Os piores (ou melhores, depende da perspetiva) ingredientes para escrever um filme de terror nascem do cruzamento entre os fantasmas do passado e o pesadelo do presente. Ou seja, tudo o que o Barcelona iria juntar, na receção ao Bayern em Camp Nou no arranque da Liga dos Campeões. E tudo o que os catalães tentariam reverter em busca de novos capítulos de bonança que recolocassem a equipa e o próprio clube no patamar que conquistou com uma história que se tornou internacional nas últimas décadas.

Messi contra 11 e no final golearam os alemães – e acabou de vez uma era no futebol (a crónica do Barcelona-Bayern)

Comecemos pelos fantasmas. O maior mas que todos querem relativizar como se fosse algo pequeno foi aquele fatídico jogo no Estádio da Luz, a 14 de agosto do ano passado, quando os bávaros sentenciaram da forma mais cruel o fim de uma era no futebol blaugrana com uma goleada histórica por 8-2 nos quartos da principal prova europeia de clubes. O pequeno, mas que todos sabem que será gigante nos próximos anos, era o primeiro encontro de Champions sem Lionel Messi no plantel. Até mesmo quando não podia jogar, o argentino era uma espécie de reserva de segurança para todos, um abono de família que só voltará a sentir caso Ansu Fati confirme a melhor recuperação da lesão grave que contraiu na temporada passada.

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Uma versão “custo zero”, sem Messi, com treinador e presidente a trocarem “indiretas”. É este Barça que vai vingar o 8-2?

Depois, o pesadelo que o clube vai vivendo nos últimos meses e do qual ainda não saiu. Com um pouco de tudo: a situação financeira caótica com uma dívida acumulada de 1,35 mil milhões de euros que “obrigou” a que pesos pesados do plantel tivessem de reduzir o seu vencimento para que os culés pudessem inscrever reforços, a recente polémica em torno de Jordi Alba com acusações de que poderia ter também alguma culpa na saída de Messi, a relação que já viveu melhores dias entre o presidente Joan Laporte e o treinador Ronald Koeman, as críticas internas à atuação dos atuais órgãos sociais, os processos que continuam a correr na Justiça, nomeadamente o famoso Barçagate que envolve o antigo líder Bartomeu.

Era neste contexto que Camp Nou voltava a receber público nas bancadas num jogo da Champions quase dois anos depois e logo contra um Bayern que, entre alterações na liderança (muito antes anunciada, com Oliver Kahn a ocupar a vaga de Karl-Heinz Rummenigge), no comando técnico (Hansi Flick foi para a seleção, Julian Nagelsmann rumou à Baviera) e até na equipa mas de forma pensada, ponderada, com desafogo nas contas e sempre obedecendo à ideia que transformou os bávaros no melhor do mundo no seu todo, considerando todas as áreas de ação de um clube. E essa diferença viu-se bem em campo.

A jogar com uma linha de três atrás liderada por Piqué e com Depay mais móvel em dupla com o estreante Luuk de Jong na frente, o Barcelona ainda foi conseguindo equilibrar durante o primeiro quarto de hora mas o ascendente do Bayern chegou de forma quase natural, com Ter Stegen a evitar com uma grande defesa o primeiro golo de Leroy Sané entre múltiplas aproximações bávaras sem a finalização desejada. Só faltava mesmo o 1-0 para materializar esse domínio e o mesmo chegou com alguma sorte à mistura por Müller, num tiro de fora da área que desviou em Eric Garcia e não deu hipóteses de reação a Ter Stegen (34′). No jogo 125 na Champions, no dia seguinte a completar 32 anos, o internacional alemão fazia a diferença ao intervalo numa primeira parte que não teve remates à baliza dos catalães.

Koeman deixou uma mensagem clara à equipa ao intervalo: queria mais bola no meio-campo adversário, queria outra capacidade na transição defensiva, queria uma versão mais dominadora. Durante uns minutos ainda foi isso que aconteceu, com Busquets a arriscar mesmo a meia distância. No entanto, o Bayern estava mais a consentir do que a sofrer com este período, criando depois mais uma oportunidade flagrante travada por Ter Stegen e chegando ao 2-0 por Lewandowski, na recarga a um remate ao poste de Musiala (56′), antes de fechar as contas já nos últimos minutos na recarga após mais um tiro nos ferros (85′). Os bávaros, sem fazer a melhor exibição da temporada, mostraram que estão noutro patamar bem acima de um Barcelona ainda a digerir tudo o que se passou. E essa é a melhor notícia possível para o Benfica.