Salvo raríssimas exceções (o astronauta de “Os Eleitos” ou o andróide de “Aliens-O Recontro Final” e “Alien 3-A Desforra”, por exemplo), Lance Henriksen tem feito a sua carreira à base da interpretação de toda uma variedade de vilões, inclusive sobrenaturais (o vampiro confederado de “Depois do Amanhecer”, de Kathryn Bigelow). Nem sequer em “Falling-Um Homem Só”, a primeira realização de Viggo Mortensen, que também escreve, co-produz e desempenha um dos papéis principais, Henriksen consegue fugir ao estereótipo das personagens odiosas que são a sua imagem de marca na tela.

“Falling-Um Homem Só” é uma história de pai e filho desavindos. Mortensen personifica John Peterson, um piloto da aviação civil e homossexual, que vive na Califórnia com o marido e a filha adotiva do casal. Henriksen faz o seu pai, Willis, duas vezes viúvo, que continua a viver na sua quinta, apesar de estar com sintomas de demência senil. O filho vem buscá-lo para ficar uma temporada em sua casa, enquanto procuram um sítio para Willis morar e ficar mais próximo quer de John, quer da irmã, Sarah (Laura Linney). Só que Willis é pura e simplesmente insuportável, mau como as cobras, agressivo e conflituoso, o que levou a primeira mulher a acabar por sair de casa, levando as crianças.

[Veja o “trailer” de “Falling: Um Homem Só:”]

O filme está ferido por um esquematismo de caracterização humana e um reducionismo dramático chapados. Willis Peterson não tem a menor consistência ou credibilidade, é um boneco, não é uma personagem. Racista, intolerante, homofóbico e cruel, ele é uma figura pronta-a-odiar, um súmula viva dos piores defeitos humanos, uma caricatura ambulante de maldade, ressentimento e amargura, a quem é negado praticamente qualquer bom sentimento ou decência mínima, tirando um vago carinho pela neta adotiva e alguns momentos de melancolia nostálgica.

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O argumento é também bastante desastrado, já que há uma considerável discrepância entre o pai quando era jovem e como ele é agora. Viggo Mortensen não nos consegue explicar como é que o Willis do passado, que levava o pequeno John a caçar patos e não se zangava por ele não ser capaz de disparar contra uma ave, e era um marido severo e ressentido por causa dos interesses intelectuais e artísticos da mulher, mas sem historial de maus-tratos ou de violência contínua, se transformou no Willis do presente, um monstro cuspidor de fel, insultos e provocações em jato contínuo.

[Veja uma entrevista com Viggo Mortensen e Lance Henriksen:]

O simplismo que domina a fita vale também para John e restantes familiares. O que Willis tem de vil, preconceituoso e amargo, têm eles de bondoso, tolerante e paciente. As coisas que o filho e a sua família californiana irrepreensivelmente “woke” lhe aturam, estão para lá de qualquer plausibilidade. Em “Falling-Um Homem Só”, Viggo Mortensen está, afinal, a pôr em confronto, através das personagens de pai e filho, aquilo que no seu viés mental e ideológico são duas Américas irreconciliáveis, uma condenável, a outra exemplar. A “reaccionária”, atávica, boçal e rural, dos “deploráveis” como o fanático Willis (que vota Republicano) e a “progressista”, urbana, fofinha e “inclusiva” dos “virtuosos”, como o nobre John (que vota Democrata).

Viggo Mortensen mostra-se incapaz de subtileza, de fineza ou de “nuance” a qualquer nível. O seu mundo, tal como se manifesta em “Falling: Um Homem Só”, é um mundo forçada e irremediável polarizado, a preto e branco emocional, dramático, moral, social, geracional. E também politicamente intragável.