No último ano e meio – pelas razões que bem conhecemos –, ouviram-se quase diariamente, e vindos de diferentes instâncias, apelos ao distanciamento social, expressão que rapidamente entrou no léxico diário da população.
Esse distanciamento foi, quase unanimemente, praticado. Durante os períodos de confinamento de forma mais visível e imediata, é certo, mas antes e depois também. Se não em permanência, pelo menos em pequenos atos do dia a dia, devido a alterações significativas às rotinas ou momentos que estimulavam a proximidade física: os abraços que passaram a acenos ou cotoveladas, as reuniões que passaram a videochamadas, as grandes viagens que passaram a deslocações essenciais, entre outros exemplos.
Estamos, lentamente, a regressar à normalidade, mas há quem continue a pagar um preço bastante elevado — no que respeita, sobretudo, à saúde mental — por esta súbita mudança de comportamento e paradigma social e até profissional, com o advento do teletrabalho. E porquê? Porque, regra geral, somos seres sociais que precisam do exato oposto de distanciamento: proximidade.
Não podendo viajar, abraçar, reunir ou festejar como sempre fizemos, torna-se difícil obter essa proximidade na medida necessária. Até porque proximidade e distanciamento serão, à partida, expressões antagonistas, incompatíveis. Mas serão de facto?
A arte e o poder da proximidade
Clarice Lispector, escritora brasileira, dizia que estava bastante acostumada a estar só, mesmo junto dos outros. Será, então, e pelo contrário, possível a alguém estar bastante acostumado a estar próximo, mesmo estando só?
Talvez. Usemos a literatura como exemplo. Uma boa história terá sempre o poder de nos transportar para próximo das suas personagens e de nos fazer sentir no mesmo espaço que o narrador. Certas vozes literárias muito intensas serão capazes de se entranhar no âmago do leitor a cada página, como se fossem pessoas reais, de carne e osso, e lhes fosse impossível chegar mais perto. Uma boa descrição de uma rua ou de uma batalha será capaz de nos fazer sentir nessa rua ou nessa batalha, próximos de quem nela habita ou combate sem que tenhamos, para tal, de largar o conforto do sofá.
E estas sensações são válidas para todos os tipos de arte, não apenas para a literatura. Encontram-se, à sua maneira, no cinema, na música, na fotografia, na pintura, na dança ou até nos videojogos – sim, é possível desenvolver relações de proximidade com personagens virtuais que respondem aos comandos de uma consola.
10 setembro
O Abecedário – Festival da Palavra começa dia 10 de setembro e terminar a 12 de setembro, em Lisboa
Festival da Palavra: o festival que aproxima
Afinal, a proximidade tem muito que se lhe diga. E é por isso que será esta a palavra homenageada na 3.ª edição do Abecedário – Festival da Palavra, mais uma vez promovido pela Cabine de Leitura, em colaboração com diversas livrarias de rua, e que irá decorrer entre os próximos dias 10 e 12 de setembro.
Ao longo desses três dias, acontecerão diversas tertúlias dedicadas a diferentes perspetivas e vertentes da palavra proximidade — tanto fisicamente como online, uma novidade que trará ao festival convidados de outras cidades e países, aproximando-os e às livrarias onde se encontrarão, fazendo assim jus à palavra que dá o mote ao evento.
As tertúlias — às quais se juntará o concerto de música de jazz André Carvalho “Lost in Translation” e a apresentação do projeto Roda Livro Itinerante — acontecerão em Lisboa, nas livrarias Barata, Stolen Books e Tinta nos Nervos, com a participação de convidados de diversas áreas (do jornalismo à arte urbana), e serão dedicadas aos seguintes temas:
- “O futuro já começou” (10/09, 17h, Livraria Barata): a proximidade como valor para o futuro — na família, no trabalho, na vida, em relação ao país. Conversa com vários jovens com menos de 20 anos, com moderação de Rita Rato Nunes, que contará, ainda, com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
- “Cidade aberta” (11/09, 11h, Stolen Books): a importância da cidadania participativa, da sustentabilidade urbana, do comércio e da cultura de proximidade no planeamento estratégico e na gestão das cidades. Conversa com Helena Freitas, José Carlos Mota, Felipe Ribenboim, Hercula Cachinho e moderação de Tiago Fortuna.
- “A informação quer-se próxima?” (11/09, 16h, Tinta nos Nervos): a informação de proximidade, local, e o paradoxo do controle da informação, censura e cultura de cancelamento. Conversa com Rita Figueiras, José da Costa Ramos, Mónica Ferro, Sara Belo Luís e moderação de Paulo Markun.
- “Ler aqui tão perto” (11/09, 19h, Tinta nos Nervos): uma conversa entre escritores e livreiros de Portugal e do Brasil sobre cultura, língua portuguesa, o papel da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa e quais os desafios para as pequenas livrarias nestes novos tempos pós-pandemia. Conversa com Cláudia Lucas Shéu, Lira Neto, Filipa Martins, Lúcio Zaccara e moderação de João Gabriel de Lima.
- “Arte ao virar da esquina” (12/09, 11h, Stolen Books): a arte urbana e as intervenções no espaço público, o papel da educação, do digital, do design, da surpresa na regeneração urbana. Conversa com Vanessa Teodoro, Rui Matoso, Manuel Lima, Rejane Cantoni e moderação de Susana Piteira.
- “A nova vida” (12/09, 16h, Livraria Barata): como vamos viver o amor, a amizade, o relacionamento social num tempo dominado em parte por máscaras e desconfiança? Conversa com Ana Bacalhau, Ana Bárbara Pedrosa, Patrícia Portela, Abraão Vicente e moderação de Vítor Belanciano.