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O festival Tremor começou a "voltar à vida": "Parece a rentrée do mundo que tínhamos antigamente"

Este artigo tem mais de 2 anos

O festival que decorre na ilha de São Miguel está de volta. No primeiro dia, esta terça-feira, a grande revelação foi esta: afinal, os festivais de música ainda são festivais de música.

O importante no concerto de Larry Gus não foi só o que o artista fez, foi a forma como o público à sua frente lhe respondeu
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O importante no concerto de Larry Gus não foi só o que o artista fez, foi a forma como o público à sua frente lhe respondeu

Carlos Brummelo

O importante no concerto de Larry Gus não foi só o que o artista fez, foi a forma como o público à sua frente lhe respondeu

Carlos Brummelo

O relógio marcava 23 horas e 14 minutos em Ponta Delgada, cidade da ilha de São Miguel, nos Açores. O dia: terça-feira, 7 de setembro de 2021.

Era, infelizmente, demasiado cedo para nos lembrarmos (lamentavelmente só aconteceria umas horas depois) que teria dado jeito registar melhor o momento, perceber por exemplo quantos graus estavam naquele exato minuto. Convinha que fosse possível detalhar exaustivamente os momentos históricos, mas à falta de melhor resuma-se assim: eram 23h14 em Ponta Delgada, dia 7 de setembro de 2021, quando o que há uns meses era impensável aconteceu.

Naquele minuto, nesta noite, um festival de música quase voltou a ser um festival de música e a música ao vivo quase voltou a ser música ao vivo.

No palco instalado no Arquipélago — Centro de Artes Contemporâneas, um impressionante edifício de fins do século XIX reconvertido (fora antes uma fábrica de destilação, primeiro, e seria utilizado depois para secagem e armazenamento de tabaco), um artista grego chamado Larry Gus pulava e corria mais ainda do que fizera ao longo de todo o seu concerto, de microfone na mão. E atenção: Larry Gus suou as estopinhas em palco. Mas o importante naquele momento não era só o que o artista fazia (Gus que nos perdoe), era a forma como o público à sua frente lhe respondia.

Larry Gus

Vera Marmelo

Desde a atuação anterior — a segunda do primeiro dia do festival Tremor — que o cenário que se via na plateia, à frente do artista que tocava, era bem diferente de tudo o que se assistiu desde que a pandemia da Covid-19 chegou a Portugal. Mas o concerto de Larry Gus foi toda uma outra história e às 23h14 teve o seu clímax: nas primeiras filas em frente ao palco, em que já se dançava de pé há uma série de minutos, a dança escalou e o espaço parecia já uma blackbox ao ar livre, com corpos próximos uns dos outros e cervejas multiplicadas.

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Tudo isto parece novo mas tudo isto decorre também do ritmo ao que os Açores e a cidade de Ponta Delgada estão a retomar alguma da normalidade pré-pandémica. Esse ritmo é mais rápido do que no continente e, ao contrário do que acontece em quase todo o território nacional, já é possível aqui fazer concertos ao ar livre para público de pé (não há regras que o impeçam). Já se vai ensaiando aliás, aqui e ali (um fim-de-semana ou outro), a reabertura de algumas discotecas, contavam-nos alguns locais.

É quase como se fosse um país diferente, um país um pouco mais adiantado no regresso à normalidade: em Ponta Delgada e no festival Tremor, que arrancou esta terça-feira e se prolonga até à noite de sábado, já é possível ver alguns concertos (não todos) de pé e já é possível (em alguns casos) ir comprar bebidas ao bar e levá-las para perto do palco. Por uns minutos, e contrariamente ao que ainda se sentiu ao longo de quase todo o dia inaugural, parecia que a Covid-19 tinha sido só um pesadelo tido por muita gente.

Para a maioria, que não estava a par da maior flexibilidade de regras pandémicas em São Miguel, a hipótese de voltar a ver concertos de pé ao ar livre e com uma cerveja na mão era inesperada. Foi-o por exemplo para Ana, de 31 anos, que viajou de Lisboa e que contava ao Observador não estar à espera de “ao entrar no Arquipélago, ver pessoas de pé a dançar, a fumar, a conversarem umas com as outras sem máscaras”.

O que esperava Ana, uma das muitas lisboetas que se deslocaram a Ponta Delgada para um festival que conta ainda com vários espectadores internacionais, era que “os concertos fossem todos sentados, de máscara” e que não fosse possível “beber em lado nenhum”. Não foi bem isso que viu. “Parece que é um bocado a rentrée do mundo que tínhamos antigamente, obviamente que ainda com muita cautela“, dizia ainda, acrescentando: “Eu e muitas pessoas vimos outros a dançar à frente, mais próximos, e ficámos um pouco mais atrás. Mas não me senti minimamente insegura. Para vir aos Açores é preciso certificado ou teste. Ao estar vacinada, sinto-me mais segura”.

Surpresa similar teve Polly, britânica de 32 anos que chegou a Portugal já durante a pandemia da Covid-19 e que por aí ficou. Deslocou-se de Lisboa para o festival e contava ao Observador o que sentiu quando entrou no Arquipélago, já Larry Gus atuava no último concerto da noite: “Foi como se tudo fosse ficar bem novamente. Senti-me como se estivesse a voltar à vida. Parecia que isto tinha deixado de ser assim há muito tempo mas rapidamente foi como se nada tivesse acontecido, como se isto fosse o normal”.

Polly contava ao Observador ter sentido “espanto e maravilhamento” assim que chegou ao Arquipélago e viu já muita gente a dançar e outros tantos mais imóveis mas de pé, a ver um concerto de cerveja na mão. Umas horas antes, quando chegara ao Teatro Micaelense para ver o concerto de abertura da edição de este ano do festival, “não parecia estar tanta gente” e o cenário era outro, explicava: como a atuação aconteceu em espaço fechado, num teatro, o público ficou sentado, de máscara sempre colocada e distanciado.

Foi como se tivesse desligado alguma coisa na minha cabeça e não me conseguisse preocupar. Se isto fosse num espaço fechado, ter-me-ia sentido diferente. Sendo música ao ar livre, senti alegria acima de qualquer outra coisa. Vi vídeos de amigos em Londres a ir a discotecas em espaço fechado e isto é muito melhor”, referia ainda a britânica.

Polly, 32 anos, e Ana, 31, faziam parte de um mesmo grupo que já chegara a Ponta Delgada uns dias antes. Tal como Marta, de 31 anos, que vincava ao Observador que os dois concertos noturnos terem decorrido ao ar livre “foi uma vantagem muito grande” e “dá-nos muito mais segurança”.

Encontrando na organização do festival “regras, mas já não a rigidez do ano passado”, Marta lembrava que no primeiro concerto em sala fechada “seguiram-se todas as regras — o distanciamento social, a máscara, o não se poder beber — e isso dá a sensação de que está a haver cuidado, que a organização sabe o que faz e está a cuidar de ti“.

Norberto, Ricardo e um Filho da Mãe: um trio de luxo

O momento em que o Tremor mais pareceu um festival de música como previamente os conhecíamos foi mesmo com Larry Gus, artista difícil de descrever: cantor grego (pouco importado com a afinação), podemos dizer, mas também espírito frenético e elétrico que entre dança, samples e batidas e ritmos de pop eletrónica e psicadélica agitou ancas e pés de quem o ouvia no Arquipélago açoriano.

Antes disso, porém, a antiga fábrica reconvertida em Centro de Artes Contemporâneas já recebera um concerto noturno, que juntou dois dos mais talentosos guitarristas portugueses — Norberto Lobo e Filho da Mãe — ao baterista Ricardo Martins.

Em modo “power trio”, Norberto Lobo, Filho da Mãe e Ricardo Martins deram um portentoso concerto, com o incansável baterista a mostrar-se capaz de acompanhar com grande destreza e força o peso sonoro dos riffs serpenteantes dos parceiros.

Norberto Lobo, Ricardo Martins e Filho da Mãe

Carlos Brummelo

Na altura em que o trio português subiu ao palco do Arquipélago, o cenário ainda era outro: já havia quem visse o concerto de pé e de cerveja na mão, a alguma distância, mas nas primeiras filas predominavam as pessoas sentadas. As últimas estavam aliás em local privilegiado para sentir a força da busca sonora deste novo trio, com baterias e guitarras em transes elétricos (e mentais) muito próprios, Norberto Lobo e Filho da Mãe a escavar as cordas e a procurar encontrar o ouro no espaço que a repetição dos acordes oferece à surpresa de riffs inesperados.

Nada daquilo pareceu inteiramente ensaiado, antes uma espécie de dança que sabemos como começa mas não sabemos como acaba. A ideia que dava era de que Norberto Lobo, Filho da Mãe e Ricardo Martins tinham definidas as estruturas musicais base — os esqueletos dos sons— para cada um dos blocos tocados. A partir daí, era uma viagem e uma busca só deles.

Jerry The Cat e a Escola de Rabo de Peixe: que colaboração foi esta?

Se a primeira noite do Tremor 2021 foi no Arquipélago, o primeiro fim da tarde foi, como habitual, no Teatro Micaelense. Como tem vindo a acontecer, a abertura ficou a cargo de uma colaboração entre a Escola de Música de Rabo de Peixe e convidados. O eleito este ano foi o norte-americano Jerry The Cat, músico, produtor e DJ de Detroit que vive em Portugal há muito.

Com um grande historial de colaborações (tocou por exemplo com Parliament/Funkadelic e foi músico de sessão da Motown), formado em Matemática e com valias pedagógicas pelo cargo de professor (também de música), Jerry the Cat viu nos instrumentistas — mais novos e mais velhos — da Escola de Música de Rabo de Peixe a oportunidade ideal para tocar uma espécie de distopia orquestral, com laivos jazzísticos e eletrónicos.

Jerry The Cat e a Escola de Rabo de Peixe

Vera Marmelo

O concerto não foi longo mas foi arrojado, com sons de ambiente (de pássaros e de vento) a intrometerem-se com a eletricidade, com a eletrónica a dialogar com o jazz e com crescendos épicos e paredes violentas de som. Se escrevemos “distopia” é porque para esta música, que parecia por vezes quase free-jazz de orquestra, Jerry the Cat e a Escola de Música de Rabo de Peixe canalizaram nervos e raivas (seriam pandémicas?), ouvindo-se gritos a pontuar a viagem instrumental.

Entre blocos mais dissonantes e estridentes e outros mais melódicos (para os quais muito contribuíram o pianista e o trompetista da escola de música), com um globo a passar por várias mãos na ponta final do concerto, foi um concerto de abertura que não terá sido exatamente consensual, até por não se tratar de música nada acessível. Mas foi, isso garantidamente, um concerto em que Jerry The Cat, a dar ares do seu conterrâneo Jeff Mills, pegou em estéticas de música tradicionalmente mais institucionais e criou sons novos com elas, um mundo novo por explorar. O futuro passou por aqui.

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