Em 2019, Daniel Alves deu por encerrado o capítulo europeu da sua carreira, pegou em todos os títulos conquistados até então e voltou ao Brasil 17 anos depois de ter saído do Bahia para o Sevilha. Nesse verão, chegou ao Morumbi, como é conhecido o estádio do São Paulo, onde foi apresentado com tudo aquilo a que possivelmente tinha direito. Acabado de chegar do PSG, rumou à equipa brasileira para vestir o número 10 e Kaká, eterna glória do clube, foi à apresentação entregar-lhe a camisola, perante cerca de 45 mil pessoas nas bancadas. O evento era tão impactante para os principais envolvidos (jogador, clube e adeptos) e tinha tanta vibe de último samba do jogador que até Messi, através de um vídeo, marcou presença na festa, no início de agosto de 2019. “Queria saudar-te e desejar o melhor nesta etapa da tua carreira. Que desfrutes do regresso ao teu país e de poderes jogar aí novamente depois de tanto tempo fora”, disse então La Pulga. Ambos foram colegas – com muitas vitórias e troféus – no Barcelona e ainda hoje mantêm relação.

Kaká e Messi foram talvez as caras mais reconhecidas a nível recente dessa apresentação, mas houve também Luís Fabiano em pessoa e Casemiro em vídeo, ambos com passagens pelo FC Porto, e até Luis Suárez. Daniel Alves, que a dada altura da cerimónia no tricolor até se descalçou para beijar o emblema do clube no chão do Morumbi, prometeu ser mais um, igual a todos os outros que olhavam para ele com admiração, de lugares onde o próprio já tinha estado anos antes.

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“Queria dizer apenas que hoje o São Paulo não contratou um jogador mas um adepto como vocês. Quero agradecer pelo momento que me estão a proporcionar e prometo retribuir com a mesma entrega. Espero que juntos possamos devolver a alegria de fazer história no São Paulo. Não deixem de acreditar nos vossos sonhos porque são possíveis. Agora, depois de ter andado por todo o mundo, é o primeiro clube em que visto a camisola e sou adepto. É uma emoção receber este manto. O momento chegou, chega de falar e vamos fazer, juntos”, afirmou Dani Alves na noite em que foi apresentado como reforço do clube de São Paulo, que vinha com o grande objetivo de tirar a equipa do jejum de títulos em que se encontrava. Apesar do tal sentimento de reforma que pairava no ar, até porque na altura já tinha 36 anos, o defesa vinha ainda com muito futebol para dar, acabado de ganhar com o Brasil uma Copa América da qual foi eleito o melhor jogador.

E a estreia foi auspiciosa e certeira, num encontro caseiro frente ao Ceará, na 15.ª jornada do Brasileirão daquele ano. Titular indiscutível, jogou no meio-campo e marcou o golo da vitória nesse jogo. Acabaria por jogar mais nessa posição do que na eterna lateral direita a que habituou a Europa e o mundo, não só porque o queria fazer, mas também porque o espanhol Juanfran (daqueles que “chegam para jogar e pronto”) ajudou à decisão. Cedo se tornou capitão da equipa, que até teve dois treinadores durante a época, somando inclusivamente mais um golo e três assistências em vinte jogos, mas sem grandes resultados a nível coletivo, com o São Paulo a acabar em sexto no campeonato brasileiro.

A época de 2020 arrancou com Daniel Alves a fazer cinco golos em dez jogos, o que fazia antever coisas boas para a equipa até que se deu a pausa devido à Covid-19. Quatro meses depois a produção e as exibições da equipa não foram as mesmas e, após uma fratura no antebraço direito que necessitou de cirurgia. Foi aqui o primeiro momento conturbado do atleta no tricolor. A lesão devia tirá-lo do campo durante um mês e, durante o período da viagem do São Paulo para a Libertadores na qual Alves não foi por estar lesionado, apareceram vídeos nas redes sociais do jogador a tocar instrumentos de percussão, o que não caiu bem na massa adepta.

Aquando do regresso aos relvados as coisas não correram também pelo melhor e a época não se tornou naquilo que o clube, os adeptos e Daniel Alves quereriam certamente, incluindo até uma derrota por 5-1 frente ao Internacional, naquele que foi o maior desaire da história do clube no Morumbi e que custou ainda, na altura, a liderança do Brasileirão. Quem segue ou conhece o futebol sabe como este tipo de coisas funciona e, assim que os resultados começaram a piorar, a “cobrança” caiu não só na equipa técnica como também no craque Daniel Alves. A época de 2020 acabaria com o jogador a conseguir sete golos, um máximo de carreira, e sete assistências. Já com o histórico ex-avançado argentino Hernan Crespo no comando técnico do São Paulo, Daniel Alves ajudaria a equipa a conquistar o Paulistão, mesmo não tendo jogado na segunda mão da final frente ao Palmeiras. O campeonato Estadual foi o primeiro título a interromper um jejum do São Paulo de quase nove anos.

O jogador foi depois convocado para os Jogos Olímpicos de Tóquio, no qual somou o 41.º título da carreira, sendo o futebolista com mais conquistas coletivas no planeta, mas o regresso já foi atribulado. Aliás, toda a representação pelo Brasil foi pouco pacífica com o clube, do qual acabou por perder nove jogos oficiais, incluindo jogos da Taça do Brasil e da Libertadores. Não gostou o clube e não gostaram os adeptos. O jogador não se deixou ficar: “As pessoas falam porque não conhecem a minha dedicação, entrega e respeito para com o São Paulo, sendo que o São Paulo muitas vezes falhou comigo, e eu não falho com o São Paulo”, disse o jogador na altura em entrevista ao Uol.

“O São Paulo tem coisas pendentes comigo e não fui à imprensa falar disso porque respeito o momento do clube, mas também gostava que o São Paulo e as pessoas me respeitassem, porque o que se diz não é verdade. Tenho muito orgulho em vestir a camisola do São Paulo, trabalho muito para isso e gostaria que respeitassem as minhas decisões às vezes. É muito difícil estar no São Paulo, representar o São Paulo, sendo que o São Paulo não se comporta como eu me comporto. Mas nunca vou expor o São Paulo”, disse ainda, referindo-se a uma dívida que o clube tinha para com ele.

Foi mesmo essa dívida que acabou por “matar” a relação entre jogador e clube, que se encontra num situação financeira bastante desconfortável. A Daniel Alves o clube deve cerca de três milhões de euros (18 milhões de reais), com o jogador a decidir não retornar ao clube depois dos últimos jogos, na passada semana, da seleção do Brasil, nos quais marcou presença. Assim, o clube foi claro, através do Twitter: “Tomámos a decisão e informámos Hernan Crespo [treinador da equipa] que Daniel Alves não está disponível para jogar no São Paulo. Ninguém está acima do clube”. Foi esta a resposta do São Paulo à ausência do jogador após a pausa para os compromissos internacionais. Mas, ainda com contrato a vincular ambas as partes, a situação está ainda por resolver. Segundo o Uol, todos esperavam ter definições até ao passado fim de semana, o que não aconteceu, havendo nova conversa marcada para esta segunda-feira. Os caminhos são relativamentes claros: ou rescisão amigável ou fim das conversas, o que pode levar à Justiça.

A verdade é que, com poucos mercados futebolísticos ainda abertos (México, Qatar, Emirados Árabes, Arábia Saudita, Argentina…), Daniel Alves apenas fez seis jogos esta época pelo São Paulo e, assim, pode ser inscrito por outra equipa brasileira, o que não aconteceria caso tivesse ultrapassado esse número. Parecia um match made in heaven, mas afinal não correu bem, por mais que Daniel Alves quisesse orgulhar o pai, que fez dele um fã acérrimo do São Paulo.