O arguido Fabião Mabunda admitiu, esta segunda-feira, em tribunal, ter recebido dinheiro da empresa acusada de pagar subornos e transferido para Ângela Leão, arguida e mulher do antigo diretor da “secreta” moçambicana, também acusado no processo das ‘dívidas ocultas’. Mabunda, um empreiteiro, respondia a perguntas do Ministério Público moçambicano, durante a audição no julgamento que decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo.

No seu depoimento, aceitou ter recebido pagamentos em diversas parcelas de empresas do grupo Privinvest, cujo negociador, o cidadão libanês Jean Boustani, é acusado de ter pagado subornos alimentados pelas chamadas ‘dívidas ocultas’.

Fabião Mabunda, 43 anos, também fez pagamentos de vários serviços e bens ligados a obras de construção e compra de imóveis da família de Gregório Leão.

O arguido disse que a sua empresa de construção civil assinou com uma pessoa que se identificou como estando ao serviço da Privinvest um contrato de empreitada que seria executado na doca do porto de Maputo, o que nunca chegou a acontecer.

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O contrato foi assinado com a Privinvest, empresa de estaleiros navais com sede em Abu Dabi, após o banco onde era depositado o dinheiro exigir o fundamento da primeira transferência daquela companhia, no valor de um milhão de dólares (846 mil euros).

“O que me espantou, digníssima [magistrada do Ministério Público], é que um tempo depois me ligaram [a dizer]: ‘vai receber dinheiro na sua conta'”, afirmou Mabunda.

O espanto deveu-se ao facto de a transferência bancária ter sido feita antes de as partes assinarem o acordo de execução de obras na doca, acrescentou o empreiteiro.

O arguido afirmou que, pouco tempo depois, entregou o dinheiro ao alegado representante da Privinvest, seguindo instruções deste.

Mabunda declarou que recebeu mais transferências bancárias daquela companhia, repassando o dinheiro para pessoas indicadas por Ângela Leão, empreiteiros e empresas de prestação de diversos serviços.

Confrontado com provas de muitos dos serviços e bens que disse ter pagado, Fabião Mabunda alegou, por diversas vezes, que perdeu muita documentação, quando a sua empresa fechou na sequência da sua detenção, em 2019, no âmbito do processo das ‘dívidas ocultas’.

O Ministério Público acusa o antigo diretor do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE) e a sua mulher de terem recebido cerca de nove milhões de dólares (7,6 milhões de euros) de subornos da Privinvest pelo papel que Gregório Leão teve para a aprovação do projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva usado como ardil para a contração das ‘dívidas ocultas’.

Nas alegações que leu no primeiro dia do julgamento, em 23 de agosto, o Ministério Público acusou os 19 arguidos das ‘dívidas ocultas’ de se terem associado em “quadrilha”.

A conduta dos 19 arguidos, prosseguiu, delapidou o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares (2,28 mil milhões de euros) – valor apontado pelo Ministério Público e superior aos 2,2 milhões de dólares até agora conhecidos no caso – angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo.

Para o Ministério Público moçambicano, entre os diversos crimes que os arguidos cometeram incluem-se associação para delinquir, tráfico de influência, corrupção passiva para ato ilícito, branqueamento de capitais, peculato, abuso de cargo ou função e falsificação de documentos.

As ‘dívidas ocultas’ foram contraídas entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.

Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.