Os magistrados do Ministério Público anteveem “tempos difíceis” com a chegada na quarta-feira do novo ano judicial, devido à falta de meios, e o bastonário da Ordem dos Advogados (OA) manifesta apreensão com o previsível “aumento da litigiosidade”.

A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), através do seu presidente, Manuel Soares, disse, por sua vez, à Lusa que as principais matérias com “relevância mais estrutural” na agenda da ASJP para o próximo ano judicial são temas como o “reforço da transparência e integridade na justiça”, plano nacional de combate à corrupção, violência de género e tribunais, obrigações declarativas dos juízes e os tribunais administrativos e fiscais.

Adão Carvalho, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) referiu à Lusa que estes profissionais esperam “tempos difíceis, porque no último movimento ficaram muitos lugares por preencher devido à falta de magistrados”.

Segundo Adão Carvalho, a falta de meios humanos e materiais continua “a agravar-se e os magistrados do MP são obrigados a desdobrar-se em várias frentes, tendo que acumular o seu serviço de origem com o daqueles que estão ausentes do serviço por motivo de doença, gozo de licença de parentalidade ou onde não foi colocado qualquer magistrado”.

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O SMMP alerta para a recusa de o Ministério da Justiça pagar aos magistrados o valor devido pelas acumulações de serviço que têm sido feitas desde 2019, data da entrada em vigor do novo Estatuto do MP, com desrespeito pelo esforço acrescido dos mesmos.

O mesmo responsável argumentou que o quadro de pandemia de covid-19 ainda se mantém e os serviços do MP continuam “a não dispor de condições adequadas ao mesmo”, designadamente existem secções de funcionários em espaços exíguos, onde é manifestamente impossível manterem o distanciamento recomendado pela Direção-Geral da Saúde, a falta de salas próprias do MP para poderem ser realizadas diligências e de meios próprios para a realização de diligências por meios de comunicação à distância.

Advertiu também que o fim das moratórias para os créditos bancários previsto para 30 de setembro vai arrastar muitos portugueses para situações de incumprimento, o que se fará sentir ao nível do aumento do número de execuções (cobrança de dívidas) ou mesmo de insolvências não só de sociedades como de pessoas singulares.

“Já do ponto de vista criminal é de prever que a aplicação dos fundos do plano de recuperação europeu (“bazuca europeia”) derive em investigações criminais por uso indevido ou apropriação indevida dos mesmos”, previu o magistrado.

A ASJP por seu lado afirma – quanto ao reforço da transparência e integridade na justiça – que “não desistirá de colocar na agenda do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais “discussão séria e profunda do plano de reforço das medidas de prevenção e deteção de eventuais casos de corrupção judicial”.

Quanto ao Plano Nacional de Combate à Corrupção, Manuel Soares assegura que a ASJP vai emitir um parecer e pedir para ser ouvida no parlamento sobre as propostas de lei de combate à corrupção e de criminalização da ocultação de riqueza adquirida no exercício de cargos públicos.

Revelou ainda que nas prioridades estará o ‘think tank’ Agenda da Reforma da Justiça, tendo sido criado um grupo de trabalho que ao longo do próximo ano vai “estudar, debater e formular propostas de reformas estruturais no setor da justiça”, dizendo que a ASJP está “consciente da necessidade de debater reformas mais profundas na justiça e não se demitirá dessa responsabilidade”.

Em março de 2022, a ASJP pretende realizar as primeiras Jornadas Nacionais da Justiça Administrativa e Fiscal, tendo sido criado um grupo de trabalho que vai apresentar uma proposta de plano integrado de medidas para solucionar no curto prazo “a situação dos intoleráveis atrasos processuais que ainda se verificam naquela jurisdição”.

O bastonário da OA, Luís Menezes Leitão, admitiu à Lusa que estes profissionais estão “apreensivos com as consequências para os tribunais do enorme aumento do número de litígios que se espera que surjam” no novo ano judicial e que foram sendo adiados em virtude da pandemia, considerando que “é inevitável que agora venham a aparecer em grande número”.

Segundo disse, já começaram a surgir sinais sérios da forma como a pandemia afetou as empresas, com o anúncio de sucessivos processos de insolvência, incluindo em relação a empresas emblemáticas para o país.

“É muito previsível que essas insolvências de empresas se venham a multiplicar nos próximos tempos, com os inevitáveis litígios judiciais daí resultantes. Também em relação aos particulares, o fim das moratórias pode levar a que muitas famílias não consigam pagar as suas dívidas, entrando por isso igualmente em insolvência”, anteviu.

O bastonário espera também um “enorme aumento dos litígios laborais”, que, notou, já se encontra a ser antecipado pelo anúncio de sucessivos despedimentos coletivos.

“As novas regras laborais que o Governo foi impondo durante a pandemia não têm sido claras e o potencial de litígios delas resultante é enorme”, disse, notando ainda que nos tribunais cíveis também têm sido adiados muitos litígios durante este período, sendo por isso previsível que venha também a ocorrer agora um grande aumento de atividade destes tribunais.

Para Menezes Leitão, a situação é “preocupante, pois já se assiste agora à marcação de julgamentos apenas para meados do próximo ano, pelo que se pode vir a ter um grande aumento na duração dos processos judiciais”.