Rui Moreira, que concorre para um terceiro mandato à frente da Câmara Municipal do Porto e que as mais recentes sondagens dão uma nova maioria absoluta — vai a julgamento no caso Selminho ainda este ano e arrisca-se a perder o mandato. Esse ameaçava ser o tema quente no debate televisivo desta noite, mas nenhum candidato o quis usar como arma de arremesso político. “À justiça o que é da justiça”, defenderam alguns candidatos, enquanto outros alertaram para a possibilidade de os portuenses estarem a votar em alguém que pode nem sequer cumprir o mandato até ao fim. Quanto a Rui Moreira, não saiu do seu registo: acredita que a sua inocência será provada.

Durante o debate televisivo que durou 1h30 o foco foi, sobretudo, a habitação, tal como aconteceu em Lisboa na quarta-feira. E aí, praticamente todos os restantes seis candidatos, do Chega ao Bloco de Esquerda, já quiseram quebrar o gelo e atacar os últimos oito anos de mandato de Rui Moreira no Porto. Quanto aos seus principais adversários, Tiago Barbosa Ribeiro e Vladimiro Feliz, que ainda tiveram de justificar o porquê de não serem segundas escolhas dos seus partidos, quase nunca o tiraram do sério.

Mas primeiro, o caso Selminho. Se praticamente todos os candidatos chutaram para canto uma bicada mais feroz para proveito político — até mesmo Ilda Figueiredo (CDU) que referiu ter sido o seu partido a denunciar o caso ao Ministério Público –, houve um ataque à direita, mas muito leve.  A campanha do PSD no Porto tem usado mais do que uma vez o agora julgamento de Rui Moreira, sendo que Rui Rio chegou a admitir que o seu sucessor se deveria demitir. Por isso, Vladimiro Feliz, sem usar o caso, mas usando, não deixou de fazer um aviso aos eleitores do Porto: “Tem o direito de se defender, mas preocupa-me que a meio do mandato tenha que ceder o seu lugar ao número dois, os portuenses podem estar a votar no número dois”, referiu, lembrando que foi o próprio Rui Moreira a tornar o caso político depois de ter feito uma declaração sobre o tema na autarquia da cidade.

Ainda assim, a 26 de setembro não se vai eleger o número dois, portanto, se o debate estava morno, civilizado e sem sangue, era preciso mudar o tema. Tal como no debate em Lisboa do dia anterior, e por estarmos numa altura em que o país começa agora a tentar recuperar da crise criada pela pandemia, era mais do que óbvio que se falaria sobre Covid-19. Mas não. O tema que tomou grande parte do tempo de debate foi mesmo a habitação.

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A cordialidade terminou assim que Tiago Barbosa Ribeiro, a par da promessa de dar prioridade à habitação para a classe média, resolveu apontar baterias “à inação” da autarquia liderada por Rui Moreira nesta matéria. Preços “incomportáveis”, mediana do metro quadrado a aumentar exponencialmente e um acréscimo brutal no alojamento local em algumas regiões da cidade. Aí, praticamente todos os candidatos se alinharam para atacar “o modelo de negócio da cidade” gerida por Rui Moreira: as pessoas estão a ser expulsas do Porto, é preciso comprar e reabilitar habitação, investir em cresces, zonas verdes, de convívio e parar de “castigar” quem tenta voltar à cidade.

Ora, e se Rui Moreira parece não ter tido grande oposição nos seus últimos oito anos à frente da câmara, tal como defendido pelo BE, não se livrou de enfrentar alguns candidatos bem preparados neste debate. Bebiana Cunha, líder parlamentar do PAN, foi talvez a surpresa da noite. Com a lição estudada, enumerou aquilo que o programa eleitoral de Rui Moreira de 2013 deixou por cumprir, sugeriu a criação de um Conselho Municipal de Habitação e fez um levantamento das situações mais críticas, desde a pobreza energética aos sem abrigo. Já António Fonseca (Chega), presidente da União de Freguesias do centro histórico do Porto do atual executivo, resolveu voltar atrás no tempo para sugerir a Rui Moreira que se faça o que se fez em 1980: a autarquia comprar habitação e metê-la a sorteio.

Depois de tanto número e promessas por cumprir e para cumprir, faltava Rui Moreira defender-se. Aí, já com bicadas mais ferozes a Tiago Barbosa Ribeiro, a quem tentou colar ao máximo à governação socialista de António Costa, o autarca argumentou que nos seus dois últimos mandatos tem imperado um grande investimento da habitação — mesmo com a carência atual de 3 mil casas para habitação social — lembrou o programa “Porto Com Sentido” (ajudar famílias a pagar as suas rendas durante a pandemia) e negou que não tenha colaborado com o governo nesta matéria, nomeadamente no Monte Pedral na Cedofeita — antigo quartel que servirá para habitação acessível. “Ainda ontem vimos isso, o PS tem esta visão: promete que tem novas políticas há seis anos, depois não chega nada”, referiu. Tal como tem feito nas suas intervenções públicas, o estilo escolhido por Rui Moreira foi o mesmo: o alvo neste debate foi o governo de António Costa, personificado pelo deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro.

Já na reta final, o debate transformou-se numa reunião de Assembleia Municipal. Mais políticas autárquicas, menos política mediática ou nacional. Pode tirar entusiasmo ao debate e audiência, mas é também disto que se tratam estas eleições — dos detalhes que interferem na vida dos munícipes. E de ideias para adaptar cidades antigas, como o Porto, ao futuro. Falou-se de retirar veículos na cidade, da VCI poder vir a ter portagens — que Rui Moreira nega — de ter transportes públicos gratuitos, de ciclovias ou da qualidade do ar da cidade do Porto. E até de pilaretes. Ou melhor: do excesso de pilaretes na cidade que dificulta muito a mobilidade.

Nada de extraordinário aconteceu para debilitar de forma significativa a posição que Rui Moreira vai registando nas sondagens. Nem mesmo um debate morno, mas com discussão autárquica séria, parece beliscar esse resultado. Afinal, neste debate, “ninguém estava lá para se zangar”, como notou o incumbente. Nem mesmo no caso Selminho.