Os 20 anos dos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 estão aí à porta e as televisões generalistas e os canais por cabo não esperaram pela data certa para começarem a exibir séries documentais e filmes alusivos à tragédia que mudou o mundo no início do nosso século. Mas o único filme que se vai estrear em sala sobre o 11 de Setembro, “Valor da Vida”, de Sara Colangelo, praticamente não tem, como aqueles, imagens das Torres Gémeas atingidas pelos aviões desviados pelos terroristas islâmicos, a arder e desabar, ou filmadas no seu interior, nem do pânico generalizado e da incredulidade coletiva em Nova Iorque e em Washington.

“Valor da Vida” passa-se depois dos ataques e centra-se em Kenneth Feinberg (Michael Keaton), o advogado especializado em litígios que foi encarregue pelo governo dos EUA para gerir o fundo de compensação criado para indemnizar os familiares das vítimas, e calcular quanto deveria ser pago a cada uma delas. Ou seja, de definir quanto valia cada vida humana perdida na tragédia. Feinberg e a sua equipa, cientes de que não se pode atribuir um valor à vida de uma pessoa, tentam abordar o caso da forma mais justa, objetiva e desapaixonada possível, seguindo a letra da lei e evitando considerações filosóficas ou outras que abram lugar à subjetividade.

[Veja o “trailer” de “Valor da Vida”:]

Os EUA são uma sociedade litigiosa e Feinberg, pressionado de vários lados e  obrigado pelo governo a cumprir um determinado objetivo em termos de percentagens, concebe uma fórmula baseada no estatuto financeiro de cada vítima, que lhe parece a mais adequada e equitativa. Mas que não considera a complexidade do real e das relações entre as pessoas. Entra então em cena Charles Wolf (Stanley Tucci), que perdeu a mulher nos atentados, não concorda com a fórmula proposta e cria um grupo, Fix the Fund, para corrigir as deficiências do fundo. E fazer perceber ao jurista que a rigidez legal e a frieza matemática não são compagináveis com a delicadeza e a particularidade de muitos casos humanos. Há que mexer na fórmula das indemnizações e atender às situações especiais e mesmo insólitas. Ou seja, humanizar o processo.

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“Valor da Vida” é um filme que vive ou morre pela escrita, pelo tom e pelas interpretações. E a realizadora e o argumentista Max Borenstein não deixam que ele soçobre, ao fugirem à caracterização maniqueísta das personagens, à simplificação moralista ou demagógica, à exploração rasamente sentimental da tragédia e das situações dramáticas que criou, e à ostentação melodramática. No que são ajudados pelo “understatement” das interpretações, não só as de Keaton e Tucci, como também as dos secundários, caso de Amy Ryan na associada de Feinberg ou de Laura Benanti na mulher do bombeiro morto numa das torres e que recusa liminarmente receber dinheiro pela sua perda.

[Veja uma entrevista com Michael Keaton:]

Parcimonioso nas emoções, elíptico, verista e cheio de detalhes tocantes (a etiqueta que a mulher de Wolf deixou no recipiente com comida antes de sair na manhã dos ataques, e que este cola na parede da cozinha como recordação) ou que contribuem para credibilizar e humanizar as personagens (o gosto pela ópera partilhado por Feinberg e Wolf), “Valor da Vida” cede por um momento à convenção “feel good” no final. Mas é, no resto, uma obra consistente e sensível, ponderada e compassiva, e que não perde o norte ao que significa ser humano. Merece por isso constar em qualquer lista que se faça de bons filmes sobre o 11 de Setembro, e sobre a tragédia menos visível dos que perderam entes queridos nesse dia.