Em 1959, Jean-Paul Belmondo, que morreu esta segunda-feira em Paris aos 88 anos, tinha acabado de regressar da tropa na Argélia e encontrou na rua, em Paris, Jean-Luc Godard, com o qual tinha pouco antes rodado a curta-metragem “Charlotte et son Jules”. Godard disse-lhe para ir ao escritório dos irmãos Hakim, dois dos maiores produtores de então, porque havia um papel principal para ele no filme “Pedido de Divórcio”, realizado por um seu colega de crítica dos Cahiers du Cinéma, Claude Chabrol. Belmondo, que até aí tinha tido apenas um punhado de pequenos papéis em filmes, e queria ser ator de teatro e pugilista, a sua outra grande paixão, recusou, atirando a Godard: “O cinema é uma estupidez!”.

Morreu Jean-Paul Belmondo, uma das maiores estrelas do cinema francês

Mas o amigo lá o convenceu, Belmondo conseguiu o papel e fez-se notar em “Pedido de Divórcio”. E logo a seguir, Godard dirigiu-o no “rapaz mau” de cigarro pendurado nos lábios em “O Acossado” (1960), um colossal sucesso que o transformou de ator praticamente desconhecido em vedeta. E juntamente com Alain Delon, Johnny Halliday, Françoise Hardy, Sylvie Vartan ou Françoise Sagan, num dos nomes de topo e principais símbolos de uma Nova Vaga que não o era apenas no cinema como também na música e na literatura, e que marcaria a modernidade de uma França pós-colonial e cada vez mais próspera e consumista.

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Com o seu ar de anti-galã, mas nem por isso menos sedutor, o seu modo único de ser, estar e falar, e a sua “gouaille”, o estilo zombeteiro e insolente de “pintas” parisiense, o filho do pintor e  escultor Paul Belmondo iria, num primeiro tempo, ser identificado com o cinema disruptor e renovador da Nova Vaga, rodando mais dois títulos de referência com Jean-Luc Godard, “Uma Mulher é uma Mulher” (1961) e “Pedro, o Louco” (1965). Mas irá transformar-se, graças ao filme de capa e espada “Cartouche” (1962), que marca o seu encontro com Philippe de Broca, e muito especialmente ao jubilatório e vertiginoso “O Homem do Rio” (1964), do mesmo de Broca, na maior e mais brilhante estrela do cinema de ação, aventuras e policial francês entre as décadas de 60 e 80. Nascia o popularíssimo “Bébel”.

Este “Bébel” plebiscitado pelo grande público em filmes que faziam milhões de entradas, sorridente, expansivo, truculento e acrobático, e que recusava “duplos” mesmo nas mais perigosas cenas de ação, herói de “As Atribulações de um Chinês na China”, de Philippe de Broca (1965), de “Borsalino”, de Jacques Deray, ao lado de Delon (1970), de “Os Noivos da Revolução”, de Jean-Paul Rappeneau, de  (1971), “O Magnífico”, de de Broca (1973), “O Profissional”, de Georges Lautner (1981) ou “O Ás dos Ases” (1982), de Gérard Oury, não deve fazer esquecer o Belmondo herdeiro de Jean Gabin e da sua escola clássica, com o qual entrou em “Um Macaco no Inverno”, de Henri Verneuil, com diálogos do lendário Michel Audiard (1962); e que rodou também com Jean-Pierre Melville, François Truffaut (“A Sereia do Mississipi”, de 1969), Vittorio De Sica, Claude Sautet, Louis Malle, Alain Resnais (“Stavisky, o Grande Jogador”, de 1974, de que também foi produtor) ou até Marguerite Duras ( “Recusa”, de 1960).

O ator, aliás, sempre insistiu que os filmes mais autoristas e os filmes espectaculares de indústria que fez não eram de modo algum opostos, ao contrário do que alguma crítica bem-pensante pretendia, constituindo duas faces de uma mesma carreira de que ele se orgulhava, e duas componentes complementares do cinema francês, uma mais artística, outra mais comercial, ambas importantes A estrela de Belmondo começou a empalidecer na década de 90, mas mesmo assim, ainda fez alguns filmes assinaláveis, caso do melancólico “Itinerário de uma Vida”, de Claude Lelouch (1988), “L’Inconnu dans la Maison”, de Patrice Leconte (1992), ou a comédia “Désiré”, de Bernard Murat (1996).

Jean-Paul Belmondo era um dos últimos representantes de uma brilhante e versátil geração de atores revelados no pós-guerra, e que incluiu ainda Delon, Jean Rochefort, Bruno Cremer, Philippe Noiret, Jean-Pierre Marielle, Claude Rich ou Françoise Fabian. Regressado ao teatro em 1987, após quase 30 anos de ausência, teve ali alguns estrondosos sucessos, com “Kean”, de Jean-Paul Sartre, segundo a peça de Alexandre Dumas (depois transformado em telefilme), e “Cyrano de Bergerac” (1989-90), ambas encenadas por outro ator, Robert Hossein, bem como duas comédias de Feydeau, entre 1993 e 1997. Em 2001, a saúde obrigou-o a retirar-se do cinema e dos palcos. Em 2016, publicou as suas memórias, Mille Vies Valent Mieux qu’une. “Bébel”, o “magnífico” do cinema francês, viveu-as todas na tela, e muito bem vividas. “Salut l’artiste!”.