nos seus telefones”.

Estes militares e funcionários afegãos, e os seus familiares, foram avisados que iam ser salvos através de salas de conversa online privadas nas quais lhes era comunicado o local onde deveriam ir ter para poderem ser resgatados e levados para o aeroporto. Ao chegarem ao sítio indicado, tinham de mostrar o código combinado: a tal imagem de um ananás no ecrã do telemóvel.

Devido ao atentado, nem toda a gente foi salva, conta outro dos veteranos que participou nesta operação, Jason Redman. “A noite inteira foi como um passeio de montanha-russa. As pessoas estavam tão apavoradas naquele ambiente caótico. Estavam tão exaustos e eu continuei a tentar colocar-me no lugar delas”, conta o militar.

Mesmo assim, no final, foram salvas 630 pessoas, refere a equipa. O capitão Zac Lois, que foi responsável pela logística no terreno e teve a ideia de salvar estes afegãos através do sistema de esgotos, diz que este “é um número surpreendente para uma organização que foi montada apenas alguns dias antes do início das operações e a maioria de seus membros nunca se tinha conhecido pessoalmente”.

O militar, um comando afegão que desencadeou esta operação, também foi salvo. Conseguiu chegar às grades do aeroporto controlado pelos americanos e onde inúmeras pessoas têm pedido para entrar para poder sair do país. No meio da confusão, chegou a ver duas pessoas a serem mortas mesmo ao pé de onde estava enquanto tentava entrar.

À semelhança de tantos outros, não podia entrar. Eram demasiados e teve de esperar várias horas aí até que o seu fado mudasse. Quando os talibãs começaram aos tiros nesta multidão, foi direcionado com outras pessoas por militares norte-americanos para um local seguro. Quando aí chegou, berrou o código: “Ananás!”. Finalmente encontrou-se com Mann que, dois dias depois, levou a família deste militar para o aeroporto.