O cenário foi o salão nobre do centenário Teatro Nacional São João e de pé estiveram os sete principais candidatos à câmara municipal do Porto durante cerca de uma hora. Com sorrisos irónicos, papéis com gráficos e recurso a notícias com mais de 10 anos, o debate autárquico foi suave. O primeiro tema em cima da mesa não foi o habitual caso Selminho, que neste segundo debate televisivo foi completamente ignorado por todos, mas sim a projeção internacional da cidade.

A primeira intervenção da noite foi do atual autarca, Rui Moreira, que confrontado com as críticas de vender internacionalmente uma imagem do Porto que não corresponde à realidade que os portuenses vivem, defendeu-se dizendo que a cidade sofre “dores de crescimento” habituais em casos como este. O independente que concorre ao terceiro mandato recorda que além do famoso vinho do Porto e do Futebol Clube do Porto era necessário mostrar outras facetas da Invicta. “A atração de investimento faz-se ao explicar que o Porto tem uma universidade, centros de pesquisa e capacidade de atrair congressos”, sublinha, não ignorando — “há problemas”, mas acreditando que tem “conseguido dar qualidade de vida aos portuenses”.

Para Tiago Barbosa Ribeiro, candidato socialista, grande parte desta qualidade de vida prometida prende-se com a existência de habitação acessível, esta tem sido, aliás, a bandeira maior da sua candidatura, definindo desde logo como a sua principal prioridade. O PS foi responsável pelo pelouro da habitação durante o primeiro mandato de Moreira na câmara, em 2013, e Barbosa Ribeiro aproveita a oportunidade para puxar os louros de alguns feitos como a construção do Bairro D. Leonor, a requalificação das ilhas ou o arranque da recuperação do Mercado do Bolhão, dizendo mesmo que Rui Moreira “tira agora da fotografia alguns dos seus protagonistas”. O candidato do PS insinua o mesmo quando garante que a projeção internacional da cidade arrancou à boleia da Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura, exatamente com o PS conduziam os caminhos da câmara. Outra das causas para os portuenses não terem a tão desejada qualidade de vida é a diminuição do poder de compra e, aí, o candidato socialista mostra um gráfico que compara os números relativos a esta matéria entre 2013 e 2017.

Quase sem Selminho, com habitação, mobilidade e pilaretes, Rui Moreira saiu ileso do debate no Porto

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Vladimiro Feliz, que já foi vice-presidente da autarquia quando Rui Rio era presidente e até apoiou Rui Moreira no seu primeiro mandato, não tem dúvidas de que a cidade está pior. “Se o Porto estivesse melhor, eu não estaria aqui. Tenho a minha vida profissional bem resolvida”, diz, acusando logo a seguir Moreira de mencionar “um Porto que não existia” e de o seu movimento de não ter garantido a dinâmica prometida em 2013. “Ainda hoje, quando estava a vir para aqui, tiveram que me ir buscar de mota a meio do caminho porque estava empancado no trânsito na rua da Restauração. Isto mostra o caos em que o Porto está.” Também o social democrata tirou um papel da cartola para mostrar que o Porto já era considerado melhor destino europeu em 2011 e 2012, época em que Vladimiro Feliz era vereador do turismo “com muito orgulho”.

Ilda Figueiredo, vereadora no município desde 2017, começou a sua intervenção por falar, mais uma vez, da especulação imobiliária. “É um dos graves problemas na cidade e que tem repercussões muito sérias na vida das pessoas, que neste momento estão a receber notificações de despejos e a viver com imensas carências”. Para a candidata da CDU, o Porto continua sem ter “uma política de contenção e regulamentação de alojamento locais” e deixa também algumas farpas ao poder central. “A política nacional, e o candidato do PS tem de ter isso em conta, não investiu o que devia na cidade, não criou emprego com salários dignos. Temos assistido a muitas lutas”, frisou.

António Fonseca é candidato do Chega, mas ainda assume a função de presidente da junta de freguesia do centro histórico do Porto, pois fez parte do movimento de Rui Moreira desde o primeiro dia. “Não, não nos zangámos, é um questão de ideias políticas”, justificou quando confrontado com o recente afastamento ideológico. Questionado sobre se a perda da população na freguesia, na qual ainda é responsável, representa uma falha sua, Fonseca recusa qualquer culpa, diz que a pandemia foi “a gota de água” e que Rui Moreira “não esteve a altura de dar uma resposta imediata às famílias e aos comerciantes”. O candidato do Chega no Porto promete “habitação acessível para a jovens, para que estes possam criar as suas próprias famílias”. “Precisamos rejuvenescer, o Porto está a envelhecer, está a ficar uma instância turística. Precisamos de pessoas, é fundamental repovoar a cidade.”

Bebiana Cunha, do PAN, embarca no mesmo sentido e acusa o atual executivo municipal de não ter tido “uma política de habitação estruturada”. “Claro que o problema já vem de trás, mas Rui Moreira trouxe para a cidade em 2013 um programa que visava promover a coesão social numa estratégia integrada e isso não foi concretizado ao longo destes quatro anos.”

A candidata diz mesmo nunca ter esquecido uma expressão do atual presidente num debate sobre este tema na câmara municipal. “Rui Moreira disse que quem não pudesse morar na rua das Flores, morava na rua da Corujeira. Agora pergunto, e as pessoas da Corujeira que estão a ser pressionadas para sair, onde vão viver?” A solução parece estar, segundo o PAN, numa “estratégia local de habitação e num plano para regulamentar o turismo e os alojamentos locais”. Mas Bebiana Cunha chama a atenção para outros números. “Há 25% de portuenses que precisam de acesso à habitação acessível, mais de 15 mil pessoas vivem em situação de pobreza energética, mais de 2 mil pessoas não têm agua e mais de mil estão em risco iminente de perda habitacional.”

A “cidade negócio” onde o turismo aterrou e deixou marca

Sérgio Aires, do BE, tem rotulado ultimamente o Porto como uma “cidade negócio” e reafirmou-o neste debate. “Muita gente anda a fazer negócio, mas pouca gente anda a lucrar com ele.” O bloquista critica ferozmente o modelo de desenvolvimento escolhido por Moreira, “que não distribui nem mantém os recursos financeiros e materiais na cidade, pelo contrário, expulsa-os”. Para Sérgio Aires, a cidade está assente numa “monocultura do turismo”, não sendo capaz de “reter ou atrair novas pessoas”, e alerta para a “descaracterização do centro histórico”, classificado património cultural da humanidade pela UNESCO, desde 1996. “Fico muito preocupado com os avisos que têm sido feitos [pelo ICOMOS] e que Rui Moreira tem ignorado.”

O autarca responde reconhecendo que a reabilitação no centro histórico trata da fachada, mas não protege o interior dos edifícios, e recorda que quem aprova os projetos é Direção Geral do Património Cultura, organismo “de grande exigência e confiança”. “Se a condição para ser património era estar como estávamos em 2005, então mais vale estar como estamos. As pessoas lembram-se como era a Rua Mouzinho da Silveira há 15 anos? Ou a Rua das Flores há 10? Quantas pessoas viviam lá?” Argumentos parecem não faltar ao atual presidente, que repesca uma notícia de 2010 para poder afirmar que “as pessoas não saíram da cidade devido ao turismo, saíram antes disso”.

Vladimiro Feliz responde ao seu principal adversário com ironia, acusando-o de “dizer uma coisa e o seu contrário”. “Rui Moreira diz que em 2010 o Porto já tinha uma dinâmica turística, mas há 15 minutos defendeu que foi a marca que criou que permitiu a dinâmica turística à cidade. É preciso ser mais coerente com o que vai dizendo porque se vai baralhando.” O independente sorri, devolvendo-lhe, assim, a ironia. O homem de confiança de Rio promete no seu primeiro mandato “recuperar 50% da população no centro histórico”, acredita que “o turismo não é excessivo”, mas lamenta que a pegada turística esteja apenas concentrada na baixa e na zona ribeirinha da cidade, defendendo que é necessário alargar a oferta e fazer com que o turismo se alastre para outras zonas.

“O Porto não são apenas números, o Porto são pessoas”, a frase é de Ilda Figueiredo, que a afirma sustentando que o “verdadeiro património não são as casas, mas as pessoas” e que a “grande perda da cidade são também as pessoas”. “Não quiseram planear o turismo e criar programas alternativos, deixaram que os grandes grupos e os privados andassem à vontade a correr com as pessoas”, constata.

Neste tema, Tiago Barbosa Ribeiro não duvida de que “somos todos a favor do turismo” e que este desempenha “um papel importante a nível económico”, mas insiste que a autarquia do Porto “falhou” nas medidas de contenção e voltou a falhar durante a pandemia, sendo a câmara que “menos investiu em medidas de apoio a famílias e a empresas”. “Se o turismo é importante deveria ter sido apoiado.” Por outro lado, a candidata do PAN alerta que não existe “um estudo sobre a carga turística no Porto”, capaz de avaliar o seu impacto social e ambiental. Para Bebiana Cunha, a qualidade de vida dos portuenses é também sinónimo de qualidade ambiental, por isso propõe “uma resposta de proximidade” pautada por “mais parques infantis, parques caninos e pequenas hortas comunitárias”.

As queixas dos bairros e as promessas de mais segurança e menos pobreza

Depois da habitação e do turismo, é hora de falar dos bairros municipais. Neste capítulo, Sérgio Aires faz um diagnóstico duro, afirmando que estes vivem “uma situação crítica do ponto de vista humano”. O candidato do BE defende que não basta “fazer casas para enfiar as pessoas”, é necessário uma intervenção social e um investimento na requalificação urbanística, acusando a câmara de realizar uma “requalificação de fachada”. “Vemos que o investimento foi feito por fora, na fachada, mas não no interior. Em alguns casos, as obras pioraram as condições habitacionais.”

Rui Moreira rejeita a ideia de “investimento de fachada” e sublinha que tem melhorado “a eficiência energética e o conforto” dos bairros. No que toca à intervenção social, recorda atividades e programas que levam o desporto e animadores a estes locais, reconhecendo a necessidade de “a sociedade desenvolver instrumentos” para que a população mais idosa e solitária seja acompanhada e não institucionalizada.

Se Ilda Figueiredo traz as queixas dos moradores da Pasteleira ou do Cerco sobre a “falta de diálogo com a autarquia” ou “os painéis solares instalados que não funcionam há vários meses”, Tiago Barbosa Ribeiro realça o descontentamento de quem vive no bairro de Aldoar e que não tem direito a um parque infantil ou de quem mora no bairro de Pinheiro Torres e vive “aterrorizado com o tráfico de droga”. “São necessárias medidas de mobilidade para a população envelhecida, há pessoas que vivem num terceiro andar e não conseguem sair de casa nem de uma cadeira de rodas. É uma realidade que Rui Moreira não conhece porque vive numa bolha de privilégio.

As fragilidades dos bairros sociais confundem-se com as questões de segurança, que apesar de não serem exclusivos destas zonas, tornam-se mais acentuadas por lá. “No bairro do Marechal Gomes da Costa ou de Aldoar vemos cidadãos que recorrem a soluções de segurança privada e isto não é digno de uma cidade europeia”, atira Vladimiro Feliz, reconhecendo que a autarquia, e consequentemente a polícia municipal, não tem total competência nesta matéria, mas sugere mais “articulação da câmara com os meios do estado central”. “Na cimeira europeia na Alfândega os problemas foram todos resolvidos”, diz, mais uma vez, com ironia.

Para o candidato do BE, a melhor forma do Porto ser uma cidade segura é “combater a pobreza”. “O modelo atual cava as desigualdades sociais, hoje a pobreza afeta a classe média e os comerciantes. É fundamental perceber que se queremos segurança temos de prevenir e combater a pobreza e não é com subsídios e pequenos cosméticas que isso se faz.” Neste contexto, António Fonseca, do Chega, promete “criar um sistema de vídeo vigilância nas zonas propícias ao crime e ter agentes da polícia municipal na abertura e encerramento de todos os estabelecimentos de ensino”.

Já o candidato socialista garante que o município tem um instrumento de prevenção criminal à sua disposição, o conselho municipal de segurança, e, com ironia, critica a postura do independente relativamente ao poder central. “Rui Moreira em matéria de descentralização é uma espécie de católico não praticante, quer mais competência, mas quando o governo as quer transferir não as aceita. Assim é difícil.”